A facada que mudou a eleição: o que se sabe sobre o atentado que turbinou a onda Bolsonaro
Na véspera do feriado de Independência, Jair Bolsonaro teve o abdômen perfurado por um homem armado com uma faca. O criminoso foi preso, mas ainda há dúvidas se ele agiu por conta própria
Dia 6 de setembro. Fernando Haddad nem sequer havia sido formalmente anunciado como candidato do PT. A pesquisa Ibope para presidente, que indicava empate entre Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), na segunda posição, era liderada por Jair Bolsonaro (PSL). Naquela data, surgiu um nome totalmente alheio às eleições: Adélio Bispo de Oliveira.
O homem que desferiu uma facada em Bolsonaro durante um ato de campanha em Juiz de Fora (MG) mudou o rumo da corrida presidencial. Cientistas políticos previram que a comoção sobre o caso poderia mudar a eleição e, inclusive, compensar o pouco tempo de TV do presidenciável no primeiro turno, que era de apenas 8 segundos.
“Ele vai ganhar visibilidade, vai aparecer mais nas televisões”, disse o cientista político da PUC-PR, Mario Sergio Lepre. “Vai ter um aumento de intenções de voto porque muita gente que estava indecisa acaba tendendo a votar no Bolsonaro nesse momento pela comoção que isso gera. Muitas pessoas que tinham vergonha de dizer que votam no Bolsonaro agora vão ter coragem de admitir”, analisou o cientista político Marcio Coimbra.
Dito e feito. Coincidência ou não, desde então, o capitão não parou de crescer nas intenções de voto ainda no primeiro turno:
Aliados de Bolsonaro chegaram a dizer que, politicamente, a facada foi boa para o presidenciável. “Acho que [o atentado] não foi tão prejudicial como poderia ser, apesar de fruto dessa barbaridade contra ele. A exposição foi grande na imprensa. Acho que, no final das contas, foi mais positivo do que negativo, apesar da tragédia”, declarou general Mourão (PRTB), companheiro de chapa, no dia 28 de setembro.
Até mesmo um dos quatro advogados de Adélio Bispo pensa isso: “O Bolsonaro tem que orar a Deus todo dia pelo Adélio”, disse Zanone Manuel de Oliveira Junior.
Quinta-feira, 6 de setembro
Bolsonaro literalmente “deu o sangue pela presidência” – se confirmada a vitória nas urnas, claro. Após o atentado, o candidato foi imediatamente levado por policiais federais à Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Ele chegou a perder mais de 2 litros de sangue até ser estabilizado.
“Ele deu entrada [na emergência] em estado de choque e foi submetido à cirurgia para estancar uma hemorragia interna, com lesão na veia do abdômen”, informou o médico cirurgião Luis Henrique Borsato, da Santa Casa, na noite do dia do atentado. A facada foi na parte da tarde.
Em paralelo, Adélio Bispo foi preso em flagrante pela equipe da PF que fazia a segurança do candidato. Com ele, foi apreendida a faca do crime, que estava enrolada em um jornal. Também foram abordados outros dois suspeitos e liberados nos dias seguintes.
Em depoimento, o esfaqueador disse que tinha motivos políticos e religiosos para praticar o atentado. Ele teria dito que “recebeu uma ordem de Deus” para tirar a vida de Bolsonaro.
PERFIL: Quem são os advogados que defendem o agressor de Bolsonaro
Pouco se sabia sobre o agressor de Bolsonaro. Em cerca de uma hora após o atentado, veio a confirmação de que Adélio foi filiado ao PSOL de Minas Gerais entre 2007 e 2014. Um perfil de Facebook confuso indicava “ódio da direita”. Familiares do suspeito, contudo, relataram à imprensa de Minas Gerais que Adélio era uma pessoa com ‘distúrbios psicológicos’.
O fato é que pouco após o incidente, advogados foram contratados para assumir o caso. Além de Zanone de Oliveira, atuam na defesa os criminalistas Fernando Magalhães, Pedro Filipe Possa, Marcelo Manuel da Costa.
Zanone diz ter sido contatado por um evangélico que conhecia Adélio e que estaria em um grupo de WhattsApp comentando os fatos. “Naquela hora [do atentado] discutiram quem poderia ajudar o Adélio e que tinha que ser um especialista. Vários nomes foram citados, inclusive o meu, porque todo mundo que assistiu aos vídeos dos fatos visualizou uma tentativa de homicídio”, contou o advogado à Gazeta do Povo.
Os dias seguintes
Segundo Zanone, como se pensou que o caso poderia ir a júri, ele foi acionado. Mas desde o início o trabalho foi para que o autor confesso da facada respondesse por crime previsto no artigo 20 da Lei 7.170/1983, também conhecida como Lei de Segurança Nacional. Com o indiciamento, o esfaqueador pode pegar até 20 anos de prisão.
Na audiência de custódia, no dia seguinte ao atentado, Adélio repetiu à juíza Patrícia Alencar Teixeira de Carvalho, da 2.ª Vara Federal de Juiz de Fora (MG), que tinha motivação política. Para a procuradora da República Zani Cajueiro, do Ministério Público Federal em Juiz de Fora, o preso mostrou “lucidez e coesão”.
A Polícia Civil de Minas Gerais chegou a abrir um inquérito estadual, mas o juiz mineiro Paulo Tristão Júnior ordenou a interrupção por entender que a competência é exclusiva da Justiça Federal.
Mas os advogados insistiram na insanidade do cliente e na transferência do caso da esfera estadual para federal. Conseguiram as duas coisas:
No sábado de 8 de setembro, Adélio Bispo foi transferido de Juiz de Fora para o Presídio Federal de Campo Grande (MS), onde conta com cela individual com cama, banco, escrivaninha, prateleira, vaso sanitário, pia e chuveiro. No dia 12, o juiz federal Bruno Savino negou o teste psiquiátrico, mas autorizou a realização de um exame paralelo, bancado pela defesa. Com o laudo do médico particular que aponta insanidade, concluído há cerca de três semanas, segundo Zanone, os advogados aguardam até hoje a realização de um exame da parte do estado.
Primeiro e segundo inquérito
Imediatamente após o ataque, foi aberto um inquérito pela Polícia Federal, segundo o delegado responsável pelo caso, Rodrigo Morais Fernandes. Dia 28, o primeiro inquérito foi concluído e reforçou que o agressor agiu sozinho. Mas um “tira-teima” foi lançado: dia 25, três dias antes da apresentação já havia sido apresentado o início de um novo inquérito para certificar e confirmar a possibilidade de haver outros envolvidos.
Na entressafra entre os dois inquéritos, dia 26 de setembro, surgiu a confirmação de que o homem que esfaqueou Bolsonaro quis concorrer a uma vaga na Câmara dos Deputados em 2014, rascunhou projetos de lei e esteve em Brasília buscando apoio político em 2013. Aos investigadores, disse que foi plagiado por Michel Temer porque alega ser o pai do Ministério da Segurança Pública, criado neste ano.
O segundo inquérito prometeu uma “devassa na vida” do agressor do candidato e novas suspeitas foram encontradas. Como a Gazeta do Povo antecipou, Adélio Bispo teve 39 empregos em 18 anos e passou por dezenas de cidades durante os últimos anos. “O Adélio era realmente um andarilho, ajudante de tudo quanto é coisa”, reconhece o advogado Zanone Júnior.
Relações com o PCC?
Ao investigar as “andanças” do agressor pelo Brasil, a PF levantou a suspeita de que Adélio tenha mantido contato com facções criminosas, o que levou o delegado responsável pelo caso a pedir prorrogação do inquérito no dia 18 de outubro. A solicitação aconteceu um dia depois de um homem ser encontrado morto na pensão de Juiz de Fora onde morava o agressor do candidato do PSL.
No pedido de prorrogação, Morais Fernandes destacou a necessidade de “deslindar as notícias nos autos quanto ao envolvimento de Facções Criminosas, a exemplo do Primeiro Comando da Capital – PCC”.
EXCLUSIVO: Agressor de Bolsonaro teve 39 empregos em 18 anos e nunca foi açougueiro
A defesa descarta o envolvimento do cliente com a facção criminosa. “Na verdade eles viram que não existe teoria da conspiração. O Adélio agiu sozinho”, garante Zanone. Inclusive, agora, a defesa também está sendo investigada. “Estão atuando em várias frentes. Vendo se recebemos do PCC, do Papai Noel, do PSOL, do PT”, ironiza o advogado. Chegou-se a especular que o US$ 1,5 milhão apreendidos pela Receita Federal com o filho do ditador da Guiné Equatorial e vice-presidente do país, Teodoro Obiang Mangue, teria relação com o financiamento da defesa.
Chá de sumiço
Os advogados do caso, até o momento, não revelam quem os contratou. Zanone confirma que recebeu parte do pagamento em dinheiro vivo. “Fez o pagamento, ficou devendo a outra parte e não voltou mais”, afirma.
Perguntado se poderia deixar o caso pela falta de pagamento, o advogado diz que ainda não tem uma decisão e que, ‘por experiência própria’, o caso deve levar de seis a sete anos até chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Metodologia da pesquisa citada
Pesquisa realizada pelo Ibope de 1/set a 3/set/2018 com 2.002 entrevistados (Brasil). Contratada por Tv Globo e jornal O Estado de S. Paulo. Registro no TSE: BR-05003/2018. Margem de erro: 2 pontos percentuais. Confiança: 95%.