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País conflagrado

Os 5 anos de agitação política que levaram Bolsonaro ao poder

Insatisfação popular com os políticos ficou explícita nos protestos de junho de 2013 e se acirrou com a Lava Jato. Impeachment de Dilma parecia ter acalmado as ruas. Mas corrupção no governo Temer e em outros partidos frustrou os brasileiros de novo. E Bolsonaro encarnou a revolta contra o sistema político

Fernando Martins
Os 5 anos de agitação política que levaram Bolsonaro ao poder
Manifestantes ocupam a rampa do Congresso, em junho de 2013: turbulência política que já dura cinco anos. Foto: José Cruz/ABr.
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A eleição de Jair Bolsonaro (PSL) para a Presidência da República é resultado de cinco anos de agitação marcados pela insatisfação da população com os políticos. Esse processo de descontentamento popular ficou evidente com as jornadas de junho de 2013 e acirrou-se com a Lava Jato. O impeachment de Dilma Rousseff (PT) parecia ter acalmado as ruas. Mas as denúncias de corrupção contra Michel Temer (MDB) e partidos que apoiaram a deposição da petista, como o PSDB, frustraram quem acreditou numa “nova política” a partir da cassação da petista. A possibilidade real de que o PT voltasse ao Planalto na eleição deste ano, apesar de tudo o que se revelou contra o partido, reacendeu a insatisfação da maioria da população. Ela se personificou em Bolsonaro: o novo presidente do Brasil é “filho” da revolta popular contra o sistema político.

O ano de 2013 foi quando a insatisfação com os políticos ficou explícita. As jornadas de junho começaram como um protesto contra o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo. A repressão violenta da polícia àquelas manifestações acendeu a fagulha da solidariedade em milhões de brasileiros – que saíram às ruas com uma pauta bem mais ampla, sobretudo pela melhoria de serviços públicos e o combate à corrupção.

Havia naquelas multidões uma rejeição muito grande aos políticos. “Sem partido” era o grito de guerra dos manifestantes quando algum militante erguia a bandeira de uma legenda ou quando algum político tentava “surfar” na onda do movimento.

Jornadas de junho marcaram o fim da lua de mel da população com o PT

As jornadas de junho pegaram o governo da então presidente Dilma de surpresa. Os protestos não tinham lideranças claras. Eram genuinamente populares. Estava terminada a lua de mel do Brasil com o PT, que havia tido como auge 2010, último ano do mandato de Lula – que deixou a Presidência com 87% de aprovação popular, segundo pesquisa Ibope daquela época.

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Petistas não esconderam a decepção com o que entendiam ser uma “ingratidão” contra um governo que “nunca na história desse país” havia feito tanto pelos brasileiros. Mas, sob pressão, Dilma anunciou cinco pactos em favor do Brasil: pela responsabilidade fiscal, pela reforma política e por melhorias na saúde, para melhorar o transporte urbano e para investir na educação.

Daquelas promessas, só uma viria a se transformar num programa de governo afetivo: o Mais Médicos. Mas a presidente, ao propor os pactos, havia conseguido acalmar as ruas. Ao menos por um tempo. Também contou a seu favor a radicalização do movimento, que foi “sequestrado” pelos black blocs. Suas ações de vandalismo afastaram a maioria dos manifestantes das ruas.

Lava Jato atingiu a classe política como um todo; Bolsonaro passou ileso

Veio 2014. A Lava Jato foi deflagrada e passou a revelar um imenso esquema de corrupção nos governos do PT – cujo objetivo, segundo a força-tarefa da operação, era perpetuar o partido no poder por meio do financiamento de campanhas eleitorais. A economia também começava a dar mostras de que ia mal. Mas a maioria da população deu um novo crédito a Dilma e a reelegeu. Mas, por muito pouco, Aécio Neves (PSDB) não venceu aquela disputa que acentuou a polarização política no país. Era um sinal: a paciência estava acabando com o PT.

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Logo Dilma mostrou que o plano de governo que apresentou na campanha era um blefe para ganhar a eleição. Com a economia dando marcha à ré e a Lava Jato no encalço da cúpula petista, inclusive do ex-presidente Lula, o impeachment entrou na agenda do cidadão já a partir de 2015, quando população começou a sair novamente às ruas. Desta vez, para pedir a cassação da presidente.

A insatisfação popular voltava a dar as caras – agora, com uma configuração mais à direita, o que não havia ficado evidente em junho de 2013. Dilma caiu. Michel Temer (MDB) assumiu: virou presidente, em 2016. Mas foi outro a ser tragado pelo avanço da Lava Jato. Bem como grande parte dos partidos brasileiros. Caso do PSDB, a sigla mais “anti-PT” no imaginário popular até então.

Bolsonaro encarna o “outsider”, mesmo sendo um político

A rejeição aos partidos, uma das marcas de 2013, havia crescido ainda mais. E o terreno estava preparado para o surgimento de um “outsider”, alguém de fora do sistema, para dar uma solução radical ao país: “quebrar” o sistema corrupto.

Alguns nomes chegaram a ser cotados encenar esse papel: o juiz Sergio Moro, o apresentador de TV Luciano Huck, o ex-ministro do STF Joaquim Barbosa. Mas nenhum deles quis entrar na política. E o figurino coube em Bolsonaro. Deputado do chamado baixo clero da Câmara desde 1990, ele não é exatamente um outsider. Mas passou a ser visto assim pela população.

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Bolsonaro foi favorecido pelas circunstâncias. Passou ileso pela Lava Jato, o que lhe garantiu a imagem de que não faz parte do “sistema”. Além disso, com um discurso radicalmente antiesquerdista, em defesa dos valores da família e de linha dura contra o crime, conquistou o eleitor de direita, conservador e que está cansado com “tudo o que está aí”, sobretudo com a escalada dos índices de criminalidade.

Bolsonaro defende punição severa – quando não a morte – de bandidos. Coloca-se contra os “direitos humanos para criminosos”. Prega o direito de o “cidadão de bem” ter arma para se defender. Combate o “kit gay” e a ideologia de gênero nas escolas. Elogia a ditadura militar – instituída em 1964 com o argumento de acabar com a ameaça comunista. E diz que os petistas querem instituir o socialismo no Brasil, dizendo ser necessário “fuzilar a petralhada”. Com essa agenda, Bolsonaro catalisou em si a simpatia de quem é contra a esquerda e os “progressistas” em geral e o PT em particular.

Renascimento radicalizado do PT pós-impeachment “ajudou” Bolsonaro

Talvez Bolsonaro não tivesse chegado aonde chegou se o PT não tivesse ressurgido das cinzas após o impeachment de Dilma. E se a possibilidade de o Partido dos Trabalhadores voltar ao poder nas eleições de 2018 não tivesse se tornado real. Muitos analistas acreditam que Bolsonaro, o candidato mais antipetista no imaginário popular, poderia não ter crescido tanto se não fosse por causa da “ameaça vermelha”.

A cassação da ex-presidente, em 2016, foi o ponto mais baixo da trajetória do partido. Mas a sigla conseguiu construir um discurso muito bem articulado de que a petista havia sido vítima de um golpe – que colou em parte expressiva da opinião pública. Paralelamente, a tese de que Lula sofre perseguição da Lava Jato também encontrou eco em parte da população.

Para embasar sua narrativa, o PT radicalizou o discurso. Passou a atacar a imprensa, a Justiça, o Ministério Público e o Congresso – que, segundo o partido, teriam articulado o “golpe” contra Dilma. A sigla também deu uma forte guinada à esquerda para inflamar a militância que parecia adormecida. A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, por exemplo, chegou a elogiar o centenário da revolução comunista da Rússia, o guerrilheiro Che Guevara e o ditador venezuelano Nicolás Maduro.

O insucesso do governo Temer para retomar o crescimento sustentado da economia e seu envolvimento em casos de corrupção também ajudaram o PT a se reerguer. Parte do eleitorado entendeu que todos os políticos eram corruptos da mesma forma. E, dentro dessa lógica, corrupto por corrupto, pelo menos seria melhor escolher alguém que lhe fez algo de bom. Ao olhar para trás, muito eleitores só viram uma imagem: a de Lula.

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O ex-presidente Lula percebeu essa oportunidade. E a explorou em seu favor. Virou favorito nas pesquisas eleitorais para presidente. Mas havia um porém: condenado em primeira instância na Lava Jato em 2017, ele ficaria de fora da disputa se também fosse sentenciado pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4). Então o PT lançou slogan de que “Eleição sem Lula é fraude” – para tentar evitar uma condenação em segunda instância que o impediria de ser candidato a presidente. Não deu certo. Em janeiro deste ano, o TRF4 até mesmo ampliou a pena contra o petista que havia sido estabelecida pelo juiz Sergio Moro.

Ainda assim, Lula manteve as caravanas pelo país para divulgar sua candidatura fadada a ser barrada na Justiça Eleitoral. Especialmente no Sul, foi alvo de muita hostilidade na região tradicionalmente mais antipetista do país. Um dos ônibus da caravana chegou a ser alvo de tiros no Oeste do Paraná, em março.

Eleição de 2018 também foi marcada por muita turbulência

Lula acabou sendo preso em abril – não sem antes transformar sua “rendição” em um grande ato político que levou de milhares de petistas e simpatizantes às ruas. Como sabia que não podia concorrer por causa da Lei da Ficha Limpa, construiu (sem admitir) uma candidatura alternativa para ser lançada já durante a campanha eleitoral: a de Fernando Haddad.

Embalado pela transferência dos votos que eram de Lula, Haddad passou pelo primeiro turno. Um primeiro turno, aliás, com muita turbulência política, tal como os cinco anos anteriores: troca do candidato petista em cima da hora, grandes manifestações de rua contra e a favor de Bolsonaro e um atentado a faca que quase tirou a vida do hoje presidente eleito.

O segundo turno entre Bolsonaro e Haddad – uma espécie de plebiscito a favor ou contra o petismo – tampouco foi calmo. Os dois lados trocaram acusações. O debate eleitoral virou uma “guerra” para saber em qual suposta ditadura o país se transformaria: a militar de Bolsonaro ou a bolivariana do PT. Houve uma enxurrada de fake news contra os dois. A divergência política transbordou em casos de agressões entre eleitores, sobretudo nas redes sociais. E até em um assassinato, na Bahia.

A insatisfação com o PT falou mais alto. E Bolsonaro foi quem ecoou essa voz das ruas. Agora que ele sentará na cadeira de presidente, resta saber o que fará diante da agitação política que o levou ao poder. Vai abandonar a retórica truculenta para pacificar o país, como sinalizou no discurso da vitória? Ou vai transformar seu discurso virulento em ações concretas, alimentando ainda mais a turbulência nacional? Os próximos quatro anos dirão.

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