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PROGRAMA DE GOVERNO

4 pontos para decifrar o que Haddad faria como presidente

Felipe Ribas, especial para a Gazeta do Povo
4 pontos para decifrar o que Haddad faria como presidente
Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo
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O PT tentou até o último momento manter a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, conforme até o partido esperava, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impediu a candidatura com base na Lei da Ficha Limpa. Quem assumiu, então, foi Fernando Haddad. O plano de governo da coligação, no entanto, sofreu somente algumas alterações e só depois do primeiro turno. E o principal discurso do presidenciável é “trazer o Brasil de Lula novamente”.

Haddad é filho de libaneses e nascido em São Paulo. Formou-se em Direito pela Faculdade do Largo São Francisco, da USP e tem especialização em Direito Civil. Mestre em Economia e doutor em Filosofia, filiou-se ao PT em 1983. Foi subsecretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico da capital paulista durante o governo de Marta Suplicy. Ficou no cargo até 2003 quando foi convocado pelo à época ministro de Planejamento e Finanças, Guido Mantega, para ser assessor especial da pasta. Continuou no governo e, em 2004, passou a atuar na pasta da Educação, do ministro Tarso Genro, onde assumiu o cargo de secretário-executivo. Com a saída de Genro para assumir a presidência do PT, Haddad herdou o cargo, no qual ficou até 2012, quando se candidatou à prefeitura de São Paulo e venceu José Serra (PSDB) no segundo turno. Não conseguiu se reeleger em 2016. Mais recentemente, passou a ser o porta-voz de Lula.

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Mesmo após encabeçar a chapa, Haddad insiste em dizer que fará o governo que o ex-presidente Lula gostaria e planejava fazer. A partir desse projeto, que tem estrutura de 62 páginas e é focado em retomar medidas do primeiro governo do ex-presidente petista, elencamos os principais pontos que podem caracterizar o governo Haddad, caso seja o vencedor destas eleições presidenciais.

  1. Muitas reformas e reformas das reformas

Uma palavra recorrente no plano de governo de Fernando Haddad é “reforma”. Para ser mais exato, ela aparece 70 vezes no programa, sem contar as aparições no sumário. Em várias dessas citações, o que se propõe é a reforma de legislações que foram reformadas pelo governo Temer, como é o caso das leis trabalhistas e do ensino médio.

O plano do PT prevê a revogação por completo da reforma trabalhista, aprovada no fim de 2017. Já para o “novo ensino médio” o programa de governo sugere discussões com vários setores da sociedade civil, pois entende que as mudanças foram feitas de modo autoritário e sem ouvir os principais impactados pelas medidas adotadas.

Na área econômica, é proposta a reforma tributária, que em quase 16 anos de governo o PT não conseguiu fazer andar. Em sua literalidade o projeto diz: “Uma reforma tributária orientada pelos princípios da progressividade, simplicidade, eficiência e da promoção da transição ecológica. Quem vive do seu trabalho e recebe até 5 salários mínimos, por exemplo, ficará isento do pagamento do Imposto de Renda. Em compensação, o ‘andar de cima’, os super-ricos, pagarão mais”.

Outra reforma sugerida é a bancária. Sem dar muitos detalhes de como ela se concretizaria, fala-se em atuar para diminuir os spreads bancários e a alta taxa de juros pagos pela população e pelos produtores rurais. Para o consultor em Economia, professor da pós-graduação da Universidade Tecnológica do Paraná e professor da Escola de Gestão da Fiep, Daniel Poit, embora sejam medidas importantes para e recuperação da economia, não cercam a complexidade que uma reforma bancária exigiria no país. Ele comenta que é primordial que política e setor econômico retomem a conexão e a confiança, abalada pelo cenário político atual: “O governo tem que rever os termos do pagamento da dívida pública para que os bancos tenham confiança em baixar taxas e juros”.

Outro ponto que segundo Poit deve ser revisto no Brasil é a questão do desenvolvimento do setor privado apoiado por bancos públicos. “Países desenvolvidos incentivam que o desenvolvimento do setor privado se dê a partir de bancos privados”, diz. Ele comenta que no Brasil os bancos privados se concentram em trabalhar com financiamentos de curto prazo e juros altos, enquanto os grandes financiamentos, que têm de trabalhar com juros mais baixos para se tornarem viáveis, ficam por conta do Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES.

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Haddad promete uma reforma política centrada na maior participação popular. Uma reforma do Estado, “desprivatizando e combatendo privilégios patrimonialistas ainda presentes em todos os poderes e instituições públicas”. Uma “reforma do sistema de Justiça” com intenção de diminuir privilégios da classe e aumentar o acesso da população de baixa renda. Reforma urbana, reforma agrária, reforma nos Tribunais de Contas, reforma das Instituições, reforma psiquiátrica, reforma das polícias, reforma fiscal verde, entre outras, menos detalhadas.

  1. Corrupção, autocrítica, Lula preso e Lava Jato: o que está (ou não) no papel

O plano de governo de Haddad não menciona a Lava Jato de forma direta, mas fala de “perseguição a Lula” e diz que o impeachment de Dilma Rousseff foi um “golpe de Estado” de “natureza parlamentar, judicial, empresarial e midiática”. Não é nenhuma novidade, aliás, que o PT critica profundamente a Lava Jato. No Congresso, o partido trabalhou contra a tramitação do projeto das Dez Medidas Contra a Corrupção.

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Além disso, o plano de governo de Haddad fala em fazer uma reforma no Judiciário que contemple um “controle social na administração da Justiça”. A proposta é vista por setores da sociedade como uma tentativa de controlar juízes como Sergio Moro – embora recentemente o próprio Haddad tenha dito que Moro fez um bom trabalho, mas que errou no caso de Lula.

Sobre o processo de indicação do “chefe” da Lava Jato, ou seja, o procurador-geral da República, Haddad assumiu o compromisso de manter o rito atual e nomear um dos três nomes mais votados na eleição interna do órgão para o cargo.

Pela Constituição, a indicação para o cargo de procurador-geral da República é uma prerrogativa do presidente, que não precisa seguir a lista tríplice. Mas a escolha de um desses nomes já era uma tradição no país e o MPF alega que a escolha de alguém que passou pela eleição interna dá mais independência e legitimidade para o procurador-geral.

A possibilidade de indulto presidencial a Lula também não está presente no plano de governo. Embora defendida por diversos setores do PT, a hipótese foi rechaçada por Haddad em diversas entrevistas ao longo da campanha. O candidato tem repetido que o interesse de Lula é defender sua inocência dentro dos processos que responde e que “não quer favores”.

Nos bastidores, a tendência é que a aposta sobre uma possível soltura de Lula fique concentrada no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que definirá o alcance da interpretação sobre a prisão de condenados em segunda instância. O tema pode ser pautado a qualquer momento pelo presidente do STF, José Antonio Dias Toffoli.

A relação de Haddad com os crimes cometidos por petistas em um eventual mandato também carece de clareza. Na reta final da campanha, ele modulou a autocrítica, mas não cravou como deve tratar casos de aliados que cometam crimes. “Não existe perdão à corrupção sem que paguem pelo que fizeram, garantido o amplo direito de defesa, sem que haja perseguição política, com base em provas”, disse em entrevista ao programa Conexão Repórter, do SBT.

No Roda Viva, ele restringiu a crítica a pessoas que enriqueceram com o caixa dois. “Certamente, teve pessoas que usaram o financiamento de caixa dois, financiamento ilegal de campanha, para enriquecer. São dois crimes: financiamento de caixa dois e o enriquecimento, que ainda é mais grave. Por isso, tem uma pena maior. Acredito que teve gente que se valeu disso para enriquecer. Sou a favor de punição exemplar dessas pessoas”, declarou. Ambas as entrevistas ocorreram na última semana de campanha.

  1. Segurança: penas alternativas e ação policial baseada na ‘inteligência’

O plano de governo de Haddad detalha ao menos três pontos de como seria sua gestão na área de segurança pública. O setor é um dos que mais opõem o que ele planeja em relação ao adversário no segundo turno, Jair Bolsonaro.

A principal divergência está no acesso às armas de fogo. O candidato e seu partido são contrários à facilitação do porte. A campanha petista inclusive vem usando, como um de seus slogans de propaganda, a ideia de que é melhor ter cidadãos com livros do que com armas na mão. O plano de governo do candidato do PT prevê o aprimoramento da política de controle de armas e munições como estratégia do plano nacional de redução das taxas de homicídio no país.

O argumento é de que as armas só devem estar nas mãos dos policiais. “Perseguiremos a meta de tirar a arma da mão do criminoso e equipar melhor a polícia, para que o Estado cumpra seu dever de oferecer segurança pública”, diz o plano de governo de Haddad.”

Na questão das prisões, ele diz que “enfrentará o encarceramento em massa, sobretudo o da juventude negra e da periferia, diminuindo a pressão sobre o sistema carcerário, trazendo ganhos globais de economia de recursos [atualmente gastos com as cadeias]”. Por sua vez, isso será feito por meio de “políticas de geração de trabalho e renda para jovens de baixa renda expostos ao ciclo de violência”.

O petista também defende a adoção de uma política de penas alternativas – o que tende a reduzir (ou ao menos não aumentar) a população carcerária. A repressão policial, segundo Haddad, tem de ser focada nos crimes violentos.

O terceiro ponto se refere à forma de atuação do aparato policial. O plano de governo fala que a “autorização ilimitada para o Estado matar” representa “risco de um banho de sangue no país”. “O combate implacável à impunidade e ao crime organizado será feito à base de inteligência e valorização da autoridade policial”, diz o programa de governo petista.

  1. Relações internacionais: meta é retomar lulismo e mirar América Latina e África

O plano de Haddad é repetir a “fórmula Lula” para as relações internacionais. O atual plano de governo petista classifica a atuação do presidente Michel Temer (MDB) para com a política externa como “passiva e submissa”. Reforça que o país deve voltar a ser “altivo e ativo” nas relações internacionais. “Essa política externa, que traz embutido o risco de celebração de acordos comerciais de ‘nova geração’ com países desenvolvidos, cria obstáculos a que governos nacionais e progressistas pratiquem políticas autônomas de desenvolvimento.”, explana o documento.

Ao nomear José Serra (PSDB) como Ministro das Relações Exteriores, Temer rompeu com a política externa petista que privilegiava contato com países em desenvolvimento e era conivente com governantes ditadores, como Nicolás Maduro, na Venezuela.

A retomada desse ativismo externo pode ser freada pelo novo cenário internacional, o que é previsto pelo próprio projeto: “As mudanças no cenário internacional, especialmente nos EUA sob governo Trump, apontam no sentido de esvaziamento dos organismos multilaterais, menor peso para aspectos normativos e maior ênfase à velha política de poder de ações unilaterais”.

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A proposta petista é fortalecer os laços com os países da América Latina e com países africanos, a fim de apoiar o multilateralismo e soluções de conflitos por meio do diálogo. Essa estratégia rendeu inúmeras críticas à ex-presidente Dilma Rousseff, que propôs que existisse a tentativa de um diálogo com as lideranças do Estado Islâmico, grupo radical terrorista, para cessar os conflitos na região.

Outra forma de enfrentar o poder dos Estados Unidos, sugerido pelo projeto de Haddad, é encorpar as relações com a Rússia, Índia e China. “O Brasil precisa lutar para sediar o Arranjo Contingente de Reservas – ACR (fundo monetário dos BRICS), que está pronto para operar, assim como precisa contribuir para os avanços na formulação e participação no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que possui potencial para ser um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo”, diz o plano de governo de Haddad. Essa seria a forma de inibir uma polarização ainda maior das decisões globais para a economia.

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