De preso candidato a presidenciável esfaqueado: 15 fatos marcantes da eleição
Uma lista do que mais importante e curioso ocorreu nas eleições para presidente
Preso, Lula foi candidato e liderou as pesquisas enquanto o PT alimentou sua candidatura – a crônica de um fracasso anunciado. “Posto Ipiranga” passou de bordão publicitário a codinome de economista. O país descobriu a Ursal e um presidente “youtuber”. Vítima de atentado, Jair Bolsonaro sobreviveu para provocar um tsunami eleitoral, uma onda que, entre as vítimas, deixou para trás tucanos depenados e uma candidata que no passado chegou a fazer mais de 20 milhões de votos. Esses são alguns dos fatos mais marcantes das eleições para presidente de 2018. Confira a lista:
Lula, o preso candidato
Em 24 de janeiro, o ex-presidente Lula foi condenado a 12 anos e um mês de prisão pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4). Os três magistrados da Oitava Turma o consideraram culpado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex de Guarujá (SP). Com a decisão, ampliaram a pena estabelecida em julho de 2017 pelo juiz federal Sergio Moro, de nove anos e meio de prisão. A condenação em segunda instância tornou o ex-presidente inelegível pela lei da Ficha Limpa, mas o PT o lançou como pré-candidato à Presidência já no dia seguinte, 25 de janeiro e por muito tempo alardeou que “eleição sem Lula é fraude”. Meses depois, em agosto, mesmo sabendo das mínimas chances de sucesso, o partido pediu ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o registro da candidatura de Lula e o apresentou como candidato na propaganda eleitoral enquanto o caso não foi julgado. O petista liderou as pesquisas enquanto foi citado, mas até o PT sabia que o sonho não duraria muito tempo.
Um homem chamado Posto Ipiranga
“Pergunta lá no Posto Ipiranga” é um dos bordões mais bem-sucedidos da propaganda brasileira. E inspirou Jair Bolsonaro (PSL) a apelidar seu principal conselheiro econômico, Paulo Guedes, por remeter ao “guru” boa parte dos questionamentos sobre economia. Não que Guedes tenha respondido a todos, até porque a certa altura da campanha – quando, num evento privado, mencionou a recriação de um imposto sobre movimentações financeiras nos moldes da finada CPMF – foi desautorizado e passou a falar menos. Outras propostas de Guedes, como o mantra “privatizar tudo”, também foram abandonadas à medida que Bolsonaro percebeu que poderia ganhar a eleição sem fazer tantas concessões ao liberalismo econômico. Elas foram ótimas para cativar o mercado financeiro, mas não atraem tanto assim ao eleitor nem ao lobby empresarial, que já convenceu o candidato do PSL a não deixar as políticas industriais subordinadas ao eventual “Superministério da Economia” de Guedes.
Cabo Daciolo e o plano Ursal
Logo no primeiro debate na tevê, na Band, em 9 de agosto, o bombeiro licenciado Cabo Daciolo (Patriota) apresentou suas credenciais. “O senhor pode falar aqui para a nação brasileira sobre o plano Ursal? O que o senhor tem para dizer? O Plano Ursal. União da República Socialista Latino-Americana”, perguntou a Ciro Gomes (PDT), pouco depois de afirmar que o pedetista fundou o Foro de São Paulo. Ciro respondeu com ironia. “Meu estimado Cabo, eu tive muito prazer de conhecê-lo hoje e, pelo visto, o amigo também não me conhece. Eu não sei o que é isso, não fui fundador do Foro de São Paulo e acho que está respondido.” Daciolo insistiu – “sabe, sim” – até Ciro encerrar afirmando que “a democracia é uma delícia, mas ela tem seus custos”. As redes sociais foram ao delírio e, a partir dali, a inexistente Ursal transformou-se num dos termos mais mencionados das eleições.
Daciolo vai ao monte
Quatro dias após o debate na Band, Daciolo subiu a um monte para jejuar. Anunciou que era perseguido por uma suposta sociedade secreta que pretendia matá-lo – os Illuminati – e que decidiu se recolher para orar e travar uma guerra no “plano espiritual”. Logo se soube que o lugar em questão era o Monte das Oliveiras, na Zona Oeste do Rio. Daciolo passou boa parte da campanha ali, trocando entrevistas e sabatinas por transmissões ao vivo no Facebook. Até então um obscuro deputado federal, ele terminou o primeiro turno em sexto lugar, com 1,26% dos votos válidos, acima de concorrentes como Henrique Meirelles (MDB), Marina Silva (Rede) e Alvaro Dias (Podemos). Mas, como não disputou a reeleição para deputado, acabou sendo culpado pelo presidente do Patriota pelo mau desempenho da legenda na Câmara. E vai começar 2019 sem cargo eletivo.
Marina confronta Bolsonaro
No segundo debate na televisão, na RedeTV, em 17 de agosto, a protagonista foi Marina Silva (Rede). Abandonando sua postura geralmente serena, ela confrontou Bolsonaro. Criticou declarações em que o deputado minimizou a desigualdade entre homens e mulheres no mercado de trabalho e o cobrou sobre a apologia à violência: “Bolsonaro, você acha que pode resolver tudo no grito, na violência. Você fica ensinando nossos jovens que tem que resolver na base do grito, Bolsonaro. Pegou na mão de uma criança e fez uma arma. É esse ensinamento que quer dar à nação?”. O duelo marcou uma mudança na postura de Marina, que dali em diante subiu o tom da campanha e adotou um tom mais agressivo, nas redes sociais e fora delas.
Lula, preso e barrado
Na virada de 31 de agosto para 1.º de setembro, a candidatura do ex-presidente Lula foi barrada pelo TSE com base na Lei da Ficha Limpa, que impede condenados em segunda instância de concorrer a cargos eletivos. A troca por Fernando Haddad foi concretizada em 11 de setembro, último dia do prazo concedido pela Corte. O anúncio do novo candidato foi feito no fim da tarde por lideranças petistas em frente à Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, onde Lula está preso desde 7 de abril. A estratégia do PT, de adiar a troca até o último momento possível, funcionou em parte: uma vez confirmado candidato, Haddad herdou boa parte das intenções de voto em Lula e subiu rapidamente nas pesquisas até terminar o primeiro turno em segundo lugar, com 29% dos votos válidos. O capital político do ex-presidente, no entanto, não se mostrou suficiente para a quinta vitória petista em eleições presidenciais, o que levou a campanha de Haddad a suavizar o discurso de esquerda, abandonar o vermelho e falar pouco de Lula ao longo do segundo turno.
Temer “youtuber”
Quando pouca gente se lembrava dele, o presidente Michel Temer atacou de “youtuber” no meio da campanha eleitoral. Nos dias 5 e 6 de setembro, divulgou vídeos com críticas aos candidatos Geraldo Alckmin (PSDB) e Fernando Haddad (PT), então candidato a vice pelo PT. “O PSDB, Geraldo, o PSDB apoiou o meu governo. Não faça como aqueles que falseiam, que mentem para conseguir votos influenciados pelo marqueteiro, seja realista, conte a verdade”, disse Temer ao tucano. Ao petista, o presidente afirmou que não pode ser chamado de “golpista”. “Eu quero que você leia a Constituição, Haddad”, disse. “Na Constituição está escrito que, quando um presidente é impedido, o vice-presidente, constitucionalmente, assume.” Duas semanas depois, Temer voltou à carga, desta vez contra João Doria, candidato do PSDB ao governo de São Paulo. “Você tem usado a propaganda eleitoral, as inserções, para fazer críticas ao meu governo. Ou seja, você está se desmentindo porque ao longo do tempo você inúmeras elogiou o meu governo. E sobre tê-lo elogiado, João Doria, você se recorda bem, no brevíssimo tempo que ocupou a prefeitura, pediu muito auxílio e nós demos”, disse o presidente. As gravações – apontadas por internautas bem-humorados como o maior legado do governo que chega ao fim – deram ânimo ao “Fica, Temer”, “movimento” criado nas redes sociais por pessoas inconformadas com o segundo turno entre Haddad e Bolsonaro.
.@geraldoalckmin: fale a verdade pic.twitter.com/cROjJm4xEE
— Michel Temer (@MichelTemer) September 6, 2018
Atentado contra Bolsonaro
Em 6 de setembro, durante uma caminhada em Juiz de Fora (MG), Bolsonaro foi esfaqueado pelo desempregado Adélio Bispo de Oliveira, que confessou a autoria e disse ter agido por motivos pessoais, “a mando de Deus”. Levado para a Santa Casa de Misericórdia da cidade mineira, onde passou por cirurgia, Bolsonaro perdeu cerca de 40% do sangue do corpo e precisou de quatro bolsas de transfusão. O capitão reformado foi transferido no dia seguinte para o hospital Albert Einstein, em São Paulo, onde passou por nova cirurgia dias depois. Recebeu alta em 29 de setembro e desde então fez campanha de sua casa no Rio de Janeiro, onde concedeu entrevistas e fez transmissões ao vivo pelas redes sociais. Depois do ataque, Bolsonaro mudou de patamar nas pesquisas de intenção de voto. E cresceu rapidamente às vésperas do primeiro turno, que acabou vencendo com 46% dos votos válidos. No segundo turno, embora tenha deixado o condomínio da Barra da Tijuca em algumas ocasiões, decidiu não participar de debates na televisão – sua equipe alegou questões de saúde e estratégia e até ameaça de atentado terrorista. A PF abriu dois inquéritos para investigar o atentado. No primeiro, já encerrado, concluiu que o agressor agiu sozinho. O Ministério Público Federal, seguindo entendimento da PF, denunciou Adélio Bispo por atentado pessoal por inconformismo político, crime previsto no artigo 20 da Lei de Segurança Nacional, com pena de até 20 anos de prisão em razão da lesão corporal grave.
A metralhadora verbal de Mourão
Com Bolsonaro em recuperação, o vice, Hamilton Mourão (PRTB), assumiu voluntariamente o comando da campanha, para desespero de aliados. Em entrevistas e palestras a empresários, deu declarações que foram sucessivamente relativizadas ou até rechaçadas pelo capitão. Um dia após o atentado, o general admitiu à Globonews uma hipótese de “autogolpe”, em que o presidente convocaria as Forças Armadas a intervir em caso de “anarquia” no país. Em 13 de setembro, disse que a Constituição de 1988 “foi um erro” e propôs uma nova, feita por “notáveis”, sem a participação de eleitos pelo povo. Quatro dias depois, disse que famílias pobres lideradas por mãe e avó são “fábricas de elementos desajustados que tendem a ingressar nessas narcoquadrilhas”. No fim do mês, criticou o 13.º salário e o adicional de férias: “Décimo terceiro salário. Se a gente arrecada 12, como pagamos 13? É complicado. É o único lugar em que a pessoa entra em férias e ganha mais”. Irritado, Bolsonaro repreendeu via Twitter a fala do vice.
O 13° salário do trabalhador está previsto no art. 7° da Constituição em capítulo das cláusulas pétreas (não passível de ser suprimido sequer por proposta de emenda à Constituição). Criticá-lo, além de uma ofensa à quem trabalha, confessa desconhecer a Constituição.
— Jair Bolsonaro 1️⃣7️⃣ (@jairbolsonaro) September 27, 2018
Ele, não… Ele, não… Ele, sim?
Convocados por um movimento criado por mulheres, milhares de brasileiros tomaram as duas do país em 29 de setembro para protestar contra Jair Bolsonaro. Segundo as lideranças do chamado #EleNão, as passeatas buscavam alertar a população para posicionamentos e propostas do candidato, visto por parte do eleitorado como racista, machista, e homofóbico, entre outros adjetivos. Em termos eleitorais, no entanto, os protestos parecem ter favorecido o capitão reformado. Segundo pesquisa Ibope* divulgada dias depois, ele subiu de 27% para 31% das intenções de voto. Ao mesmo tempo, Bolsonaro cresceu seis pontos no eleitorado feminino, chegando a 24% e ultrapassando Haddad (20%) nesse grupo. Para analistas políticos, teria pesado a percepção de que a manifestação era de esquerda e incômodo de eleitores com o “politicamente correto”.
Tsunami Bolsonaro
A última semana do primeiro turno e, claro, o dia da votação foram varridos por uma gigantesca “onda Bolsonaro” que beneficiou não só o candidato a presidente, mas também vários de seus apoiadores em disputas de vagas na Câmara, Senado, assembleias legislativas e governos estaduais. Muitos dos eleitos tomam posse pela primeira vez e são alinhados às posições conservadoras do capitão reformado, aí incluídos militares e outros profissionais de segurança pública e jovens da chamada “nova direita”. O até então nanico PSL elegeu 52 deputados federais, segunda maior bancada da Casa, e quatro senadores. Combinando eleitos no primeiro turno com favoritos no segundo, aliados de Bolsonaro podem governar 14 estados brasileiros, segundo o “Valor Econômico”. Três candidatos do PSL disputam o segundo turno para governador, em Santa Catarina, Rondônia e Roraima. Mas nem tudo foi tragado pelo tsunami. No Espírito Santo, por exemplo, Fabiano Contarato (Rede) tornou-se o primeiro senador assumidamente gay eleito no país. E derrotou o pastor evangélico Magno Malta (PR), campeão de votos em 2010, que preferiu tentar a reeleição a ser vice de Bolsonaro na disputa pelo Planalto.
Tucanos abatidos
Geraldo Alckmin (PSDB) atraiu o chamado Centrão e formou uma aliança com nove partidos que lhe garantiu 44% do tempo de tevê no primeiro turno e a maior fatia das verbas públicas para campanha. De nada adiantou. O tucano não alçou voo em momento algum e, com menos de 5% dos votos válidos no primeiro turno, sofreu a maior derrota da história do PSDB em eleições presidenciais. Na Câmara, sua bancada encolheu de 49 para 29 cadeiras. No Senado, baixou de 12 para oito. Entre as explicações para o fracasso estão a aliança com Temer, presidente mais impopular desde o fim da ditadura, e os escândalos de corrupção envolvendo seus integrantes.
Marina desaparece
Piada recorrente nas eleições foi o suposto fato de Marina Silva aparecer apenas de quatro em quatro anos. Desta vez, no entanto, ela desapareceu ainda durante a campanha. Depois de passar meses na terceira (com Lula) ou segunda (sem Lula) colocação nas pesquisas de intenção de voto, a candidata começou a perder espaço depois que o ex-presidente teve a candidatura barrada. A queda não teve tréguas e, no fim, a candidata da Rede recebeu pouco mais de 1 milhão de votos, ou 1% dos votos válidos. Numa eleição em que posturas moderadas não tiveram vez, ficou no oitavo lugar, atrás até de Daciolo e Meirelles. Para quem não lembra, Marina havia terminado as eleições de 2010 e 2014 na terceira posição, com 19,3 milhões e 21,3 milhões de votos, respectivamente.
Cid Gomes e o “Lula tá preso, babaca”
Era para ser um ato de apoio da família Ferreira Gomes ao petista Fernando Haddad, mas acabou virando propaganda para o adversário. Com o irmão, Ciro (PDT), em viagem pela Europa após a terceira colocação no primeiro turno das eleições presidenciais, coube ao também pedetista Cid Gomes – senador eleito pelo Ceará – falar a um público de aproximadamente 700 pessoas na noite de 15 de setembro no hotel Marina Park, em Fortaleza, num salão devidamente preparado com telões, banners e jingles da chapa Haddad/Manuela. Ainda incomodado com o tratamento que Lula e o PT dispensaram a seu irmão no primeiro turno, Cid não queria, mas teve de abrir os discursos. Em questão de minutos, estava esbravejando com os petistas da plateia e cobrando desculpas do partido, que segundo ele fez muita besteira, “criou” Bolsonaro e perderá a eleição – “e é bem feito”. Quando um grupo começou a entoar uma canção sobre Lula, Cid perdeu de vez a paciência: “Lula o quê? Lula está preso, babaca”. Um vídeo com as declarações foi exibido nas propagandas de Bolsonaro – e o estrago já estava feito quando Cid, dias depois, gravou depoimento em favor de Haddad.
Bolsonaro, WhatsApp e Facebook
O poder de mobilização dos apoiadores de Bolsonaro nas redes sociais é inWhadiscutível e, aparentemente, insuperável. Mas os últimos dez dias de campanha ficaram marcados por notícias desfavoráveis a ele nessa seara. Em 18 de outubro, a “Folha de S.Paulo” afirmou que empresas que apoiam o militar da reserva estariam bancando o disparo massivo de mensagens contra o PT no WhatsApp – prática que, se confirmada, configura doação ilegal de campanha, o famoso “caixa dois”. A reportagem não trouxe elementos para comprovar a denúncia, que agora é investigada pela Polícia Federal – a pedido da Procuradoria-Geral da República – e pela Procuradoria-Geral Eleitoral. Quatro dias depois, o Facebook demoveu 68 páginas e 43 contras pró-Bolsonaro. De acordo com a empresa, os donos dessas páginas violaram as políticas de autenticidade e spam ao criar contas falsas e múltiplas contas com os mesmos nomes para administrar o que seria a maior rede de apoio ao candidato na internet. O conteúdo compartilhado não pesou para a decisão do Facebook.
*Metodologia: Pesquisa realizada pelo Ibope nos dias 29 e 30 de setembro com 3.010 entrevistados (Brasil). Contratada por: REDE GLOBO E O ESTADO DE S.PAULO . Registro no TSE: BR-08650/2018. Margem de erro: 2 pontos percentuais. Confiança: 95%.