De promessas clichês a prontuário eletrônico: o que os presidenciáveis propõem para o SUS
Alguns apresentam propostas mais detalhadas para a saúde pública, enquanto outros ficam nas promessas e nos clichês, como aumentar o investimento, criar mais leitos e diminuir a fila de espera. Falta explicar como fazer tudo isso
Jéssica Sant’ana
No último sábado de julho, Irene de Jesus Bento, de 54 anos, morreu horas depois de ter atendimento rejeitado em um hospital público do Rio de Janeiro. A senhora, diabética, foi levada pelo filho ao Hospital Getúlio Vargas com dores e dificuldades de locomoção e de respiração. Chegando lá, ainda de tarde, não recebeu atendimento imediato, apesar de haver médicos e enfermeiros no local.
O seu filho, Rangel Marques, chegou a entrar na área reservada à equipe médica e gravou os funcionários conversando e mexendo no celular. Horas depois, uma profissional do hospital avaliou que o caso não era grave e recomendou que Rangel levasse a mãe a uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Na UPA, já à noite, o estado de Irene se agravou: ela teve uma parada cardiorrespiratória e, por volta das 22 horas, teve que ser transportada de ambulância ao Hospital Getúlio Vargas, onde tinha sido recusada à tarde. Ela não resistiu e deixou sete filhos.
Sobrecarregado e mal gerido: a realidade do SUS
O caso, que ganhou repercussão nacional no início de agosto, é um retrato da crise de saúde do país, em especial do Sistema Único de Saúde (SUS), que em outubro completa 30 anos, junto com a Constituição de 1988, que trouxe o acesso à saúde como um direito universal. Um direito de todos garantido por lei, mas não necessariamente bem oferecido. Dados do 2° Anuário da Segurança Assistencial Hospitalar mostram que, a cada hora, seis pessoas morrem por erros, falhas ou infecções nos hospitais brasileiros (incluindo privados). Entre os casos de óbitos, quatro poderiam ser evitados, como a morte da dona Irene.
DESEJOS PARA O BRASIL: Paz social, sem o abandono dos mais necessitados
Durante a pré-campanha, os candidatos a presidente pouco falaram sobre o que fazer para resolver – ainda que parcialmente – o colapso na saúde pública do Brasil. O quadro mudou com o início oficial da campanha e a divulgação dos planos de governo. Os programas, em maior ou menor grau, reconhecem o problema e defendem o fortalecimento do SUS. Alguns apresentam propostas mais detalhadas para o sistema, enquanto outros ficam nas promessas e nos clichês, como aumentar o investimento, criar mais leitos e diminuir a fila de espera. Falta explicar como fazer tudo isso.
Não à toa, brasileiros recorrem a planos e hospitais privados para garantir acesso a médicos e hospitais às suas famílias. Só que o número de usuários do sistema privado vem caindo, principalmente por causa dos efeitos da recessão econômica de 2014, como o desemprego. Dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) revelam que 3,1 milhões de pessoas deixaram de usar planos de saúde nos últimos três anos (2015-2017).
O resultado é que mais gente acaba recorrendo ao SUS. Pesquisa divulgada neste ano pelo SPC Brasil e pela Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas (CNDL) mostra que sete a cada dez brasileiros não possuem plano de saúde particular e que, dentre aqueles que não pagam um plano particular, 44,8% utilizam o SUS quando precisam de atendimento. Mesmo entre aqueles que pagam plano, muitos recorrem ao sistema público para tratamentos mais complexos, quando não há cobertura no atendimento privado.
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Sobrecarregado, com investimentos insuficientes e vítima de má gestão, sobram reclamações sobre o SUS. Pesquisa Datafolha* divulgada em junho mostra que mais da metade da população brasileira (54%) avalia a situação da saúde pública como ruim ou péssima, sendo que 97% usaram algum serviço do SUS nos últimos dois anos. A maior reclamação é sobre o tempo de espera. A pesquisa revelou, ainda, que 39% dos entrevistados estavam na fila do SUS esperando por atendimento. A maior dificuldade, relataram, é para realização de cirurgias. Depois, para internação e exames de imagem.
As queixas são bem conhecidas dos presidenciáveis. A maioria deles, ao abordar o tema da saúde em seus programas de governo, cita problemas do SUS, demonstrando que, pelo menos em tese, as dificuldades enfrentadas pela população são bem conhecidas dos políticos. A questão é saber se eles vão conseguir colocar em prática o que propõem – e se as soluções serão suficientes para, pelo menos, amenizar os problemas.
Uma promessa comum dos candidatos é aumentar o investimento federal no sistema público de saúde. Poucos, porém, mencionam como fazer isso, já que o país vive uma crise fiscal, com o governo federal tendo déficit primário bilionário desde 2014, e com a lei do Teto dos Gastos em vigor, que impede que as despesas cresçam acima da inflação (medida pelo IPCA) do ano anterior.
Ciro Gomes (PDT), Guilherme Boulos (Psol) e Fernando Haddad (PT) são os poucos que tentam explicar como pretendem aumentar o investimento. O primeiro passo, afirmam, é revogar a lei do Teto dos Gasto. Eles entendem que a medida acaba subfinanciando o SUS. A regra do teto, porém, foi implementada pela primeira vez em 2017 e, no caso de saúde e educação, só começou a valer partir deste ano. A simples revogação só traria a permissão para o aumento o gasto.
DESEJOS PARA O BRASIL: Um Estado leve e ágil, com gastos que cabem no Orçamento
No caso do PT, o partido explica no programa de governo que vai adotar novas regras fiscais, fazer a reforma tributária e ampliar o retorno de recursos do Fundo Social do Pré-Sal para financiar a saúde. Boulos diz que vai cobrar as dívidas dos planos de saúde com o SUS. Já Vera Lúcia (PSTU) afirma que vai “reverter o que hoje vai para o pagamento da dívida aos banqueiros”.
Outra proposta comum da maioria dos candidatos é a informatização do sistema público de saúde. Com a digitalização, seria possível implantar prontuários eletrônicos únicos, com todo o histórico do paciente acessível à equipe médica da rede pública. Também seria possível criar um sistema on-line de marcação de consultas e exame e para o acompanhamento do processo e da fila espera.
Os candidatos que defendem a informatização são Alvaro Dias (Pode), Ciro Gomes, Henrique Meirelles (MDB), Jair Bolsonaro (PSL), João Amôedo (Novo), Lula (PT) e Marina Silva (Rede). Eles, contudo, não falam sobre o que fazer no caso as regiões mais afastadas do país, sem acesso à internet.
Sobre a tabela do SUS, que estabelece os repasses financeiros por procedimento e atendimentos médicos à rede pública estadual e municipal, dois candidatos falam em reajustá-la. São eles: Cabo Dacíolo (Patri) e Ciro Gomes.
A Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas reclama que a tabela vem sendo reajustada abaixo da inflação, não cobrindo os custos das entidades. O Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems) diz que alguns procedimentos estão sem reajuste há 20 anos.
Há, ainda, o bloco de candidatos que defendem uma atenção maior do SUS à mulher e aos transexuais, gays e lésbicas. Eles querem profissionais voltados à saúde da mulher e aos transexuais e também a redução do preconceito no atendimento a essas pessoas. Os presidenciáveis que citam isso são Boulos, João Goulart, Marina e Vera Lucia, além do PT.
Sobre os planos de saúde, há candidatos que são contra, outros que defendem uma aliança. Da turma do contra, Dacíolo e Boulos querem dar fim aos subsídios a planos e seguros de saúde privados. Verá Lúcia quer estatizar hospitais privados e João Gourlart Filho (PPL) acabar com o sistema de gestão privada.
DESEJOS PARA O BRASIL: Mais espaço para a iniciativa privada
O candidato do Psol, porém, abre uma exceção: ele defende usar a rede privada para diminuir a fila do SUS quando necessário e solicitado pela autoridade local. Da turma à favor, Ciro fala em comprar procedimentos junto ao setor privado para reduzir a fila e Meirelles em integrar estabelecimentos públicos e privados.
No caso dos programas de prevenção e assistência, a maioria é a favor da ampliação e a manutenção. No caso do Mais Médicos, Bolsonaro é o único que apresenta uma opinião mais contundente.
O candidato do PSL diz que vai “libertar” os cubanos. Ele promete que as famílias dos médicos cubanos que passarem no Revalida (exame para que médicos formados no exterior possam atuar no Brasil) vão poder imigrar para o Brasil. Os médicos também vão receber integralmente “o valor que lhes é roubado pelos ditadores de Cuba!”.
Valorização dos médicos e plano de carreira, gestão eficiente, reforça de políticas públicas de prevenção e interiorização da saúde também são tópicos citados pelos presidenciáveis, mas, em geral, de forma genérica.
Fila zero nas emergências
Prontuário eletrônico
Genéricos sem impostos até 2022
Melhorar a prevenção às enfermidades
Gestão profissional e eficiente
Interiorizar a medicina e o trabalho médico
Criar uma carreira de Estado para os médicos que atuam na rede pública, com a implantação de plano de cargos e carreiras e programas de educação continuada gratuitos
Aumentar a participação da União nas despesas sanitárias totais
Atualizar a tabela do SUS
Dar fim aos subsídios públicos destinados aos planos e seguros privados de saúde
Programa intersetorial de desenvolvimento infantil nos primeiros 1 mil dias de vida
Revogar a lei do Teto dos Gastos
Investir em campanhas de prevenção e vacinação e reforçar programas bem-sucedidos do SUS, como os programas de controle de HIV/AIDS e de transplante de órgãos
Investir na formação de médicos generalistas
Criação do “Registro Eletrônico de Saúde”, que registrará o histórico do paciente
Criação de “Central de Regulação” para a alocação de leitos e procedimentos
Formação de consórcios em mesorregiões, com estímulo à ampliação da rede de policlínicas e ampliação da oferta de atendimento
Compra de procedimentos junto ao setor privado para reduzir a fila do SUS para realização de exames e procedimentos especializados
Correção da tabela do SUS
Aprimoramento da gestão, com premiação de hospitais e postos de saúde bem avaliados e criação da carreira de gestor na área da saúde
Formação de médicos generalistas
Criação de um Sistema Nacional de Ouvidoria do SUS
Incorporação tecnológica no SUS
Dar prioridade à primeira infância, com integração dos programas sociais do período pré-natal até os seis anos
Criação de um prontuário eletrônico único, com digitalização dos dados e cadastro único dos usuários do SUS
Ampliação do “Programa Saúde da Família”, agregando novas especialidades
Credenciamento dos hospitais “amigos do idoso”
Prevenção à gravidez precoce
Aumentar o financiamento federal na saúde de 1,7% para 3% do PIB
Criar uma carreira única interfederativa do SUS
Implementação de forma efetiva da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e da Política de Atenção Integral à Saúde da Mulher
Garantir à mulher e à população LGBTI o acesso integral à saúde
Assegurar o procedimento de interrupção gestacional nos casos já previstos em lei em toda a rede pública de saúde
Criação de serviços especializados de psiquiatria e psicologia nos hospitais de referência de atendimento á mulher, voltado para vítimas de violência
Revogação do Teto dos Gastos
Criação de vagas de residência médica e multiprofissional na atenção primária, especialmente em locais com maior carência de profissionais
Desprivatização do sistema de saúde brasileiro
Ampliar o número de leitos hospitalares públicos
Condicionar as isenções fiscais a hospitais filantrópicos com atendimento 100% SUS
Estabelecer um teto de espera para consultas e cirurgias conforme as necessidades de saúde, e, se necessário e solicitado pela autoridade local, utilizar a rede privada de serviços
Ampliar a oferta pública de medicamentos na atenção básica
Cobrar as dívidas de planos de saúde com o SUS e reverter a renúncia tributária dos planos de saúde
Fortalecer a saúde preventiva, invertendo a lógica do sistema ao dar prioridade ao tratamento do paciente e aumentando o investimento em promoção da saúde e da qualidade de vida
Ampliar a participação do governo federal no financiamento do setor
Incentivos e planos de carreira
Maior integração entre estabelecimentos públicos e privados
Melhorar a aplicação dos recursos e a gestão do sistema, implantando critérios de desempenho e dando maior autonomia hospitalar
Fortalecer e ampliar a cobertura do Programa Saúde da Família
Informatização das unidades de saúde, com marcação de consultas pela internet
Criação do “cartão saúde”
Recuperar financeiramente os hospitais filantrópicos e Santas Casas
Retomar os mutirões da saúde
Participação das Forças Armadas no processo de atendimento da saúde à população, principalmente em áreas remotas do país
Informatização das unidades de saúde
Criação do “Prontuário Eletrônico Nacional Interligado”
Registro do grau de satisfação do paciente
Criação da carreira “médico de estado” para atender as áreas remotas e carentes do Brasil
Treinamento dos agentes comunitários de saúde para auxiliar na prevenção de doenças como diabetes e hipertensão
Estabelecer nos programas neonatais a visita ao dentista pelas gestantes
Mais Médicos: “Nossos irmãos cubanos serão libertados. Suas famílias poderão imigrar para o Brasil. Caso sejam aprovados no REVALIDA, passarão a receber integralmente o valor que lhes é roubado pelos ditadores de Cuba!”
Aprimoramento da gestão da saúde pública
Expansão e priorização dos programas de prevenção, como clínicas de família
Ampliação das parcerias público-privadas e com o terceiro setor para a gestão dos hospitais
Mais autonomia para os gestores e regras de governança para os hospitais
Criação de consórcios de municípios para maior escala de eciência e gestão regionalizada de recursos e prioridades
Prontuário eletrônico único
Eliminação das filas com utilização de plataformas digitais para marcação de consultas
Revogar a lei do Teto dos Gastos
Elevar até o final do mandato o orçamento da saúde para 15% da receita corrente bruta da União e alterar a lei que estabelece 15% da receita corrente líquida
Alterar de 12% para 15% da arrecadação de impostos nos estados
Acabar com o sistema de gestão privada por meio das organizações sociais
Garantia de atendimento do SUS à população LGBT
Unidades de saúde e médicos da família como ponto central do SUS
Programa de saúde com foco em prevenção
Apoio da União a programas como Mais Médicos, Saúde da Família, SAMU e Farmácia Popular
Criação da “Rede de Especialidades Multiprofissional (REM)”, “polos regionais que articularão a atenção básica com cuidados especializados para superar a demanda reprimida de consultas, exames e cirurgias de média complexidade”.
Coibir a discriminação racial no SUS
Investir na saúde integral LGBTI+
Revogação da lei do Teto dos Gastos
É contra planos populares de saúde
Aumento do investimento em saúde para 6% do PIB, com a revogação da lei do teto e novas regras fiscais, reforma tributária e ampliação do retorno dos recursos do Fundo Social do Pré-Sal
Regionalização dos serviços de saúde
Exploração do potencial tecnológico para o SUS
Prontuário eletrônico
Dividir o país em cerca de 400 regiões da saúde, com gestão compartilhada entre a União, Estados e Municípios, envolvendo também as entidades filantrópicas e serviços privados. Representantes eleitos pela população dos municípios da região terão mandatos para participar da gestão.
Mapeamento das necessidades e vazios assistenciais
Ampliação da cobertura da atenção básica
Uso de tecnologia para o apoio a diagnóstico e tratamento
Garantia ao acesso a medicamentos essenciais e ampliação do uso de genéricos
Agendamento de consultas por meio eletrônico
Prontuário eletrônico
Saúde mental com tratamento prioritário nas políticas do SUS
Estimular a fixação de profissionais da saúde em localidades mais remotas
Oferta de tratamentos e serviços de saúde integral adequados às necessidades da mulher e da população LGBTI
Prevenção à gravidez na adolescência
Estatizar hospitais privados
Garantir atendimento à população LGBT no SUS
Reverter o que vai para o “pagamento da dívida aos banqueiros” para áreas sociais, como saúde
* Pesquisa feita pelo Datafolha e encomendada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). A pesquisa foi feita 2.087 pessoas de todo o país em maio deste ano. O tema foi saúde.