Tudo sobre as Eleições 2018
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Um Estado leve e ágil, com gastos que cabem no orçamento

A discussão sobre o tamanho do Estado abre caminho para a retomada do crescimento

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Qualquer debate eleitoral sério em 2018 terá de passar pela questão do tamanho do Estado brasileiro, a situação de suas contas públicas e as reformas necessárias para ele ser sustentável no longo prazo.

O Brasil tem uma situação econômica particular que faz com que o tamanho do Estado seja um limitador ao crescimento. Em 2008, o economista da Universidade Harvard Dani Rodrik analisou a situação brasileira no livro One Economics, Many Recipes e chegou à conclusão de que o gasto público elevado reduzia a poupança e fazia com que as taxas de juros ficassem cronicamente altas. Era, para ele, um fator central para explicar a lentidão no nosso desenvolvimento e a sucessão de crises cambiais.

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Uma década depois, estamos em situação fiscal pior e o próximo governo terá de fazer escolhas difíceis. O Brasil é um país emergente com dívida pública elevada, tem déficits primários (o que faz a dívida continuar subindo), gastos públicos obrigatórios crescentes (em especial com a Previdência) e uma carga tributária já muito alta – perto de 34% do PIB, uma das maiores entre emergentes.

“Existem três vias para o Estado se tornar mais leve no Brasil: conter a elevação de impostos, fazer o ajuste fiscal com as reformas e reduzir o peso da burocracia em várias frentes.”

Uma comparação sobre endividamento público feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) no ano passado mostra como o Brasil se distanciou de outros países emergentes. A dívida pública brasileira chegou a 83,4% do PIB em 2017, segundo cálculo do FMI, contra uma média de 48,3% entre todos os emergentes. No Chile, país mais avançado da América Latina, a dívida é de 24,9% do PIB.

Com uma metodologia de cálculo menos abrangente, a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado aponta que a dívida bruta federal chegou a 74,5% do PIB no ano passado e pode saltar para 86,6% do PIB em cinco anos em um cenário base que prevê o retorno dos superávits primários nos próximos anos. Sem isso, no cenário pessimista, podemos chegar a 100% do PIB na próxima década.

Quando aumenta a dívida, o governo tira recursos da economia, reduzindo a poupança e o investimento – no período de 2013 a 2017, foram retirados 7,2% do PIB por ano para cobrir o déficit público. E o Brasil já aprendeu que não existe atalho para o investimento crescer. No período pós-crise de 2008, houve uma tentativa de o governo puxar o investimento – política que teve o PAC e os aportes do Tesouro no BNDES. Não funcionou porque, sem poupança, o governo buscou recursos escassos no mercado, as contas públicas se deterioraram, os juros subiram e a economia travou.

O diagnóstico feito por Rodrik em 2008 conduzia a uma política inversa. O Brasil precisava aumentar a poupança interna para reduzir os juros e elevar o investimento via ajustes fiscal e sem a estratégia da poupança forçada – através de impostos, taxas e criação de fundos setoriais. O Estado precisaria produzir superávits, reduzir o endividamento e, com isso, liberar os recursos necessários para o investimento.

Ajuste no gasto público

O equilíbrio fiscal, com geração de superávits, tem dois lados, do gasto e da receita. O governo poderia elevar impostos para gerar recursos suficientes para reduzir sua dívida, o caminho dapoupança forçada. Mas isso tem três problemas: o salto nos impostos teria de ser de mais de cinco pontos percentuais do PIB (uma conta que a sociedade não deseja pagar); a elevação de impostos nessa magnitude pode provocar recessão; esses recursos seriam tirados da sociedade para gastos que não geram crescimento, como Previdência e funcionalismo. O único ponto positivo é que haveria uma sinalização que fariam os juros caírem no longo prazo.

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Como a magnitude do ajuste do lado unicamente da receita tem tantos efeitos colaterais, o ideal é o Brasil encarar o fato de que precisa fazer reformas que façam os gastos caberem no

orçamento, com a geração de superávits elevados durante muitos anos. Foi para esse objetivo que o Congresso aprovou o teto de gastos em 2016, lei que limita o crescimento da despesa pública à inflação durante duas décadas. Esse dispositivo, no entanto, não vai funcionar se a agenda do país não incluir as reformas da Previdência, do funcionalismo e tributária, melhora na qualidade do gasto e revisão dos subsídios.

Os dados do Tesouro Nacional mostram que, em 2017, quase 94% de toda a despesa da União era obrigatória, ou seja, não poderia ser cortada. Em 15 anos, essa rigidez orçamentária cresceu 8 pontos percentuais. Nos outros 6% estão investimentos e gastos necessários para a máquina púbica funcionar, com margem pequena de redução. Na conta do que é obrigatório, o maior gasto é previdenciário, incluindo INSS e aposentadorias do setor público. Há também os gastos com folha de pagamento e rubricas obrigatórias, como educação, saúde e assistência social (Bolsa Família, abono salarial etc.).

Reforma da Previdência

As reformas, portanto, precisam mirar no gasto obrigatório e deixar o orçamento menos engessado. A mudança com efeito mais amplo e de longo prazo é a reforma da Previdência, que foinegociada durante o governo Michel Temer, mas não chegou a ser votada no Congresso. A despesa previdenciária no país cresceu, em média, 6,4% ao ano entre 1997 e 2017, segundo o Tesouro. No mesmo período, o PIB cresceu 2,4% ao ano. A diferença, de 4 pontos percentuais ao ano, foi paga pelo contribuinte na forma de impostos ou de aumento da dívida pública.

O gasto previdenciário em ritmo maior do que o PIB vai continuar nas próximas décadas na ausência de reforma. Por uma combinação de demografia (as pessoas vivem mais e, assim, recebem aposentadorias por mais tempo) e regras frouxas (a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil é de 54,9 anos, com benefício médio de R$ 2 mil por mês), só as aposentadorias do INSS poderão consumir perto de 100% da arrecadação federal em 2060.

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A fórmula para isso não ocorrer é o que trazia o projeto original proposto pela equipe do ex-ministro da Fazenda, Henrique Meirelles: idade mínima com regra de transição, contribuição mais longa para benefícios integrais e regrais iguais para INSS e funcionalismo, entre outros pontos.

Funcionalismo

A segunda maior despesa da União, com funcionalismo, também cresce mais do que o PIB: 3,5% ao ano de 1997 a 2017. O governo paga salários mais altos do que na iniciativa privada e tem muita dificuldade de readequar sua força de trabalho à sua capacidade financeira por causa da estabilidade. Além disso, os servidores costumam negociar ajustes em suas carreiras que têm efeitos por anos. Como mostra a recente mobilização contra o auxílio-moradia, há também uma série de penduricalhos que ao longo do tempo se somam aos salários e se tornam um gasto perene.

O governo Temer chegou a anunciar uma série de medidas para conter o gasto com o funcionalismo, entre elas uma limitação de R$ 5 mil para o salário inicial em carreiras da União, e o congelamento nos reajustes. A ideias não prosperaram e o governo continua sob pressão para aumentar gastos. E isso se repete em todas os poderes, também em estados e municípios.

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Não bastasse o salto desses dois gastos – Previdência e funcionalismo – outros gastos obrigatórios cresceram mais do que o PIB. Entre eles estão as despesas tributárias oriundas de benefícios fiscais e subsídios diretos e indiretos (como os financiamentos feitos pelo BNDES com recursos do Tesouro). No total, o Brasil tem um gasto fiscal, ou seja, deixa de arrecadar, 4,1% do PIB com desonerações – os maiores benefícios são o Simples/MEI, abatimentos no IRPF e a Zona Franca de Manaus.

O grande problema desses estímulos é que, além de custarem caro, a maioria deles tem caráter permanente e seus efeitos não são avaliados. Sem critérios rígidos, esses estímulos se tornam uma distorção que pode ser ineficiente no longo prazo, gerando custos para os setores que não são beneficiados. Houve algum avanço nos últimos dois anos com a criação da taxa de longo prazo (TLP), que vai acabar ao longo dos anos com os subsídios do Tesouro a linhas do BNDES. Mas só uma revisão mais ampla de todos os programas de estímulos setoriais daria uma dimensão do que vale a pena ou não ser mantido.

Reforma tributária e burocracia

Além de causar um grande nó fiscal que reduz o potencial de crescimento do país, o Estado no Brasil impõe custos indiretos com a burocracia, que tem no sistema tributário seu “estado da arte”. Segundo conta do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), são editadas quase duas normas tributárias por hora em dia útil no país. Temos 82 tipos de impostos, contribuições e taxas, que exigem em média 2 mil horas por ano das empresas para ficarem em dia. De cada 200 funcionários de empresas no país, um está ligado ao cumprimento de compromissos tributários.

Essa teia de normas e tributos reduz a produtividade e cria uma série de exigências anacrônicas, como autenticações e arquivamento de documentos por períodos injustificáveis. Seria, portanto, uma área prioritária em um movimento de reformas para a redução do peso estatal produzido pela burocracia. É possível, por exemplo, reduzir o número de impostos e harmonizar normas estaduais – como na proposta de criação de um Imposto de Valor Adicionado que chegou a ser apresentada no Congresso.

O relatório Doing Business, do Banco Mundial, que compara o ambiente de negócios entre países dá a dimensão do peso da burocracia. Entre 190 países, o Brasil está na posição 184 na dificuldade para se pagar impostos. É o 176º no ranking para se abrir um negócio (são 11 procedimentos em 76 dias para a empresa poder funcionar), 170º na lista para se lidar com licenças de construção e 131º no registro de propriedade. São todas atividades em que o Estado é o ator que atravanca os negócios.

Existem, portanto, três vias para o Estado se tornar mais leve no Brasil: conter a elevação de impostos, fazer o ajuste fiscal com as reformas e reduzir o peso da burocracia em várias frentes.

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