Como o exterior viu as eleições no Brasil
Jair Bolsonaro, um ferrenho defensor do presidente americano Donald Trump, obteve um grande impulso nas eleições deste domingo, levantando a forte perspectiva de um populista de extrema direita no comando da maior nação da América Latina.
Um ex-capitão do exército de 63 anos, cuja candidatura não ortodoxa foi ridicularizada pelos especialistas há apenas um ano, foi o centro de uma onda de indignação contra uma classe corrupta de políticos tradicionais. Com 98% dos votos contados, Bolsonaro tinha 46,4% do total.
Segundo o Washington Post, a vitória marca uma impressionante marcha adiante, no coração da América Latina, de um crescente movimento global de nacionalistas de direita que já conquistaram a presidência nos Estados Unidos, nos países do Leste Europeu e nas Filipinas.
O movimento também deverá causar um grande golpe na esquerda da região e a ascensão do político mais radicalmente conservador no Brasil desde o fim da ditadura militar, em 1985.
O jornal argentino Clarin destacou que Bolsonaro, que como seus similares europeus, passou da total velocidade do estatismo ao liberalismo, interpretou a frustação de um povo pressionado pela pior recessão da história e a corrupção que envolveu toda a classe política.
“Este fenômeno envolve em ambos aspectos o PT de Lula, que governou como um desenvolvimentista, mas habilitou um sistema de corrupção sem precedentes e acabou desmantelando a economia.
Admirador de Trump
Bolsonaro diz ser um admirador do Trump. Mas, segundo o jornal britânico The Guardian , muitos analistas comparam o candidato do PSL ao presidente linha-dura egípcio Abdel Fatah al-Sisi ou o filipino Rodrigo Duterte. Assim como este, que recentemente admitiu que seu único pecado foram os assassinatos extrajudiciais, Bolsonaro se comprometeu a fazer cair o “fogo do inferno” aos criminosos. “Existem certas pessoas que não devem ser tratadas como seres humanos”, disse Bolsonaro a repórteres no início do ano.
Ele tem paralelos impressionantes com Trump. O candidato do PSL tem uma fala dura e seus seguidores mais importantes incluem bandos de homens brancos irados. Ele defende “valores tradicionais”, mas foi casado três vezes. E se conecta diretamente com suas legiões de seguidores através das mídias sociais.
Mas Bolsonaro tem sido vago quanto ao detalhamento de suas políticas. Mas ele prometeu reprimir as violentas gangues de rua que controlam o tráfico de drogas no Brasil e legislação armamentista para que os civis possam combater fogo com fogo. Ele apoia o livre mercado e diz que trabalhará com Pequim, mas não entregará nenhum território à China.
Bolsonaro se comprometeu a parar com as tentativas de afrouxar as leis estritas do aborto e alarmou os ambientalistas dizendo que buscaria o desenvolvimento na Amazônia.
A abordagem de força de Bolsonaro em relação à política e o elogio à ditadura militar, que terminou em 1985,despertou o alarme entre os críticos que temem que ele afaste o Brasil da democracia liberal.
Capitalizando ira e frustração
O New York Times ressaltou que à medida que a ira e a frustração com a corrupção política arraigada tem crescido, Bolsonaro se apresentou como um rebelde anti-establishment que poderia combater a corrupção e frear a violência e o crime.
Segundo a AP, ele capitalizou a raiva profunda dos brasileiros com a classe política tradicional e a fúria de “jogue os vagabundos para fora” depois que uma investigação maciça de corrupção revelou níveis surpreendentes de corrupção.
“Sem um grande partido, sem fundos, sem tempo de televisão, mas com sinceridade e verdade, derrubamos figuras que achavam que, fazendo parcerias e lidando com grandes partidos, por meio da televisão, seriam eleitos”, disse Bolsonaro que afirmou que não reconheceria os resultados se não vencesse.
Um Brasil dividido
A campanha para o Palácio do Planalto teve ecos da corrida de 2016 para a Casa Branca, com os brasileiros polarizados em relação às constantes observações incendiárias denegrindo mulheres, minorias e a comunidade LBGT.
Segundo a BBC, estas eleições mostraram o quão dividido o Brasil se tornou. Aqueles à direita estavam determinados a não deixar o PT voltar à presidência. Aqueles à esquerda estão desesperados em não votar alguém que poderia ser uma ameaça à jovem democracia. Mas Bolsonaro tem muito apoio.
Bolsonaro atenuou sua retórica enquanto tentava expandir seu apelo, mas foi alvo de críticas em uma campanha de mídia on-line – #elenao, que incluiu celebridades como Madonna.
Apesar de ter casamento entre pessoas do mesmo sexo e cotas para minorias nas universidades, o Brasil continua sendo uma nação socialmente conservadora e religiosa. Bolsonaro ganhou apoio fundamental entre um grupo cada vez mais poderoso: os eleitores evangélicos.
Às margens da política tradicional
Um deputado de sete mandatos que elogiou a ditadura militar do Brasil, Bolsonaro há muito tempo vagueia às margens da política brasileira. O caminho em direção à eleição, dizem os especialistas, foi pavimentado por um fracasso das classes políticas brasileiras: grandes áreas da elite eleita foram profundamente manchadas pela corrupção. Em contraste, Bolsonaro é visto como um outsider relativamente imaculado.
Alguns de seus apoiadores – que incluem grupos de alt-right – gravaram vídeos no domingo, votando em seu candidato usando as pontas das armas. No entanto, da região amazônica, onde está ocorrendo uma reação violenta contra uma onda de imigrantes venezuelanos, até as praias do Rio de Janeiro, Bolsonaro ganhou votos mesmo entre os grupos que ele insultou.
Sua tática foi a de abordar as três questões com as quais os brasileiros mais se importam: a economia, a corrupção e uma onda de criminalidade, que ele prometeu enfrentar com tolerância zero.
“Bolsonaro é um fenômeno estranho”, disse Lucas de Aragão, diretor da Arko Advice, uma empresa de risco político em Brasília. “É muito difícil entender seu movimento, o porquê, o como. Não tem nenhum precedente no Brasil. Até mesmo alguns eleitores de Lula estão se voltando para ele. Isso aconteceu porque o Brasil adora essa ideia de salvador, de herói. E Bolsonaro agora representa essa imagem de um salvador tanto quanto Lula.
O fracasso de Lula
Apenas alguns anos atrás, o Brasil viu uma onda de políticas progressistas sob Lula, que, enquanto presidente de 2003 a 2011, impulsionou generosos programas de assistência social e direitos trabalhistas. Ele supervisionou um boom de commodities que levantou milhões de pessoas e deixou o cargo com uma aprovação vertiginosa de 87%.
Ele foi incapaz de transferir essa popularidade para sua sucessora – Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira que sofreu o impeachment em 2016 por não seguir leis orçamentárias.
Lula prometeu reconquistar a presidência este ano e disparou para o topo das pesquisas. Mas foi envolvido em uma investigação abrangente de corrupção envolvendo subornos políticos. Em abril, ele começou a cumprir uma sentença de 12 anos de prisão.
De sua cela, Lula indicou Haddad para correr em seu lugar. Tímido e pragmático é visto como uma sombra do Lula maior que a vida.
Haddad se reuniu com investidores, mas muitos se preocupam que ele não aprovará as difíceis reformas essenciais para evitar outra crise econômica. Em vez disso, apoiaram rapidamente Bolsonaro e seu guru econômico liberal Paulo Guedes, da Universidade de Chicago. E muitos brasileiros pareciam apoiar Bolsonaro por medo de um retorno do PT.