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Candidato

De desacreditado a virtual presidente: a trajetória de Bolsonaro

Com uma campanha que começou muito antes das eleições, Jair Bolsonaro literalmente ‘deu o sangue’ para chegar à presidência da República

Giorgio Dal Molin
Tânia Rêgo/Agência Brasil
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A história da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da República começa muito antes das Eleições 2018. Ainda em 2014, após ser eleito o deputado federal mais votado do Rio de Janeiro pelo PP, ele disse que gostaria ser candidato a presidente da Câmara dos Deputados por um motivo: “Quero 10 minutos de palanque”.

Daí em diante, o palanque só cresceu: na Câmara e por onde passava. Foi só mostrar a intenção de deixar o PP, em 2015, que recebeu uma leva de convites de partidos nanicos dispostos a “bancar a empreitada” da corrida ao Planalto:

Em 2016, pulou para o PSC, onde anunciou a pré-candidatura. Jogado para escanteio, namorou o Patriotas até o início de 2018. Contudo, o casamento saiu mesmo com o PSL, e o Patriotas teve que se contentar com Cabo Daciolo. Em outros sete mandatos como deputado, desde 1988, o capitão da Reserva também passou pelos partidos PDC, PPR, PPB, PTB e PFL, respectivamente.

Pré-candidatura de Jair Bolsonaro a presidente

De 2016 em diante, foi ganhando força. E se tem algo não pode ser dito é que faltou coerência, pelo menos desde aquele ano: se manifestou a favor do estado mínimo, o que mostra faz sentido com a escolha de Paulo Guedes como Ministro da Economia – ministério que substituirá Fazenda e Planejamento, caso Bolsonaro seja eleito. Antes, contudo, nas votações de projetos de lei na Câmara, costumava ter um posicionamento desenvolvimentista e nacionalista na economia.

“Mudei de partido [do PP para o PSC] com a intenção de ser candidato a presidente. Hoje, as pesquisas me dão 2% de intenção de voto e como nunca fui candidato a nada no Executivo fico abaixo de outras pessoas. Minha proposta é completamente diferente. É uma proposta à direita”, revelou em 2016.

O ano de 2017 deu fortes indícios de que Bolsonaro era uma opção viável para o partido que o abraçasse. Pela primeira vez, apareceu em segundo lugar em pesquisa da CNT/MDA*, atrás apenas de Lula. Ele entendeu o recado e percebeu o momento para reforçar o apelido de Mito e angariar novos aliados, como a linha de frente da chamada bancada da bala. Até mesmo o juiz federal Sergio Moro foi cortejado durante visita a Brasília, quando o então deputado federal tentou cumprimentar Moro e foi ignorado:

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Dias depois, o juiz revelou à Gazeta do Povo que ligou pedindo desculpas dizendo que não teve a intenção de ofendê-lo. Foi também o ano em que fez movimentos de xadrez para agradar o mercado financeiro, ao dizer que apesar de não entender de economia estava namorando Paulo Guedes porque o banqueiro foi crítico de planos econômicos como o Cruzado e o Real e se recusou a participar do governo do PT.

O desafio a Lula em viagem de Bolsonaro a Curitiba

Na divulgação da sua marca pessoal, as andanças de Bolsonaro pelo Brasil viraram motivo de críticas. Um levantamento do jornal O Globo mostrou que cinco ocasiões em que o deputado viajou às custas da Câmara Federal para participar de eventos de cunho político-partidário. O fato é: com dinheiro público ou não, o apoio popular foi ampliado.

Um exemplo foi uma viagem de Bolsonaro para Curitiba. O então pré-candidato esteve na capital paranaense dia 28 de março de 2018, mesma data em que Lula encerrou uma caravana pelo Sul do Brasil.

O deputado desafiou quem colocaria mais apoiadores nas ruas. Uma multidão recebeu o mito no Aeroporto Afonso Pena. Lá também estavam à espera Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) – deputado federal mais votado da história do Brasil e filho do presidenciável -, o ator agora eleito deputado Alexandre Frota, e os principais aliados de Bolsonaro no Paraná: a família Francischini, que elegeu pai e filho, respectivamente, deputados estadual e federal.

A cena se repetiu em outros lugares do Brasil, com a variação dos personagens na recepção nos aeroportos, e prosseguiu com a confirmação da candidatura na convenção do PSL no Rio de Janeiro, dia 22 de julho. Foi quando a campanha “começou para valer”.

Campanha de Bolsonaro à presidência

O anúncio formal veio sem um vice definido. A primeira tentativa foi o senador Magno Malta (PR-ES), mas o partido se aliou a Geraldo Alckmin. O segundo nome foi o general da reserva Augusto Heleno, que até então estava no PRP e que hoje está praticamente garantido como ministro da Defesa de um possível (ou provável) governo bolsonarista:

“Fabricaram uma história de que eu teria recusado ser vice da chapa de Bolsonaro. Isso é uma calúnia, eu jamais disse isso. Desde o primeiro momento eu encarava como uma missão a ser cumprida”, destacou Heleno na convenção.

A caça ao vice prosseguiu. Dentro do próprio PSL, foram cogitados diversos nomes: a co-autora do impeachment de Dilma, Janaína Paschoal, deputada estadual eleita por São Paulo; o astronauta Marcos Pontes, primeiro brasileiro a ir ao espaço e provável Ministro da Ciência Tecnologia; e o príncipe Luiz Philippe de Orléans e Bragança, da Casa Imperial Brasileira, agora eleito deputado federal.

Para o alívio – ou desalento – de Bolsonaro sobrou o general da reserva Hamilton Mourão, que por ser do PRTB daria uns segundos adicionais na propaganda eleitoral. Batido o martelo, a chapa PSL e PRTB foi fechada: teve apenas 8 segundos na TV e Mourão foi confirmado como vice, e cometeria uma série de gafes na sequência da campanha.

O general criticou o 13º salário, falou que seria possível o presidente, se quisesse, praticar um autogolpe, e ainda quis participar de debates no lugar de Bolsonaro depois que o presidenciável sofreu um atentado à vida. Bolsonaro se viu obrigado a desautorizar o vice em rede nacional, durante entrevista ao Jornal Nacional:

“Acreditamos no voto popular. Precisamos de um governo com autoridade e sem autoritarismo. Tenho certeza de que o que falta a ele (Mourão) é vivência com a política, e se adequará à função dele. Agradeço ao general, mas deu uma canelada”, disse Bolsonaro um dia após ser confirmado no segundo turno.

Facada em Bolsonaro em Juiz Fora

No dia 6 de setembro, a eleição virou de ponta cabeça. Naquela data, surgiu um nome totalmente alheio às eleições: Adélio Bispo de Oliveira, um andarilho que desferiu uma facada em Bolsonaro durante um ato de campanha do presidenciável em Juiz de Fora e mudou o rumo da corrida presidencial. O candidato foi imediatamente levado por policiais federais à Santa Casa de Misericórdia de Juiz de Fora. Ele chegou a perder mais de 2 litros de sangue até ser estabilizado.

“Ele deu entrada [na emergência] em estado de choque e foi submetido à cirurgia para estancar uma hemorragia interna, com lesão na veia do abdômen”, informou o médico cirurgião Luis Henrique Borsato, da Santa Casa, na noite do dia do atentado. A facada foi na parte da tarde.

Mais tarde, vieram mais notícias. Chefe de departamento da Santa Casa, o médico Cicero Reina destacou que foi uma única perfuração que atingiu mais de um órgão, comprometendo os intestinos delgado e o reto. Ele teve de passar por uma colostomia, um procedimento para esvaziar o intestino grosso e evitar maior contato de fezes com outros órgãos. Até hoje Bolsonaro utiliza uma bolsa de colostomia e ainda precisará retirá-la entre o fim do ano e o começo de 2019.

Coincidência ou não, desde então, o capitão não parou de crescer nas intenções de voto ainda no primeiro turno:

Até o momento, o inquérito inicial da Polícia Federal, Adélio Bispo e os advogados do agressor garantem que ele agiu sozinho por motivos políticos e religiosos. Ele foi indiciado por crime previsto no artigo 20 da Lei 7.170/1983, também conhecida como Lei de Segurança Nacional e pode pegar até 20 anos de prisão.

PERFIL:  Quem são os advogados que defendem o agressor de Bolsonaro.

O caso permanece um mistério. Como a Gazeta do Povo já havia antecipado antes da conclusão do inquérito, Adelio Bispo teve 39 empregos em 18 anos e passou por dezenas de cidades durante os últimos anos. “O Adélio era realmente um andarilho, ajudante de tudo quanto é coisa”, reconhece Zanone Junior, advogado do agressor. Um novo inquérito foi aberto para certificar e confirmar a possibilidade de haver outros envolvidos.

Processo de recuperação

O atendimento opôs os dois principais hospitais do país. Um jatinho com médicos do Sírio-Libanês pousou em Juiz de Fora às 22h do dia 6. Contudo, foi o Albert Einstein que levou a melhor. Os médicos do Sírio já avaliavam o presidenciável quando Antonio Macedo, gastroenterologia de referência internacional do Albert Einstein chegou à Santa Casa.

Com o aval da família de Bolsonaro, já pela manhã, o paciente foi transferido em um Avião UTI. E não demorou para uma nova polêmica aparecer. No Twitter, o filho então deputado estadual pelo Rio de Janeiro e hoje senador eleito pelo estado Flávio Bolsonaro divulgou que o pai foi para a fisioterapia. Na foto, fazia o sinal de uma arma, dois dias após a facada:

Quatro dias depois do atentado, um novo susto. No mesmo dia em que foi transferido da UTI para a Unidade de Terapia Semi-Intensiva, teve de voltar ao tratamento intensivo após uma cirurgia de urgência. E foi do hospital que Bolsonaro continuou a campanha. Após nova alta da UTI no dia 16, ao lado do filho e deputado federal Eduardo Bolsonaro, gravou um vídeo em que chorou, criticou as urnas eletrônicas e disse que havia risco de fraude na eleição.

Na primeira entrevista gravada no Albert Einstein, à Jovem Pan ele criticou a investigação da Polícia Federal sobre o atentado, disse que Adélio Bispo não agiu sozinho e adiantou que faria lives de casa durante o horário eleitoral na TV para compensar o pouco tempo de propaganda – algo realmente cumprido pelo candidato. Em entrevista à Rede Bandeirantes, disse: “Não posso falar pelos comandantes [militares]. Pelo que vejo nas ruas, não aceito resultado diferente da minha eleição”. Na mesma entrevista, desautorizou as falas de Mourão e contou que pediu para Mourão ficar quieto.

Alta no dia do #EleNão

A alta hospitalar veio dia 29 de setembro, um sábado. Do hospital, ele foi para o Aeroporto e Congonhas e embarcou para sua casa no Rio de Janeiro. “Parecia uma criança em festa de aniversário, louco para reencontrar a filha (Laura, de 7 anos). Foram 22 dias se recuperando no hospital do atentado. Não é fácil” , disse coordenador da campanha e presidente do PSL em São Paulo, Major Olímpio.

A alta ocorreu no mesmo dia em que protestos de mulheres contra Bolsonaro aconteceram em cidades do Brasil e do mundo. Dias antes, começou a pipocar na internet a hashtag #EleNão “, criada por um grupo no Facebook que reúne 3,8 milhões de mulheres. As lideranças do movimento afirmam que a campanha buscava alertar a população sobre as ideias de Bolsonaro, consideradas pelos participantes como “fascistas e machistas”. Houve atos no Brasil e no exterior.

A reação foi imediata. No domingo (30), foi a vez de apoiadores do presidenciável irem às ruas em todo o Brasil. Nas pesquisas de intenção de voto divulgadas entre segunda-feira (1º) e terça-feira (2), houve aumento nas intenções de voto no presidenciável do PSL, principalmente entre as mulheres. As manifestações do #EleSim e #Elenão se repetiram dias 20 e 21 de outubro.

Uma mão e quatro dedos na faixa

No dia 7 de outubro aconteceram as eleições do primeiro turno e Bolsonaro quase levou a faixa presidencial. Entre os 13 candidatos à presidência, Jair Bolsonaro do PSL (46%) e Fernando Haddad do PT (29%) foram os mais votados.

Bolsonaro, então, continuaria a campanha. De casa, além de vídeos ao vivo no Facebook, houve um entra e sai de políticos manifestando adesão a Bolsonaro. Houve apoio formal da bancada ruralista. Depois, foi a vez da bancada evangélica. Os partidos começaram a sair de cima do muro e grande parte se mostrou neutra pendendo para Bolsonaro, inclusive os governadores que foram para o segundo turno, criando palanques duplos nos estados.

Entre os que levaram a vitória no primeiro turno, Ratinho Junior foi um dos que foi a casa de Bolsonaro: ““Ele terá uma votação expressiva no Paraná e pode contar com nossa base de apoio”, declarou o governador eleito.

Com tantos apoios, manteve-se a frente com folga nas pesquisas eleitorais.  A mais apertada até o momento foi a do Datafolha****, em que aparece com vantagem de 12 pontos percentuais: 56% a 44% de Haddad. Com a vantagem, Bolsonaro decidiu que não iria a debates no segundo turno, mesmo após ser liberado pelos médicos.

Apesar das críticas do adversário – inclusive de promoção de notícias falsas – , resolver manter distância: de casa, fala à imprensa, se comunica pela internet e apara arestas da estratégia eleitoral. E, agora, está com uma mão e quatro dedos na faixa presidencial. Pelo menos até este domingo.

* Pesquisa realizada entre os dias 8 a 11 de fevereiro de 2017 com 2.002 pessoas, em 138 municípios de 25 unidades federativas, das cinco regiões. Margem de erro: 2,2 pontos percentuais. Nível de confiança: 95%.

** O Ibope divulgado em 1.º de outubro foi a campo no sábado (29) e no domingo (30) e ouviu 3.010 eleitores. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, com um nível de confiança de 95%. O levantamento foi encomendado pelo jornal O Estado de S.Paulo e pela TV Globo, tendo sido registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sob o protocolo BR08650/2018.

** O Datafolha ouviu 3.240 entrevistados de todo o Brasil no dia 2 de outubro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou para menos, com um nível de confiança de 95%. Pesquisa foi contratada pela Folha de S. Paulo, sob o registro no TSE: BR-03147/2018.

*** Pesquisa realizada pelo Datafolha de 24/out a 25/out/2018 com 9.184 entrevistados (Brasil). Contratada por: REDE GLOBO E FOLHA DE SÃO PAULO. Registro no TSE: BR-05743/2018. Margem de erro: 2 pontos percentuais. Confiança: 95%. 

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