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Futuro

As reformas que o Brasil vai ter de enfrentar no 1.º ano do novo governo

Mudanças apontadas como as mais urgentes são a tributária e a previdenciária, que precisariam ser feitas já no primeiro ano de mandato

Jéssica Sant’Ana
Foto: André Rodrigues / Gazeta do Povo
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Para tentar melhorar a situação da economia, que ainda não se recuperou da última recessão, o novo governo terá de se empenhar em aprovar as reformas econômicas. As apontadas como as mais urgentes são a tributária e a previdenciária, que precisariam ser feitas já no primeiro ano de mandato. Mas ambas enfrentam há anos resistências no Congresso e em parte da sociedade e do setor produtivo, o que exigirá do novo governante poder político para emplacar uma agenda reformista.

As duas reformas são apontadas como urgentes porque melhorariam as contas públicas e estimulariam os investimentos. A tributária melhoraria o ambiente de negócios e tornaria o sistema mais justo, caso fosse feita uma simplificação e um aperfeiçoamento da progressividade dos tributos. A previdenciária ajudaria a manter o sistema de aposentadorias e a diminuir o rombo das contas públicas. A maior parte dos impactos de ambas as medidas na economia seria de médio e longo prazo, mas há a possibilidade de algum efeito já no início do novo governo.

Previdência é apontada como a reforma mais urgente

Entre as duas reformas, a da Previdência é indicada como a “sem escapatória”, ou seja, a que vai precisar – inevitavelmente – ser feita. Isso porque o sistema atual já não cobre os custos, ou seja, o dinheiro que é recolhido é insuficiente para cobrir o que é pago mensalmente aos aposentados, resultando no chamado “déficit da Previdência”. Com isso, o governo precisa se endividar todo mês para pagar parte dos aposentados, o que piora a situação das contas públicas e, consequentemente, da economia. Em 2017, o rombo da Previdência (incluindo setor público e privado) bateu recorde: atingiu R$ 268,79 bilhões. Só no primeiro semestre deste ano, o déficit do sistema foi de R$ 92,33 bilhões.

“A reforma mais urgente é a da Previdência, dado ao grave problema fiscal. Desde 1998 a 2013, tivemos superávits (governo terminou o ano no azul). A partir de 2014, voltamos a ter déficits primários consecutivos e, pelas projeções, essa situação deve continuar até 2021.Com o rombo nas contas públicas, a dívida bruta (do governo), que estava em cerca de 50% do PIB em 2013, passou para 77% hoje”, explica Marcel Balassiano, pesquisador sênior da área de Economia Aplicada do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

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O efeito da reforma da Previdência nas contas públicas seria em médio e longo prazo, mas economistas dizem que uma mudança no sistema já pode trazer alguma mudança imediata na economia, principalmente em relação às expectativas e à taxa de juros. “Na medida em que a reforma da Previdência é vista como uma melhora da situação fiscal, com uma redução dos déficits projetados (para os próximos anos), a taxa de juros deve cair”, diz José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator.

Balassiano acrescenta: “Na economia, tudo é interligado. Com a reforma, há uma sinalização de que o governo vai tentar resolver o problema fiscal. Com isso, cria-se expectativas positivas de curto prazo, o que melhor a confiança (de empresários e investidores). Isso reflete no risco país, que tende a diminuir, o que impacta no câmbio, que impacta na inflação e que impacta na atividade econômica em geral”.

Dificuldades para aprovar uma reforma da Previdência

O governo Temer chegou a enviar um projeto para reformar a Previdência. A proposta previa idade mínima, regra de transição e equiparação do sistema público e privado. O texto enfrentou resistência dos parlamentares e do lobby do funcionalismo público no Congresso. As pressões políticas, junto com a delação premiada de Joesley Batista, dono da JBS, que atingiu o presidente Michel Temer e enfraqueceu o governo, fizeram a agenda reformista não ir para frente.

Em linhas gerais, há duas formas de fazer a reforma da Previdência: a paramétrica, em que só mudam alguns parâmetros, como idade mínima para ter acesso ao benefício; e a estrutural, em que há a mudança de sistema, como indo do atual, de repartição, para a capitalização. Na repartição, o modelo atual em vigência no Brasil, há o pacto de gerações: as aposentadorias atuais são pagas pelos trabalhadores da ativa. Na capitalização, eu recolho hoje para a minha própria aposentadoria no futuro. E há o meio termo: fazer os dois tipos de reforma ao mesmo tempo, até para bancar o elevado custo de transição ao mudar o sistema (de repartição para capitalização).

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Independentemente da forma, reformar a Previdência é algo bastante complexo, que envolve muitos interesses. E, para ela ser efetiva, explica André Perfeito, economista-chefe da Spinelli, ela precisa mudar uma série de privilégios, como a diferença entre os regimes (público, privado e militar). “Se for só em cima da idade (mínima), vai penalizar a população sem conseguir o benefício de médio e longo prazo”, diz.

O economista também destaca a importância de o novo presidente tentar aprovar a medida rápido, até para aproveitar o capital político que terá pós-eleição. “Precisa encaminhar rápido, mas com cuidado, para não precisar ficar remendando depois. A Emenda 95 (que instituiu o Teto de Gastos) foi feita na correria e agora precisa de mudanças. Mas tem que ser (a reforma da Previdência) no começo do mandato, até porque depois fica mais fácil para manobrar o navio”, explica Perfeito.

Francisco, do Banco Fator, acredita, porém, que a reforma deve passar apenas em fatias, por causa da composição do Congresso, que foi renovado, mas que manteve a bancada dos funcionários públicos e trouxe ainda mais militares para Brasília. “Se ano que vem passar idade mínima e regra de transição, eu acho que vai ficar de bom tamanho.”

Reforma tributária

Outra reforma que poderá ser feita pelo próximo presidente, e também apontada como urgente, é a tributária. Há anos a pauta é mencionada como fundamental, devido à complexidade do nosso sistema, que leva a uma guerra fiscal entre os estados e torna burocrático o pagamento de impostos no país. Além disso, privilegia determinadas categorias com mais força política, que acabam conquistando através de pressão benefícios tributários.

Em 2017, a carga tributária alcançou 32,36% do PIB, segundo dados do Tesouro Nacional. Em média, o brasileiro trabalhou 153 dias no ano passado só para pagar impostos, conforme levantamento do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT). Já as empresas levam 352 dias para cumprir todas as obrigações fiscais, de acordo com análise da consultoria PwC.

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Os economistas consultados pela reportagem dizem que o caminho para a reforma tributária é a simplificação. Eles não defendem o aumento de impostos, o que oneraria ainda mais a população e o setor produtivo em um momento de baixa da economia, nem a redução da carga, já que as contas públicas estão no vermelho.

“Você pode manter a carga e redistribuir o peso. É uma boa maneira de melhorar a situação tributária. E tudo o que é simplificação e unificação de impostos que incidem sobre as vendas, é uma coisa muito boa. Você consegue manter a arrecadação afetando menos as vendas”, afirma Francisco.

“Temos que fazer uma simplificação brutal, reduzindo a regressividade dos impostos no Brasil”, completa Perfeito. Quando um tributo é regressivo, a alíquota diminui na proporção em que os valores sobre os quais incide crescem, o que faz com que contribuintes com menor renda paguem mais impostos. No progressivo, defendido por Perfeito, a lógica é a inversa.

Outras medidas

Mas, além das reformas da Previdência e tributária, há outras medidas que o novo governo pode tomar logo no início do mandato para impactar positivamente a economia. “A independência formal do Banco Central, com mandatos fixos para a diretoria, seguraria os juros. E toda medida que favoreça a taxa de juros em níveis mais baixos é bem-vinda, já que o governo precisa ganhar tempo para fazer os ajustes na economia”, diz Perfeito.

O economista-chefe da Spinelli cita, ainda, a necessidade de uma mudança na regra do teto dos gatos. Criada pelo governo Temer, essa regra proíbe que as despesas públicas federais cresçam acima da inflação do ano anterior. Ela é válida por 20 anos. “Até agora foi fácil cumprir o teto dos gastos, porque foi dada uma folga. Agora, qualquer gasto vai ser uma briga (para não fugir à regra). Eu acredito que o ideal seria diminuir o prazo de vigência e tirar os investimentos públicos (da regra)”, afirma Perfeito.

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Para estimular a economia no curto prazo, José Francisco Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator, defende a retomada dos investimentos de infraestrutura, tanto para as obras que estão paradas, quanto para novos empreendimentos. “Pode ser a fagulha que a economia precisa para o Brasil voltar a crescer.”

Sobre cortes de ministérios e do funcionalismo em geral, Gonçalves diz que o efeito é mais moral do que financeiro. “Cortar todos os cargos em comissão economiza R$ 1 bilhão por ano. Isso é nada para a economia. É mais uma questão de demonstrar austeridade. É um efeito moral.”

Recuperação efetiva da economia deve demorar

Independente de quais medidas o novo governo vai colocar em prática, é preciso saber que retomar os níveis da economia pré-crise de 2014 deve demorar. “De 2014 a 2016, passamos por uma recessão muito forte. Em 2017 e neste ano, vimos uma recuperação lenta e gradual. Para melhorar a atividade econômica, com empresas produzindo mais, comércio vendendo mais e conseguindo empregar mais pessoas e o desemprego diminuindo, vai demorar um pouco”, afirma Marcel Balassiano.

Segundo cálculos do Comitê de Datação dos Ciclos Econômicos (Codace), da FGV, o Produto Interno Bruto (PIB) deve retomar ao nível pré-crise a partir de 2021, se for mantida a média de crescimento trimestral de 0,5%, registrada desde quando o país saiu da recessão até março deste ano.

Ainda assim, é fundamental que o novo governo dê o pontapé inicial, com as reformas e outras medidas, para fazer a roda da economia girar novamente. “Governo tem que usar seu capital político para tentar aprovar as reformas e fazer o ajuste fiscal, caso contrário vamos continuar tendo déficits maiores, risco país aumentando e inflação e juros – que hoje estão sobre controle – voltando a aumentar”, alerta o economista sênior do Ibre/FGV.

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