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Mais espaço para a iniciativa privada

Precisamos acreditar na capacidade dos empreendedores brasileiros

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O Chile é hoje o país da América Latina com os melhores indicadores econômicos. Sua renda per capita é de US$ 24,6 mil, segundo cálculo feito Fundo Monetário Internacional (FMI) com a metodologia da paridade do poder de compra. Nos últimos 20 anos, o país ultrapassou o Brasil (US$ 15,5 mil), a Argentina (US$ 20,6 mil) e o México (US$ 19,5 mil), as maiores economias da região.

O Chile não tem uma economia mais diversificada do que a brasileira, nem tem posição geográfica mais estratégica do que o México, por exemplo, mas tem outros fatores que fazem do país o que tem mais chances na região de fazer a travessia para o mundo desenvolvido. Seu trunfo está em uma combinação de estabilidade e abertura econômica, algo bastante raro no continente.

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Uma parte importante dessas características é retratada no Índice de Liberdade Econômica, feito anualmente pela Heritage Foundation e publicado neste ano em português com exclusividade pela Gazeta do Povo. O Chile é o terceiro país com maior grau de liberdade econômica das Américas, ficando atrás apenas do Canadá e dos Estados Unidos. As três nações são as únicas classificadas como “majoritariamente livres” no continente.

“No longo prazo, o potencial de crescimento do país pode se multiplicar quando houver uma combinação de maior espaço para a iniciativa privada e um ambiente de negócios atraente.”

Algumas diferenças do Chile para outros países da região se tornaram casos para estudos. Seu sistema de aposentadorias, por exemplo, usa fundos privados de capitalização e é um dos mais sustentáveis do mundo – embora, é claro, tenha pontos de discórdia, como os valores baixos das aposentadorias. O modelo com contas individuais geridas por fundos privados recebeu nota B do Índice Global de Pensões, feito anualmente pela consultoria Mercer e que tem escala de A a E, mesma categoria de países bem resolvidos como Canadá e Nova Zelândia.

No Índice de Liberdade Econômica, no qual o Chile é o 20º colocado do mundo e 3º nas Américas, o Brasil ocupa a 153ª colocação global e 27ª no continente. Há um contraste gigantesco entre os dois países no quesito “gastos do governo” (no Brasil, o setor público consome cerca de 40% do PIB, contra 25% no Chile) e “saúde fiscal” (a dívida pública brasileira é quase quatro vezes maior do que a chilena).

O Brasil também fica bem para trás na sua abertura aos investimentos. No setor bancário, chama a atenção dos autores do ranking o tamanho dos bancos públicos e do crédito direcionado, além da pouca abertura do governo para investimentos estrangeiros por causa de políticas como a exigência de conteúdo local em alguns setores.

A regulação brasileira na área trabalhista também é menos flexível do que a chilena, item no qual o Brasil pode começar a avançar nos próximos anos com a efetivação da reforma trabalhista. Neste ponto, seria importante o compromisso do próximo governo em manter de pé a reforma, que fez avançar as relações trabalhistas com a permissão para que o negociado prevaleça sobre o legislado e a extinção de anacronismos, como o pagamento de horas in itinere e a exigência de que mulheres façam intervalo de 15 minutos antes das horas extras.

Custo Brasil e carga tributária

Para se tornar mais competitivo, o Brasil terá de lidar com as amarras que, como a legislação trabalhista, detêm a iniciativa privada. O relatório da Heritage Foundation cita um velho conhecido do país, o “Custo Brasil”, que pagamos na forma de um sistema tributário complexo e injusto, infraestrutura ruim e outras distorções que tornam a vida do empreendedor mais difícil.

Em uma frente, a redução desse custo pode se dar com uma ampla reforma tributária, que não só simplifique o pagamento de impostos, mas torne sua incidência mais semelhante à de países avançados. Na ânsia de pagar suas contas, governo após governo vêm se apoiando na cobrança dos impostos sobre o consumo e o trabalho. Segundo dados da OCDE referentes a 2014, o Brasil tributa bens e serviços em 16,28%, em média, do produto. Está bem acima da maioria dos países desenvolvidos, onde esse tipo de imposto equivale a 10% a 12%. Nos Estados Unidos, é 4,5%.

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O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias sobre o trabalho: pouco mais de 70% sobre o valor do salário, contra uma média de 14,1% nas sete maiores economias do mundo (o G7). O sistema torna caro produzir e vender produtos. Ao mesmo tempo, a tributação sobre lucros e dividendos é menor do que na maioria dos países da OCDE: 5,85%, contra 12,5% nos Estados Unidos e 11% na Alemanha.

Além de mal distribuída, a carga tributária no país é mais alta do que em outros países emergentes, de 32,4% em 2014, contra 19,8% no Chile e 28,7% na Turquia, segundo dados daOCDE. Para completar o diagnóstico, é preciso levar em conta que pouco mais de metade da carga é de tributos e contribuições para a União, o que enfraquece o “pacto federativo”, a autonomia de políticas públicas dos estados

Por isso, uma reforma tributária não precisaria apenas simplificar nosso sistema de cobrança de impostos. Teria também de mudar a estrutura de impostos para penalizar menos a produção e incidir mais sobre o resultado real de empresas e acionistas. Essa nova estrutura tributária poderia ser um estímulo para o crescimento econômico e, se combinada com um ajuste fiscal efetivo, levar a uma redução, mesmo que pequena, da carga tributária no longo prazo.

Privatizações para crescer

Em outra frente, o Custo Brasil vai cair conforme houver mais investimento privado em áreas essenciais. A força da iniciativa privada também está atrofiada no Brasil pela forma como o Estado entrou nos mais diversos setores da economia. O governo é, ao mesmo tempo, empresário, investidor e regulador em diversas áreas, como bancos, saneamento, geração e transmissão de energia, produção e refino de petróleo, etc.

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O ciclo de privatizações dos anos 90 é um exemplo de que a iniciativa privada, quando há o ambiente regulatório correto, consegue suprir melhor as necessidades dos consumidores. Na telefonia, o país conseguiu erguer um sistema que tem competição, serviço disponível a todos e um grau maior de transparência no enfrentamento de problemas – isso tudo mesmo com o enfraquecimento de agências reguladoras nos últimos 10 anos. O maior fracasso na área veio, justamente, de uma grande intervenção: a criação de uma “supertele nacional” com patrocínio público e que acabou no maior pedido de recuperação judicial da história do país.

Nos últimos dois anos, houve algum avanço na forma como o governo federal e alguns estados encaram o “Estado-empresário”, em grande medida por causa da grave situação fiscal e de erros administrativos do passado. A Petrobras deu início a um grande programa de reestruturação, com a venda de negócios secundários e a abertura de capital de sua distribuidora de combustíveis, e a Eletrobras caminha para a venda de ativos e privatização do controle.

Esses dois processos de melhoria de gestão terão de ser continuados no próximo governo. A Petrobras ainda precisa completar seu programa de desinvestimento e não deve ser usada como vetor do desenvolvimento, como ocorreu nos anos em que, não por coincidência, aconteceram os desvios apurados pela Lava Jato. Foi importante para a empresa a mudança na lei que tirou a obrigatoriedade para que ela seja operadora única do pré-sal, o que destravou as concessões de áreas de exploração e tirou um fardo indesejado de cima da companhia. A continuidade desse ajuste vai abrir mais espaço para empresas privadas investirem mais no país.

O caso da Eletrobras também será provavelmente herdado pela próxima gestão. O governo Michel Temer teve dificuldade em aprovar o arcabouço legal para a privatização da empresa. Há resistência no Congresso, especialmente entre parlamentares de estados do Norte e do Nordeste, por causa dos tantos cargos existentes em subsidiárias da empresa. O ideal, aqui, é que se complete a venda do controle da companhia para que ela possa voltar a investir no longo prazo.

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Há outros desafios em setores como o bancário, que hoje tem metade do crédito concentrado em bancos públicos, e nos Correios. No primeiro caso, há poucas razões para o governo evitar perder o controle sobre seus bancos de varejo. É mais importante que o Estado cuide da regulação para aumentar a competição no setor, fator que é um dos principais obstáculos para que a queda na taxa básica de juros chegue a empresas e consumidores.

O Brasil tem hoje 151 estatais, que tiveram juntas um prejuízo de R$ 19,1 bilhões em 2016 e perda projetada de R$ 15 bilhões no ano passado. Várias delas dependem da União e têm funções difíceis de serem privatizadas, como a Embrapa e a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ambas com um papel de planejamento e desenvolvimento de setores importantes.

Há outras que são verdadeiros sonhos desenvolvimentistas, como a Ceitec, que fabrica microchips, a Hemobrás, que faz derivados de sangue, e a Telebrás, ressuscitada para o serviço de transmissão de dados. São casos em que a aventura estatal produziu custos a perder de vista e poucos resultados práticos. Nenhuma dessas empresas faz coisas que não poderiam ser produzidas pelo setor privado, desde que o ambiente de negócios no Brasil permitisse.

Concessões e parcerias

Um front complementar às privatizações é a da concessão de projetos e serviços à iniciativa privada. O Brasil já teve três grandes projetos na área na última década, o PAC de Lula, o PIL de Dilma Rousseff e o Avançar de Temer, sempre com a promessa de conceder ou construir dezenas de projetos de infraestrutura. Em todos eles houve uma grande frustração, seja pelo ritmo lento das obras, seja pela simples falta dos projetos para que elas saiam do papel. Nos piores casos, o problema foi a corrupção envolvida.

É possível aprender com os erros e acertos desses projetos do passado. No setor de energia, por exemplo, no qual há um planejamento de longo prazo, os maiores fracassos estão nos projetos dirigidos pelo Estado, como a construção da usina de Belo Monte e a usina de Angra 3, ambas investigadas na Lava Jato. Aqui, deveria valer a regra de que um negócio não vale a pena se nenhuma empresa tem interesse no risco.

Houve, em contraposição, um caso de enorme sucesso na última década na geração de energia eólica. Com regras claras e garantia de mercado via leilões para fornecimento de energia, a geração eólica passou de quase zero para 8,3% da matriz energética brasileira em uma década. São já 12 GW de capacidade instalada e a previsão é que haja uma expansão de mais 50% até 2023.

Para a construção dos mais de 500 parques eólicos que existem hoje no país, a maior parte do investimento foi assumido por empresas privadas ou companhias estatais abertas, que têm mais acesso ao mercado de capitais – inclusive linhas de crédito do BNDES que fazem sentido quando se fala no incentivo ao crescimento de novos setores econômicos.

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Esse tipo de experiência não precisa ficar restrito à infraestrutura. Empresas privadas podem entrar em setores tradicionalmente atendidos pelo estado, como escolas e hospitais, em parcerias que tenham contratos transparentes. A resistência à participação privada fora da infraestrutura pode ser vencida com boa regulação, metas objetivas e prestação de contas.

No longo prazo, o potencial de crescimento do país pode se multiplicar quando houver uma combinação de maior espaço para a iniciativa privada e um ambiente de negócios atraente – algo que pode ser medido, por exemplo, pelo tempo que se leva para abrir uma empresa no país (o Brasil é o 174º colocado em um ranking de 190 países feito pelo Banco Mundial com um prazo de quase 80 dias), ou pela segurança jurídica para a recuperação de créditos tributários. Conduzir um negócio no país precisa ficar mais simples para que também o risco para o empreendedor seja menor quando as oportunidades, muitas vezes abertas pelo Estado, aparecerem.

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