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Orçamento

O que a história de José do Egito pode ensinar sobre economia ao futuro presidente

Brasil gasta muito quando tudo vai bem e fica na penúria em tempos de crise. Resultado: contas públicas estão sempre no vermelho

Kelli Kadanus
Foto: Wikimedia Commons
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Volta e meia a Bíblia aparece de alguma forma nas campanhas eleitorais no Brasil e nessa eleição não foi diferente. Ao longo do primeiro turno, diversos candidatos se apoiaram em ensinamentos bíblicos para discutir, principalmente, temas morais durante a campanha. Mas a Bíblia também pode ensinar uma lição importante sobre economia para o futuro presidente do Brasil.

O livro sagrado traz, por exemplo, a história de José do Egito. Ele interpretou o sonho do faraó sobre as sete vacas gordas e as sete vacas magras como uma profecia de que o Egito teria sete anos de fartura seguidos de sete anos de escassez. A partir disso, o faraó administrou as colheitas para estocar parte da produção nos anos de fartura para que a população não passasse fome nos anos ruins.

O Brasil vive uma história de José do Egito ao contrário. Gasta nos anos de fartura e fica na penúria durante as crises econômicas. Um exemplo disso é a relação entre o gasto público e o PIB. Dados do Tesouro Nacional mostram que o percentual de despesas em relação ao PIB não para de crescer, ao passo que o crescimento do PIB tem caído desde, pelo menos 2010.

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Em 2013, o Brasil ainda fechou o ano em superávit – quando as receitas são maiores que as despesas. O PIB naquele ano cresceu 10,7% em relação ao ano anterior e o governo gastou 17,3% do PIB com despesas primárias – 13% somente com despesas obrigatórias, como pagamento de pessoal e previdência.

Em 2014, o Brasil fechou o ano no negativo pela primeira vez desde a década de 1990. O PIB cresceu apenas 8,3% em relação a 2013, mas o governo gastou mais: 18,1% do PIB em despesas primárias – 13,4% em despesas obrigatórias.

Em 2015, mais uma vez o PIB cresceu menos em relação ao ano anterior: 3,7%. O governo gastou 19,4% do PIB em despesas primárias – 15,2% em despesas obrigatórias.

Em 2016 e 2017, o PIB voltou a apresentar um crescimento, ainda tímido, na casa dos 4% em cada ano, mas as despesas primárias – e as obrigatórias – continuaram apresentando um crescimento maior do que em anos interiores.

Despesas estão vinculadas a gastos difíceis de cortar

Parece óbvio que para resolver o problema do desequilíbrio das contas públicas a solução é cortar despesas. O problema é que as despesas, que sobem mais que o PIB, estão vinculadas a gastos difíceis de cortar, como pagamento do funcionalismo e de previdência.

Só para se ter uma ideia, em 2017, o gasto com previdência correspondeu a R$ R$ 557,2 bilhões – 54,2% das despesas obrigatórias e 40,2% de tudo que o governo arrecadou no ano.

No mesmo ano, o gasto com pagamento de servidores públicos correspondeu a outros R$ 284 bilhões – 27,6% das despesas obrigatórias e 20,5% de tudo que foi arrecadado.

Só com essas duas despesas, o Brasil gastou mais de 60% do que arrecadou.

As causas para o problema

Para o professor de economia da Universidade Positivo (UP), Walcir Soares Júnior, uma das causas para esse aumento de despesas em tempos de crise é o fato de a economia ser cíclica e o governo não conseguir suavizar os ciclos.

“Todo mundo sabe que você sempre vai ter um pico, e esse pico vai subir e vai descer, é um ciclo. A gente só não sabe quanto tempo vai durar esse ciclo. A questão é o desalinhamento. A política pública deveria servir para suavizar esses ciclos”, diz o economista.

O professor da Faculdade de Economia e Administração da USP de Ribeirão Preto, Luciano Nakabashi, destaca que há gastos que são vinculados ao PIB e não podem ser cortados quando a economia não vai bem. “Quando o PIB aumenta, tem muitos gastos que são vinculados. Então, quando aumenta a receita, esses gastos aumentam automaticamente. E quando o PIB cai, você não pode reduzir o gastos”, explica.

Há, ainda, outro problema, apontado pelo professor de economia da PUC-PR, Masimo Della Justina, que é justamente o que José do Egito ensinou ao faraó. “Se recomenda sempre que no período de prosperidade o governante faça provisão, uma caixinha. Então existe o que a gente chama de superávit primário, que é um dos mecanismos que o governo utiliza para essa provisão”, explica.

“No caso do Brasil, tanto no período em que a economia estava crescendo, tanto quanto depois que começou a entrar em recessão, o governo começou a gastar esse superávit e não fez essa provisão. Nesse aspecto as contas públicas só pioram”, completa o professor da PUC.

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Soares destaca, porém, que o simples corte de gastos não serve para resolver o problema do desequilíbrio das contas. “Ao mesmo tempo em que não é bom gastar demais, também não é bom gastar de menos. Por um lado, você tem inflação quando você gasta muito e não tem produtos suficientes na economia, e por outro você tem deflação. Nós temos uma visão de que o correto seria ter sempre [dinheiro] sobrando e na verdade, não. O correto é ter um equilíbrio de nem superávit nem déficit”, defende o economista da UP.

Justina ainda destaca um componente político que explica o desajuste das contas públicas. Em tempos de crise, segundo o economista, o governo deveria cortar na própria carne, reduzindo o número de secretarias, departamentos e ministérios, mas isso é muito difícil por causa do presidencialismo de coalizão – quando o governo troca cargos em ministérios por apoio no Congresso, por exemplo.

“Os deputados e senadores colocam pressão sobre o presidente para ele não tomar atitudes que vão representar corte de gastos. Nosso modelo político de presidencialismo de coalizão se torna muito caro nesse sentido. Ele tira do presidente a liberdade de agir de forma mais racional durante o ano”, explica Jusina.

Sem poder cortar despesas obrigatórias, investimentos são afetados

Quando o governo federal tem dívidas que não pode deixar de honrar, como pagamento de pessoal e aposentadoria, acaba cortando gastos onde dá. Enquanto as despesas obrigatórias do governo continuaram crescendo mesmo a partir de 2014, quando o governo começou a fechar no vermelho, as despesas discricionárias – aquelas que não são obrigatórias – passaram a cair. O problema é que, entre as despesas discricionárias estão os gastos com investimentos, inclusive em infraestrutura.

Em 2014, o governo gastou 4,6% do PIB com despesas discricionárias. Somente 1,34% do PIB foi aplicado em investimentos. Esse valor caiu em 2015 para 0,93% do PIB – que já cresceu menos em relação ao ano anterior. Em 2016 houve um pequeno aumento nos gastos com investimentos – 1% do PIB –, mas o valor voltou a cair em 2017, para 0,7%.

“Se você pegar a carga tributária na época Fernando Henrique, era em torno de 25%, 26%, hoje é 34%, 35%. Fora o que o governo gasta a mais do que arrecada, que é bem mais que esses 34%, 35%. Chega próximo dos 40%”, explica Nakabashi. “Mesmo assim, o investimento é menor do que era relativamente ao PIB por causa dessa dinâmica de aumento de gastos”, completa o economista.

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Além de afetar os investimentos, o desequilíbrio pode levar ao não pagamento das dívidas por parte do governo federal. “A gente gasta em torno de 13% do PIB com Previdência. Pode chegar um momento em que o governo não tem como pagar. Aí não paga. A gente vê isso em alguns estados acontecendo”, alerta Nakabashi.

Se nada for feito, segundo o economista, a situação pode levar a uma paralisia do governo. “A gente está vendo [paralisia]. Você pega o Rio de Janeiro, que parou de pagar funcionários”, exemplifica. “A gente viu a questão do corte de gastos com emissão de passaporte. São coisas pequenas, mas que se a gente continuar nessa trajetória vai começar a afetar cada vez mais setores da economia”, completa Nakabashi. “Enquanto não resolver isso a perspectiva é de piora nas contas públicas”, sentencia.

O que o próximo presidente pode fazer para fugir da maldição do Faraó

Os economistas apontam para uma série de medidas que podem ajudar o Brasil a fazer como o faraó do Egito e ajustar o desequilíbrio econômico.

“A meu ver, uma coisa que é quase unânime, é a necessidade de reformas. Fala-se da reforma da Previdência, da reforma agrária, da reforma política. A reforma política tiraria esse componente político da questão econômica. A questão econômica não pode ter um componente político. O Banco Central deveria ser independente para tomar suas decisões com relação à proteção da estabilidade da moeda e com relação ao que o país precisa e não com o que o governo está pedindo”, diz Soares. “Acho que o primeiro desafio do próximo governo seria fazer essa desarticulação política dessas questões que são econômicas”, completa o economista.

Nakabashi também destaca a importância de uma reforma da Previdência urgente para ajudar a reequilibrar as contas públicas. “Alguns benefícios já estão sendo cortados. Hoje quem entra em cargo público federal tem um teto do INSS. Mas o principal hoje é aumentar bastante a idade”, aponta.

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Outra reforma fundamental, segundo o economista da USP, é a desvinculação de gastos ao aumento do PIB. “A questão de desvincular os gastos das receitas, para que não aconteça esse aumento automático quando você aumenta o PIB. Porque quando cai, não só você não pode reduzir, mas você tem de aumentar outros gastos, como seguro desemprego. Tem outros gastos que tendem a aumentar em tempo de crise”, explica.

Soares aponta outra saída, que não passa necessariamente por cortes. “O corte de gastos, em um primeiro momento, é a primeira resposta que temos quando estamos em um cenário de déficit. Mas ao invés de focar no corte de gastos, deveríamos focar o no aumento de receitas, no estímulo das empresas a exportar, assim você tem um aumento no PIB, um aumento no crescimento do país e isso vai tornar o cenário mais propício para as pessoas que produzem”, propõe.

Justina também propõe que o governo corte gastos na própria carne com mais eficiência para superar o desequilíbrio das contas. “Tem que diminuir o tamanho do governo federal, teria que rever postos e cargos comissionados, teria que rever ministérios, teria que fazer um enxugamento grande na máquina federal”, propõe o economista. “Não é só fazer rearranjo, é ver como eficazmente o próximo presidente pode reduzir drasticamente os compromissos financeiros enxugando a máquina federal”, pondera.

Outra medida importante é não esquecer a lição que a Bíblia tem a ensinar. “O governante teria que fazer aquilo que a gente chama de políticas anticíclicas. Quer dizer, em momentos de crescimento o governante gasta menos e faz provisão, de maneira que quando a economia cresce mais lentamente ou entra em um processo de recessão, o governo tenha provisão para manter aqueles gastos que são constitucionais, obrigatórios”, aponta Justina.

Trajetória de crescimento já pode mudar a economia do país

Para Nakabashi, caso as medidas consideradas cruciais para o reequilíbrio das contas públicas sejam tomadas, mesmo que a solução efetiva venha apenas a médio e longo prazo, o fato de o país estar no rumo certo já pode trazer benefícios para a economia.

“A questão das expectativas acaba sendo muito importante. Quando você mostra que a trajetória é boa, as pessoas começam a investir hoje. Quando você tem o mesmo nível de dívida em relação ao PIB, um déficit alto, mas uma trajetória de melhora, isso afeta as expectativas de melhora futura e já afeta investimentos hoje”, sugere o economista.

Para Justina, investimentos do governo federal podem ser um bom indicativo para atrair novos investidores para o país. “A gente investe muito pouco”, diz o economista da PUC-PR. “Na verdade, a gente investe só a sobrinha que tem. Menos de 6% do orçamento federal vai para investimento, vai para porto, ferrovia, rodovia. Na verdade, teria que ser o contrário, porque existe um efeito multiplicador dos gastos governamentais. Quando você faz investimentos em infraestrutura pública você acaba criando um ambiente macroeconômico para também o setor privado fazer seu investimento e gerar produção e emprego. É mais inteligente você aumentar o percentual do orçamento que vai para o investimento público”, diz Justina.

“O que nós precisamos é tornar esse momento atual propício para o investimento, tornar o investidor mais confiante de que ele pode investir e vai ter demanda. Com isso ele emprega mais gente, o que gera mais salário, que gera mais despesas, que gera um círculo virtuoso de crescimento no país. O governo tem um papel preponderante nisso, baixando taxas de juros, estimulando o trabalhador, estimulando as empresas a investirem no país”, corrobora Soares.

[Clique para ampliar] Infográficos Gazeta do Povo
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