4 pontos para decifrar o que Haddad faria como presidente
O PT tentou até o último momento manter a candidatura do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas, conforme até o partido esperava, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) impediu a candidatura com base na Lei da Ficha Limpa. Quem assumiu, então, foi Fernando Haddad. O plano de governo da coligação, no entanto, sofreu somente algumas alterações e só depois do primeiro turno. E o principal discurso do presidenciável é “trazer o Brasil de Lula novamente”.
Haddad é filho de libaneses e nascido em São Paulo. Formou-se em Direito pela Faculdade do Largo São Francisco, da USP e tem especialização em Direito Civil. Mestre em Economia e doutor em Filosofia, filiou-se ao PT em 1983. Foi subsecretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico da capital paulista durante o governo de Marta Suplicy. Ficou no cargo até 2003 quando foi convocado pelo à época ministro de Planejamento e Finanças, Guido Mantega, para ser assessor especial da pasta. Continuou no governo e, em 2004, passou a atuar na pasta da Educação, do ministro Tarso Genro, onde assumiu o cargo de secretário-executivo. Com a saída de Genro para assumir a presidência do PT, Haddad herdou o cargo, no qual ficou até 2012, quando se candidatou à prefeitura de São Paulo e venceu José Serra (PSDB) no segundo turno. Não conseguiu se reeleger em 2016. Mais recentemente, passou a ser o porta-voz de Lula.
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Mesmo após encabeçar a chapa, Haddad insiste em dizer que fará o governo que o ex-presidente Lula gostaria e planejava fazer. A partir desse projeto, que tem estrutura de 62 páginas e é focado em retomar medidas do primeiro governo do ex-presidente petista, elencamos os principais pontos que podem caracterizar o governo Haddad, caso seja o vencedor destas eleições presidenciais.
- Muitas reformas e reformas das reformas
Uma palavra recorrente no plano de governo de Fernando Haddad é “reforma”. Para ser mais exato, ela aparece 70 vezes no programa, sem contar as aparições no sumário. Em várias dessas citações, o que se propõe é a reforma de legislações que foram reformadas pelo governo Temer, como é o caso das leis trabalhistas e do ensino médio.
O plano do PT prevê a revogação por completo da reforma trabalhista, aprovada no fim de 2017. Já para o “novo ensino médio” o programa de governo sugere discussões com vários setores da sociedade civil, pois entende que as mudanças foram feitas de modo autoritário e sem ouvir os principais impactados pelas medidas adotadas.
Na área econômica, é proposta a reforma tributária, que em quase 16 anos de governo o PT não conseguiu fazer andar. Em sua literalidade o projeto diz: “Uma reforma tributária orientada pelos princípios da progressividade, simplicidade, eficiência e da promoção da transição ecológica. Quem vive do seu trabalho e recebe até 5 salários mínimos, por exemplo, ficará isento do pagamento do Imposto de Renda. Em compensação, o ‘andar de cima’, os super-ricos, pagarão mais”.
Outra reforma sugerida é a bancária. Sem dar muitos detalhes de como ela se concretizaria, fala-se em atuar para diminuir os spreads bancários e a alta taxa de juros pagos pela população e pelos produtores rurais. Para o consultor em Economia, professor da pós-graduação da Universidade Tecnológica do Paraná e professor da Escola de Gestão da Fiep, Daniel Poit, embora sejam medidas importantes para e recuperação da economia, não cercam a complexidade que uma reforma bancária exigiria no país. Ele comenta que é primordial que política e setor econômico retomem a conexão e a confiança, abalada pelo cenário político atual: “O governo tem que rever os termos do pagamento da dívida pública para que os bancos tenham confiança em baixar taxas e juros”.
Outro ponto que segundo Poit deve ser revisto no Brasil é a questão do desenvolvimento do setor privado apoiado por bancos públicos. “Países desenvolvidos incentivam que o desenvolvimento do setor privado se dê a partir de bancos privados”, diz. Ele comenta que no Brasil os bancos privados se concentram em trabalhar com financiamentos de curto prazo e juros altos, enquanto os grandes financiamentos, que têm de trabalhar com juros mais baixos para se tornarem viáveis, ficam por conta do Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES.
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Haddad promete uma reforma política centrada na maior participação popular. Uma reforma do Estado, “desprivatizando e combatendo privilégios patrimonialistas ainda presentes em todos os poderes e instituições públicas”. Uma “reforma do sistema de Justiça” com intenção de diminuir privilégios da classe e aumentar o acesso da população de baixa renda. Reforma urbana, reforma agrária, reforma nos Tribunais de Contas, reforma das Instituições, reforma psiquiátrica, reforma das polícias, reforma fiscal verde, entre outras, menos detalhadas.
- Corrupção, autocrítica, Lula preso e Lava Jato: o que está (ou não) no papel
O plano de governo de Haddad não menciona a Lava Jato de forma direta, mas fala de “perseguição a Lula” e diz que o impeachment de Dilma Rousseff foi um “golpe de Estado” de “natureza parlamentar, judicial, empresarial e midiática”. Não é nenhuma novidade, aliás, que o PT critica profundamente a Lava Jato. No Congresso, o partido trabalhou contra a tramitação do projeto das Dez Medidas Contra a Corrupção.
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Além disso, o plano de governo de Haddad fala em fazer uma reforma no Judiciário que contemple um “controle social na administração da Justiça”. A proposta é vista por setores da sociedade como uma tentativa de controlar juízes como Sergio Moro – embora recentemente o próprio Haddad tenha dito que Moro fez um bom trabalho, mas que errou no caso de Lula.
Sobre o processo de indicação do “chefe” da Lava Jato, ou seja, o procurador-geral da República, Haddad assumiu o compromisso de manter o rito atual e nomear um dos três nomes mais votados na eleição interna do órgão para o cargo.
Pela Constituição, a indicação para o cargo de procurador-geral da República é uma prerrogativa do presidente, que não precisa seguir a lista tríplice. Mas a escolha de um desses nomes já era uma tradição no país e o MPF alega que a escolha de alguém que passou pela eleição interna dá mais independência e legitimidade para o procurador-geral.
A possibilidade de indulto presidencial a Lula também não está presente no plano de governo. Embora defendida por diversos setores do PT, a hipótese foi rechaçada por Haddad em diversas entrevistas ao longo da campanha. O candidato tem repetido que o interesse de Lula é defender sua inocência dentro dos processos que responde e que “não quer favores”.
Nos bastidores, a tendência é que a aposta sobre uma possível soltura de Lula fique concentrada no julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) que definirá o alcance da interpretação sobre a prisão de condenados em segunda instância. O tema pode ser pautado a qualquer momento pelo presidente do STF, José Antonio Dias Toffoli.
A relação de Haddad com os crimes cometidos por petistas em um eventual mandato também carece de clareza. Na reta final da campanha, ele modulou a autocrítica, mas não cravou como deve tratar casos de aliados que cometam crimes. “Não existe perdão à corrupção sem que paguem pelo que fizeram, garantido o amplo direito de defesa, sem que haja perseguição política, com base em provas”, disse em entrevista ao programa Conexão Repórter, do SBT.
No Roda Viva, ele restringiu a crítica a pessoas que enriqueceram com o caixa dois. “Certamente, teve pessoas que usaram o financiamento de caixa dois, financiamento ilegal de campanha, para enriquecer. São dois crimes: financiamento de caixa dois e o enriquecimento, que ainda é mais grave. Por isso, tem uma pena maior. Acredito que teve gente que se valeu disso para enriquecer. Sou a favor de punição exemplar dessas pessoas”, declarou. Ambas as entrevistas ocorreram na última semana de campanha.
- Segurança: penas alternativas e ação policial baseada na ‘inteligência’
O plano de governo de Haddad detalha ao menos três pontos de como seria sua gestão na área de segurança pública. O setor é um dos que mais opõem o que ele planeja em relação ao adversário no segundo turno, Jair Bolsonaro.
A principal divergência está no acesso às armas de fogo. O candidato e seu partido são contrários à facilitação do porte. A campanha petista inclusive vem usando, como um de seus slogans de propaganda, a ideia de que é melhor ter cidadãos com livros do que com armas na mão. O plano de governo do candidato do PT prevê o aprimoramento da política de controle de armas e munições como estratégia do plano nacional de redução das taxas de homicídio no país.
O argumento é de que as armas só devem estar nas mãos dos policiais. “Perseguiremos a meta de tirar a arma da mão do criminoso e equipar melhor a polícia, para que o Estado cumpra seu dever de oferecer segurança pública”, diz o plano de governo de Haddad.”
Na questão das prisões, ele diz que “enfrentará o encarceramento em massa, sobretudo o da juventude negra e da periferia, diminuindo a pressão sobre o sistema carcerário, trazendo ganhos globais de economia de recursos [atualmente gastos com as cadeias]”. Por sua vez, isso será feito por meio de “políticas de geração de trabalho e renda para jovens de baixa renda expostos ao ciclo de violência”.
O petista também defende a adoção de uma política de penas alternativas – o que tende a reduzir (ou ao menos não aumentar) a população carcerária. A repressão policial, segundo Haddad, tem de ser focada nos crimes violentos.
O terceiro ponto se refere à forma de atuação do aparato policial. O plano de governo fala que a “autorização ilimitada para o Estado matar” representa “risco de um banho de sangue no país”. “O combate implacável à impunidade e ao crime organizado será feito à base de inteligência e valorização da autoridade policial”, diz o programa de governo petista.
- Relações internacionais: meta é retomar lulismo e mirar América Latina e África
O plano de Haddad é repetir a “fórmula Lula” para as relações internacionais. O atual plano de governo petista classifica a atuação do presidente Michel Temer (MDB) para com a política externa como “passiva e submissa”. Reforça que o país deve voltar a ser “altivo e ativo” nas relações internacionais. “Essa política externa, que traz embutido o risco de celebração de acordos comerciais de ‘nova geração’ com países desenvolvidos, cria obstáculos a que governos nacionais e progressistas pratiquem políticas autônomas de desenvolvimento.”, explana o documento.
Ao nomear José Serra (PSDB) como Ministro das Relações Exteriores, Temer rompeu com a política externa petista que privilegiava contato com países em desenvolvimento e era conivente com governantes ditadores, como Nicolás Maduro, na Venezuela.
A retomada desse ativismo externo pode ser freada pelo novo cenário internacional, o que é previsto pelo próprio projeto: “As mudanças no cenário internacional, especialmente nos EUA sob governo Trump, apontam no sentido de esvaziamento dos organismos multilaterais, menor peso para aspectos normativos e maior ênfase à velha política de poder de ações unilaterais”.
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A proposta petista é fortalecer os laços com os países da América Latina e com países africanos, a fim de apoiar o multilateralismo e soluções de conflitos por meio do diálogo. Essa estratégia rendeu inúmeras críticas à ex-presidente Dilma Rousseff, que propôs que existisse a tentativa de um diálogo com as lideranças do Estado Islâmico, grupo radical terrorista, para cessar os conflitos na região.
Outra forma de enfrentar o poder dos Estados Unidos, sugerido pelo projeto de Haddad, é encorpar as relações com a Rússia, Índia e China. “O Brasil precisa lutar para sediar o Arranjo Contingente de Reservas – ACR (fundo monetário dos BRICS), que está pronto para operar, assim como precisa contribuir para os avanços na formulação e participação no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), que possui potencial para ser um dos maiores bancos de desenvolvimento do mundo”, diz o plano de governo de Haddad. Essa seria a forma de inibir uma polarização ainda maior das decisões globais para a economia.