Seu voto para deputado e senador vai definir os guardiões de R$ 14 trilhões
Rosana Felix
Nos próximos quatro anos, o governo federal vai ter um orçamento global de R$ 14 trilhões, incluindo o refinanciamento da dívida pública. As estimativas do projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) apontam para a possibilidade de receitas totais de R$ 6,8 trilhões, com gastos superiores a isso: R$ 7,1 trilhões.
Para fechar essa equação, não basta uma canetada do presidente da República. É o Congresso que sairá das urnas neste domingo (7) que precisa ajudar a solucionar os problemas econômicos e sociais do Brasil.
Os eleitores vão escolher os 513 deputados para cumprir mandatos de 2019 a 2022 e também 54 senadores, que vão ficar na Casa de 2019 a 2026. Definir o orçamento das várias pastas, referendando ou não as sugestões da presidência, é apenas uma das várias atribuições do Parlamento, mas crucial. Em setembro, por exemplo, os deputados federais ampliaram a renegociação de dívidas rurais que, pelos planos do Planalto, atingiria um número pequeno de agricultores, ao custo de R$ 1,5 bilhão.
Segundo o Ministério da Fazenda, a mudança gera um custo de R$ 5 bilhões – algo que pesa em um cenário de déficit fiscal de R$ 139 bilhões projetados pela Ploa em 2019, o equivalente a 1,84% do Produto Interno Bruto (PIB). O projeto das dívidas rurais ainda depende de votação no Senado, que pode ocorrer nas próximas semanas.
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Os parlamentares têm a prerrogativa legal de defender os interesses dos seus eleitores, mas muitas vezes a atuação é temperada pela adversidade política. Em 2015, após o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), romper com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), ele levou ao plenário uma “pauta-bomba”, com vários projetos com potencial de onerar os cofres públicos e colocar em risco o ajuste fiscal buscado à época.
Sob o comando de Michel Temer (MDB), a maioria dos parlamentares aprovou no fim de 2016 o Teto de Gastos, regime que atrela os gastos públicos à variação da inflação até 2027, indicando uma sintonia entre Executivo e Legislativo. Por outro lado, a tentativa do governo em votar a Reforma da Previdência naufragou – os parlamentares não tiveram coragem de promover grandes mudanças no sistema, temendo principalmente os efeitos eleitorais de votar medidas impopulares.
Esses dois assuntos, aliás, terão de ser enfrentados no início da próxima legislatura, sob pena de colapso das contas públicas – cada vez mais, os recursos estão sendo consumidos pela folha salarial e previdenciária, sem sobras para manutenção dos serviços básicos, muito menos para novos investimentos.
No cenário atual, em poucos anos alguns serviços públicos teriam de ser interrompidos para cumprimento da Lei do Teto: em agosto, reportagem da Gazeta do Povo mostrou que o Tribunal de Contas da União (TCU) estima que em 2024 não haverá dinheiro suficiente para pagar contas básicas de luz, água, telefone e material de escritório. Para o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), alguns órgãos poderiam ser afetados já em 2019.
A carta de conjuntura do Ibre mais recente, de setembro, voltou a reiterar a possibilidade de colapso (shutdown) dos serviços públicos já no ano que vem, já que o teto das despesas discricionárias (gastos básicos para manter a máquina funcionando) é em torno de R$ 102 bilhões.
Mas esse é um cenário impensável, diz o estudo, assinado pelo pesquisador Luiz Guilherme Schymura. “É impensável que o governo simplesmente feche as portas e o país se veja, de um dia para o outro, sem serviços públicos essenciais, em estado de desorganização e caos social”, afirma. Desse modo, conclui ele, a grande missão do próximo governo é conter a expansão dos gastos ou aumentar as receitas – tributando mais: “Todas matérias que necessariamente passam pelas Casas Legislativas”.
Outro assunto urgente são as desonerações tributárias – além do perdão a dívidas rurais, vários outros setores contam com benefícios, sem um controle efetivo da relação custo/benefício que isso gera à economia brasileira. O mais recente Relatório de Gastos Tributários da Secretaria da Receita Federal do Brasil aponta que a renúncia de receitas em 2019 será próxima a R$ 306,7 bilhões – mais do que o dobro do déficit primário projetado em R$ 139 bilhões.
A reforma tributária, aliás, é outro tema a ser enfrentado pelos parlamentares. Durante a campanha eleitoral, muitos candidatos defenderam a necessidade de rever a concentração orçamentária na União – municípios e estados, constitucionalmente responsáveis por muitas das políticas públicas, dependem de repasses federais para executá-las. Um consenso no Congresso garantiria a descentralização.
Deputados e senadores de todos os partidos já se uniram em votações recentes e tiveram conquistas importantes para garantir independência e autonomia em relação ao Planalto. Uma das mais relevantes foi o orçamento impositivo, que garante que 1,2% da Receita Corrente Líquida do ano anterior seja destinado às emendas parlamentares – 50% delas devem ser destinadas, obrigatoriamente, para a saúde. O texto foi aprovado na Câmara em 2014 por 384 votos contra 6; e em 2015 no Senado, por 56 votos a 1.
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Por esses e outros motivos é que as agências de classificação de risco Fitch e Moody’s, em seus relatórios mais recentes sobre o Brasil, divulgados no fim de setembro, elencaram a composição do Congresso como determinante para resolver a questão fiscal.
Segundo a Fitch, a fragmentação legislativa em vários partidos pode criar dificuldades para o próximo presidente. A Moody’s fez uma análise mais pessimista, indicando que, devido à polarização política, o novo governo, seja qual for, vai ter dificuldades para a governabilidade. Isso causaria um círculo negativo fiscal e macroeconômico e elevação da dívida. Por outro lado, em caso de cenário positivo, com relação positiva entre Executivo e Legislativo, haveria possibilidade de aprovação de reformas e “as condições de crédito provavelmente se manteriam fortes, sustentando o investimento em infraestrutura na média histórica, ou levemente acima, de 3% do PIB ao ano”.
Em uma situação de presidência enfraquecida, o Legislativo tem ainda a chance de exercer um grande poder sobre o Poder Executivo. O Brasil já vivenciou duas situações-limite: o impeachment de Fernando Collor, em 1992, e o de Dilma Rousseff, em 2016.
No primeiro caso, a imagem de Collor já vinha se desgastando desde o início do mandato, em 1990, por não ter conseguido combater a inflação e o desemprego, além de ser alvo de várias denúncias de corrupção e favorecimento a empresários amigos. O golpe fatal veio no fim de maio, quando o irmão do ex-presidente, Pedro Collor, revelou à revista Veja um esquema de corrupção liderado pelo tesoureiro Paulo César Farias.
O Congresso agiu rápido: poucos dias depois foi instalada uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para apurar os atos de PC Farias e seu papel no governo federal. No fim de agosto, o relatório é aprovado; no mês seguinte, a Câmara abre o processo de impeachment contra Collor, que é finalizado no fim de dezembro, com o aval de 441 dos 513 deputados.
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O impeachment de Dilma se deu após uma longa queda-de-braço com Eduardo Cunha. Com a popularidade em queda em meio à recessão econômica e o envolvimento do PT nos esquemas de corrupção revelados pela Operação Lava Jato, ela foi alvo de protestos populares a partir de março de 2015.
Dezenas de pedidos de afastamento foram protocolados, mas não avançavam por decisão do presidente da Câmara dos Deputados. Somente em dezembro de 2015 um processo avançou, em uma decisão que pareceu vingança de Cunha: investigado pela Lava Jato, ele se tornou alvo de um processo de cassação no Conselho de Ética da Casa; quando o PT anunciou que os três votos que tinha no colegiado iam apoiar essa investigação, ele revidou, autorizando a abertura do processo contra Dilma.
Nos meses seguintes, negociações de bastidores tentavam apaziguar a situação, indicando que poderia haver sobrevida da presidente, mas fatos envolvendo a tentativa de indicar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, alvo da Lava Jato, para compor o ministério e o grande descontentamento popular levaram 367 deputados a votar a favor do impeachment.
Michel Temer se salvou por pouco de uma investigação no Supremo Tribunal Federal (STF) que, a depender do andamento, também poderia resultar em afastamento. No começo de agosto de 2017, a Câmara rejeitou, em placar apertado (263 a 227), a possibilidade de o STF processar o presidente por corrupção passiva. O voto de confiança veio após a liberação de um grande volume de emendas. Segundo a agência de checagem Lupa, de janeiro ao fim de julho de 2017, foram empenhados R$ 3,1 bilhões em emendas, dos quais R$ 2,34 bilhões (75%) entre junho e julho, período em que o pedido do STF tramitou na Câmara. No fim de agosto, o STF encaminhou nova denúncia, que também foi barrada após negociação por mais verbas e cargos.
Segundo o filósofo José Antônio Moroni, do conselho de gestão do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), cabe também ao Legislativo a fiscalização do Executivo e o agendamento das questões relevantes para a sociedade. Ele lamenta a falta de discussão sobre as eleições legislativas:
“A nossa cultura política é muito baseada no personalismo, o que reproduz uma questão autoritária da nossa sociedade. Como que se elegendo uma pessoa, todos os problemas pudessem ser resolvidos. Quando se olha para o Parlamento, que envolve o debate, a construção de consensos, o personalíssimo fica diluído. E justamente por isso é que não se dá tanta importância a essa escolha, porque na nossa cultura se busca um salvador da pátria, não o coletivo”, observa.
Dentre as ferramentas para fiscalizar o Executivo, deputados e senadores podem contar com o TCU, órgão auxiliar do Congresso. Nesse tribunal, seis dos nove membros são indicados pelo Congresso (outros dois são técnicos do próprio TCU e um é indicado pela presidência da República). No caso específico do Senado, há também outras atribuições que afetam diretamente o Judiciário, o Banco Central e agências reguladoras: após sabatina na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Casa, o plenário aprova ou não as indicações de magistrados que compõem os tribunais superiores, órgãos econômicos de fiscalização e finanças, como o comando do Banco Central; embaixadores; membros do Ministério Público e Defensoria; e agências reguladoras, além do membro do TCU que tiver sido indicado pelo presidente.
De maneira geral, os parlamentares seguem as indicações feitas pelo Executivo, mas em alguns casos podem criar obstáculos ou mesmo impedir nomeações. Isso já ocorreu em 2012, quando uma rebelião de senadores descontentes com o governo de Dilma Rousseff rejeitou, por 36 votos a 31, a recondução de Bernardo Figueiredo para a diretoria-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Em maio de 2015, quando o governo de Dilma já estava em plena crise, seu indicado para uma vaga no STF, Edson Fachin, enfrentou a sabatina mais longa feita pelo Senado. Foram mais de 12 horas de questionamentos na CCJ, para ele ser confirmado pelo plenário por 52 votos a favor e 27 contrários.
Em relação aos temas da agenda pública, há diversas maneiras de os parlamentares atuarem, como a formação de frentes no Congresso para promover o debate e legislar sobre determinado tema de interesse. Há ainda as comissões permanentes, como da Agropecuária, Educação, Cultura, Direitos Humanos, Consumidor, entre outras, que analisam previamente projetos de lei relacionados a esses assuntos e fazem audiências públicas e outras reuniões abertas para debater as propostas.
Subsídio mensal: R$ 33,7 mil.
Cota parlamentar: De R$ 30,7 mil a R$ 45,6 mil, dependendo do estado de origem do parlamentar. Pode ser usada para pagar passagens aéreas, alimentação, telefonia, serviços postais, manutenção de escritórios políticos, contratação de consultorias ou segurança, participação em cursos ou palestras, divulgação da atividade parlamentar, entre outros.
Auxílio-moradia: R$ 4.253,00 mensais, para deputados que não utilizam imóvel funcional.
Outros auxílios: verba de gabinete de até R$ 101,9 mil para contratar até 25 funcionários, dois salários no primeiro e último mês da legislatura como ajuda de custo, ressarcimento de gastos médicos que não forem prestados no Departamento Médico da Câmara, aposentadoria especial, com proventos integrais após 60 anos de idade e 35 anos de exercício de mandato.
Subsídio mensal: R$ 33,7 mil.
Cota parlamentar: O valor total da cota varia de R$ 21 mil (para representantes do Distrito Federal e Goiás) a R$ 44 mil, para senadores do Amazonas. O dinheiro pode ser usado em passagens aéreas, transporte em geral, alimentação, contratação de consultoria, serviços de segurança, material de consumo etc. São considerados o valor fixo de R$ 15 mil mais cinco passagens aéreas de ida e volta para o estado de origem.
Auxílio-moradia: Quem não ocupa um imóvel funcional tem direito a uma verba mensal de R$ 5,5 mil para cobrir despesas com aluguel ou diária de hotel.
Outros auxílios: possibilidade de gastar até R$ 207 mil para pagar até 50 comissionados no seu gabinete; manter escritório político no estado de origem, cotas de correspondência e de revistas e jornais, bem como auxílio-saúde e aposentadoria especial, o mesmo dos deputados, com proventos integrais após 60 anos e 35 anos de mandato.