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Os assuntos importantes que o Brasil não debateu nas eleições

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Renan Barbosa

Desde 31 de agosto, com o início do período eleitoral, abriu-se a oportunidade para candidatos e sociedade civil discutirem as necessidades do Brasil e suas plataformas eleitorais. Assuntos como educação, saúde, segurança pública, geração de empregos e combate à corrupção ganharam pesos diferentes nos programas de governo, nas campanhas da televisão, nas discussões na internet e nos debates entre os candidatos.

Um dos temas que não faltou às discussões públicas nestas eleições foi o da defesa da democracia. Houve reações fortes às propostas que constam do programa de governo do PT de convocar uma assembleia constituinte e regular a mídia e também à declaração do general Hamilton Mourão (PRTB), vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL), sobre uma “comissão de notáveis” elaborar uma nova Constituição para o Brasil.

A discussão parece ter surtido algum efeito no eleitorado. Pesquisa Datafolha* divulgada na quinta-feira (4) mostra que, para 69% dos eleitores, o regime democrático é a melhor forma de governo para o país. O índice é o mais alto desde 1989, quando o instituto começou a fazer essa pergunta. Se é verdade que falta muito conhecimento políticoconfiança aos brasileiros, componentes de uma cultura democrática sadia, o dado revelado pelo Datafolha é positivo, pelo menos nominalmente.

Mas a hora chegou e, neste domingo (7), ocorre o primeiro turno das eleições para a Presidência da República e para os governos estaduais, e serão eleitos senadores, deputados estaduais e federais. Se mesmo os assuntos que mais apareceram nesse período eleitoral talvez não tenham sido discutidos a contento, há outros temas importantes que passaram ao largo de programas, debates, comícios e do horário eleitoral.

Qual a melhor maneira de lidar com o ativismo judicial? Qual o perfil que o Brasil espera de seus ministros do Supremo Tribunal Federal (STF)? Como o Congresso pode responder às tentativas de legalização do aborto com uma agenda propositiva de defesa da vida e da família? De que maneira, concreta, a política externa brasileira pode responder ao ativismo da ONU e à ditadura na Venezuela?

Ativismo judicial e ministros do Supremo

Desde o início dos anos 2000, o Poder Judiciário vem ganhando protagonismo na política e no debate público. É verdade que a Constituição Federal aumentou as competências do Judiciário e do Ministério Público, mas um fator importante nessa equação é o ativismo cada vez maior de juízes, estimulados, antes de tudo, pelo estilo de atuação dos ministros do STF.

Em uma eleição polarizada, o Judiciário botou lenha na fogueira de todos os lados. Na manhã de 8 de julho, um domingo, o desembargador plantonista do TRF-4 Rogério Fravetto, agindo em tabela com os petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira, concedeu uma liminar mandando soltar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro e preso em Curitiba desde abril.

O juiz Sergio Moro soltou então um despacho recomendando que a Polícia Federal esperasse esclarecimentos antes de soltar o ex-presidente e, pouco depois, o relator da Lava Jato no TRF-4, desembargador João Pedro Gebran Neto soltou um despacho contrariando a decisão de Favretto, que se reiterou sua decisão. O vaivém de decisões contraditórias só terminou à noite, com a intervenção do presidente do TRF-4, desembargador Thompson Flores, que decidiu que Lula continuaria preso.

Em 28 de setembro, foi a vez do juiz Eduardo Luiz Rocha Cubas, do Juizado Especial Federal Cível de Formosa, em Goiás, ganhar os holofotes. Rocha Cubas tocava irregularmente um processo que questionava a segurança das urnas eletrônicas e planejava conceder uma liminar às cinco da tarde desta sexta-feira (5) determinando que o Exército recolhesse as urnas em todo o Brasil para uma inspeção. O juiz não digitalizou o processo e procurou se reunir com o Exército para avisar os militares de antemão, mas foi denunciado à Advocacia-Geral da União (AGU). O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) afastou-o preventivamente do processo e vai julgar sua conduta. Em dois vídeos divulgados nas redes sociais, Rocha Cubas aparece ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

O Supremo não ficou atrás. Na mesma sexta-feira (28), o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, autorizou por decisão liminar o ex-presidente Lula a dar entrevista ao jornal Folha de São Paulo e ao jornalista Florestan Fernandes Júnior.

Horas depois, o ministro Luiz Fux, que ocupava a Presidência do tribunal, atendeu a um pedido do partido Novo e suspendeu a decisão de Lewandowski. Na segunda-feira (1º), o ministro reafirmou sua decisão e criticou duramente o colega. A disputa só terminou com a decisão do presidente do Supremo, ministro Dias Toffoli, que determinou o cumprimento da decisão de Fux. Naquele dia, a imprensa noticiou uma discussão acalorada entre Toffoli e Lewandowski em São Paulo.

A guerra de liminares entre os ministros é só uma escalada de um processo mais grave, que alguns especialistas têm chamado de “monocratização” do STF (no jargão jurídico, decisões monocráticas são aquelas em que o juiz decide sozinho): 75% das liminares concedidas por ministros do STF em ações que suspenderam parcial ou totalmente leis, decretos, resoluções e medidas provisórias aguardam julgamento no plenário da Corte. Considerando a totalidade dos processos julgados em 2017, quase 90% das 113,6 mil decisões proferidas pelo tribunal em 2017 foram monocráticas.

A situação já suscita reações no Legislativo: em julho, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 7.104/2017, que proíbe a concessão de liminares monocráticas em Ações Diretas de Constitucionalidade (ADIs) e Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPFs). Nessas ações, como se discute a constitucionalidade de leis e atos normativos em abstrato, uma liminar tem o poder de suspender a eficácia das normas. Já o PL 4.754/16 quer incluir no rol de crimes de responsabilidade dos ministros do STF “usurpar competência do Poder Legislativo ou do Poder Executivo”, sem, no entanto, definir os limites dessas competências.

Os projetos atacam o sintoma e não a causa. O poder de conceder liminares é essencial às atividades dos juízes, que às vezes precisam tomar decisões urgentes diante de situações graves de violação a direitos. Da mesma maneira, criminalizar o ativismo judicial sem ter clareza dos limites de atuação dos juízes pode se tornar um modo de cercear seu poder de ação.

O que tem faltado aos ministros e a muitos juízes são as virtudes da moderação, da autocontenção e da deferência aos poderes Executivo e Legislativo. Por isso, seria muito importante que os candidatos à Presidência tivessem ao menos discutido a questão e até tivessem sinalizado que indicarão para o STF ministros que mostram essas virtudes em sua atuação pregressa ou que se comprometessem com elas. Uma alternativa institucional seria não proibir as liminares, mas prever em lei um prazo para que ela seja analisada pelo plenário, sem o que seus efeitos caducariam.

Embora a escolha do presidente seja determinante – e não só para o STF, mas para os demais tribunais superiores –, o Senado também tem um papel importante ao ratificar os nomes indicados para o tribunal. Da mesma maneira, os governadores dos estados desempenham essa função ao escolher os nomes dos juízes que terão acesso aos Tribunais de Justiça por meio do Quinto Constitucional.

Entenda melhor: Democracia aprofundada, com uma política moralmente exemplar

Defesa da vida

Foi a postura ativista do ministro Roberto Barroso, do Supremo, que lhe permitiu exceder seu poder de julgamento e declarar inconstitucional a criminalização do aborto até a 12ª semana de gestação no julgamento de um recurso contra a prisão de uma equipe que era acusada de fazer abortos clandestinos. Poucos meses depois, o PSOL citou a decisão da segunda turma, que por 3 votos a 2 concordou com Barroso, como “precedente” na ADPF 442, que pede a descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação.

A ADPF 442 reforçou a importância de uma agenda ampla de defesa da vida e da família no Brasil. Depois de seguidas derrotas no Congresso, ativistas pró-aborto tentam sua cartada final no STF. Os setores que defendem a vida tem se organizado para responder ao desafio e dar um passo além, ao reconhecer que muitas mulheres enfrentam gravidezes em situação de crises e que precisam de apoio.

Leia também: Por que o Brasil não deve legalizar o aborto

Um exemplo dessa mobilização é a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 181/2016 e o PL 478/2007, chamado Estatuto do Nascituro. A PEC 181, de autoria do senador Aécio Neves (PSDB-MG) surgiu para estender a licença-maternidade para o período em que bebês nascidos prematuramente ficarem no hospital. Durante a tramitação, a partir da afinidade temática, o relator da PEC, senador Jorge Mudalen (DEM-SP), acrescentou ao texto uma modificação do artigo 5º da Constituição Federal, tornando explícita a proteção da vida “desde a concepção”.

Já o Estatuto do Nascituro, sob a relatoria do deputado Diego Garcia (Pode-PR) na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, prevê que “desde a concepção são reconhecidos todos os direitos do nascituro, em especial o direito à vida, à saúde, ao desenvolvimento e à integridade física e os demais direitos da personalidade”.

O Estatuto do Nascituro também propõe que “o nascituro deve ser destinatário de políticas sociais que permitam seu desenvolvimento sadio e harmonioso e o seu nascimento, em condições dignas de existência” e deve ter garantido seu seu atendimento no Sistema Único de Saúde (SUS).

O projeto também garante maior proteção às mulheres que, mesmo grávidas em decorrência de violência sexual, façam a opção de não abortar, garantindo assistência pré-natal e acompanhamento psicológico da mãe e explicitando o direito de encaminhamento à adoção, se a genitora assim o desejar. O Estatuto também responsabiliza o agressor sexual com o pagamento de pensão e, até que haja a identificação ou a criança encaminhada à adoção, a pensão será paga pelo Estado.

Embora as propostas avancem na defesa da vida, elas ainda são tímidas se comparadas aos projetos que tramitam, por exemplo, no Congresso da Argentina, outro país que, recentemente, discutiu e rejeitou a legalização do aborto. A pouca discussão que houve nesse campo não contribuiu para que os eleitores tenham a dimensão do problema, nem que os candidatos ao Legislativo apresentem com clareza suas posições.

Da mesma forma, na discussão entre os candidatos à Presidência, nenhum teve a oportunidade de demonstrar estar consciente das estratégias do movimento pró-aborto, que não se limitam ao Congresso e ao STF, nem de se comprometer a indicar ministros do Supremo que tenham posições pró-vida.

Defesa da família

Embora o candidato Jair Bolsonaro (PSL) tenha manifestado oposição à ideologia de gênero, sua ausência nos debates depois do atentado contra sua vida, em 6 de setembro, impediu uma discussão mais ampla sobre o assunto. O tema ficou polarizado, em correntes de aplicativos de mensagens e redes sociais, entre os setores que recorrem a notícias falsas e alarmistas sobre o “kit gay” – o que não torna menos grave a proposta real – e os setores que negam a existência da agenda de gênero.

Ideologia de gênero é um conjunto de teorias que tentam separar o que se chama de “identidade de gênero” do sexo biológico dos indivíduos. Segundo o caderno de propostas da 3ª Conferência Nacional de Políticas Públicas de Direitos Humanos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais, ocorrida entre 24 e 27 de abril de 2016, em Brasília, identidade de gênero seria “uma experiência interna e individual do gênero de cada pessoa, que pode ou não corresponder ao sexo atribuído no nascimento, incluindo o senso pessoal do corpo (que pode envolver, por livre escolha, modificação da aparência ou função corporal por meios médicos, cirúrgicos e outros)”.

Segundo o mesmo documento, a teoria queer “propõe a desconstrução das identidades sexuais via discurso”. Em novembro de 2017, a Gazeta do Povo ?publicou, com exclusividade em língua portuguesa, o mais importante estudo sobre ideologia de gênero na medicina: “Disforia de gênero, condições médicas e protocolos de tratamento”, de Michelle Cretella, médica e presidente do American College of Pediatricians (ACPeds). O estudo aponta para os perigos de mudanças bruscas na compreensão médica sobre o fenômeno da disforia de gênero sem pesquisas sólidas que as recomendem.

De acordo com o filósofo Ryan Anderson, autor de um livro sobre o tema, “no centro da ideologia está a radical afirmação de que sensações determinam a realidade. A partir dessa ideia surgem demandas extremas para a sociedade lidar com afirmações subjetivas da realidade”.

Um bom exemplo da articulação da agenda de gênero por setores radicais da militância LGTB é o PLS 134/2018, conhecido como Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero, e que aguarda relatório do senador Ataídes Oliveira (PSDB-GO) na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa. Com o proclamado objetivo de promover a “inclusão de todos, combater e criminalizar a discriminação e a intolerância por orientação sexual ou identidade de gênero”, o Estatuto oferece ameaças graves à liberdade de expressão, de discussão de ideias e religiosa, e ameaça enfraquecer o poder familiar.

A falta de uma discussão mais detida sobre esses pontos não só impede que candidatos e a sociedade civil se articulem com mais eficiência contra minorias organizadas, como priva o país de propostas de políticas públicas e ações que fortaleçam a família, que é a base da sociedade.

Em um país que tem entre 23 e 45 milhões de pessoas em situação de pobreza, a depender da metodologia adotada na conta, ações multissetoriais voltadas, por exemplo, para primeira infância (0 a 6 anos), são cruciais para apoiar as famílias e melhorar a qualidade da educação. O desafio, nessa área, é garantir esse apoio trabalhando harmonicamente com as famílias, sem invadir sua esfera de autonomia, mas quase nada foi discutido no período eleitoral.

Entenda melhor: Respeitar a família e defender a vida em todas as suas fases

Política Externa

A agenda da defesa da vida e da família também convidaria a uma discussão mais aprofundada sobre a política externa brasileira. O aborto não é legalizado em nenhum país do mundo sem a atuação de uma extensa rede de burocratas e de instituições internacionais – International Planned Parenthood Federation, Instituto Marie Stopes, Fundações Guttmacher, Ford e MacArthur – que fornecem financiamento para seus parceiros nacionais, o vocabulário padrão, e um corpo de pesquisas controverso.

A nova política “Protegendo a Vida na Assistência de Saúde Global” (PLGHA), que o governo dos Estados Unidos vem implementando desde janeiro de 2017, criou uma nova oportunidade se abre para os defensores da vida. A PLGHA estendeu para outras agências federais do país a “Política da Cidade do México”, que proíbe a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) de financiar organizações que façam ou defendam abortos. Haveria espaço para que o Brasil participasse de uma concertação internacional a favor da vida.

Leia mais: Só uma coalizão de países pode impedir um direito internacional ao aborto

Da mesma maneira, politizando a agenda de Direitos Humanos, ativistas radicais têm apoiado nas Nações Unidas uma agenda muito similar à proposta pelo Estatuto da Diversidade Sexual e de Gênero. O presidente da República tem um papel crucial na determinação da política externa brasileira, que há tempo demais vem apoiando as agendas ambíguas de saúde sexual e reprodutiva e de gênero no cenário internacional. Como o governo dos Estados Unidos também está atento à agenda da ideologia de gênero, haveria espaço para uma articulação mais eficiente no cenário internacional.

Outra questão grave que domina os noticiários, mas que despertou poucas propostas concretas, é a ditadura venezuelana, que passa por uma crise econômica sem precedentes. Em razão disso, o país passa também por uma crise humanitária que já transborda as fronteiras brasileiras: estima-se que haja cerca de 40 mil venezuelanos vivendo em Roraima.

Embora os principais parceiros internacionais da Venezuela sejam Rússia e China, não se pode negar que o Brasil desempenhou um papel importante, como ator regional, em apoio ao chavismo. Os governos do ex-presidente Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT) sempre manifestaram apoio ao país vizinho, mesmo quando o país já dava mostras de autoritarismo, e o PT apoia o regime ditatorial até hoje. Além disso, o saldo devedor do país ao BNDES é de cerca de US$ 400 milhões – ou cerca de R$ 1,6 bilhão.

No final de setembro, Colômbia, Argentina, Chile, Paraguai, Peru e Canadá protocolaram uma denúncia inédita no Tribunal Penal Internacional (TPI) pedindo a investigação de crimes contra a humanidade ocorridos na Venezuela desde 2014. O Brasil não assinou a denúncia, mas faz parte do Grupo de Lima, formado por outros 13 países da América e que busca uma solução pacífica para a crise na Venezuela.

O agrupamento de países rejeita uma intervenção militar sobre Caracas, o que tem sido aventado por algumas lideranças, como Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), Luís Almagro. Com os interesses de China e Rússia na mesa, diminuem as chances de uma concertação internacional eficaz pela ONU.

Metodologia da pesquisa citada

*O Datafolha ouviu 10.930 eleitores em 389 cidades do país na quarta e nesta quinta (4). A margem de erro do levantamento, contratado pela Folha de S.Paulo e pela TV Globo, é de dois pontos percentuais para mais ou menos. A pesquisa está registrada no TSE sob o número BR- 02581/2018. O nível de confiança é de 95%.

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