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Respeitar a família e defender a vida em todas as fases

O respeito à dignidade humana e à família são valores que devem ser respeitados

Dentre todas as formas de associação que contribuem para o florescimento dos seres humanos, uma se destaca como fundamental: a família. A Declaração Mundial sobre a Família reconhece isso ao reafirmar “a sabedoria de outrora de que o mundo não pode ser colocado em ordem sem primeiro colocar em ordem a família”. Famílias fortes levam a sociedades fortes. Qualquer debate eleitoral sério e compromissado com o futuro do país tem de reconhecer que o núcleo familiar é a pedra fundamental da formação ética dos indivíduos, da busca pelo bem comum e no fortalecimento da própria democracia.

Essa “sabedoria de outrora” não é mera intuição ou moralismo desprovido de evidências: ela é confirmada pelas ciências sociais. Se há algo de que poucos pesquisadores discordam, de todos os lados de um espaço público tantas vezes polarizado, é que famílias desestruturadas não só têm impacto direto no bem-estar de crianças e adolescentes, mas perpetuam ciclos de pobreza, fomentam a criminalidade e minam a capacidade de autoafirmação dos seres humanos.

Em 2011, por exemplo, um grupo destacado de pesquisadores de diversas universidades de ponta lançou o relatório “Why Marriage Matters” [Por que o casamento importa], que resume em 30 tópicos o estado da arte da pesquisa científica sobre as famílias, a fim de orientar lideranças políticas e comunitárias. Os autores são cautelosos ao diferenciar o que se sabe sobre correlação, causalidade e efeitos de seleção, mas destacam que as metodologias de pesquisas estão cada vez mais rigorosas e suas conclusões apontam para a importância insofismável da família em uma série de campos.

Estudos como esses são mais que necessários, pois a família é o primeiro ambiente em que as crianças terão a possibilidade de aprender as qualidades necessárias para uma vida ética. Seu poder é tão grande que as mazelas que a afligem têm um impacto enorme e profundo. Lideranças políticas, civis e comunitárias devem estar atentas a este tema para pensar em ações que valorizem a autonomia e o poder familiar. Entre os destaques do relatório, vale mencionar:

  • A família intacta, biológica e com base no casamento é o melhor arranjo familiar para o florescimento econômico, social e psicológico das crianças;
  • O casamento é um bem social relacionado a benefícios econômicos, educacionais, à saúde e à segurança pública que ajuda as autoridades públicas a servir o bem comum;
  • Os benefícios do casamento se estendem inclusive às famílias pobres e às minorias sociais.

Em 2014, o estudo referência “Where is the Land of Opportunity? The Geography of Intergenerational Mobility in the United States” [Onde fica a terra da oportunidade? A geografia da mobilidade intergeracional nos Estados Unidos], levado a cabo por pesquisadores das universidades de Harvard e de Berkeley, tentou mensurar os principais fatores para a mobilidade social nos Estados Unidos. Embora os autores façam várias ressalvas quanto ao grau de importância de cada indicador – segregação espacial, desigualdade econômica, qualidade da educação, capital social e estrutura familiar – para determinar a mobilidade social, eles afirmam que “o fator preditivo mais forte e robusto é a fração de crianças com pais solteiros”.

Os pesquisadores também ressaltam que a estrutura familiar se correlaciona com a ascensão social não só no nível individual, mas também comunitário. Filhos de pais casados alcançam melhores resultados em comunidades que têm menos pais solteiros, o que pode ser um indicativo da influência que os ambientes sociais e culturais têm sobre os seres humanos e as famílias. Não há sociedade saudável sem famílias fortes – mas é tanto mais difícil haver famílias fortes quanto mais permissiva é uma sociedade.

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Esse é um ponto importante, porque o valor da família não se resume a uma dimensão utilitária da vida humana. O cientista político Scott Yenor, autor do livro Family Politics: The Idea of Marriage in Modern Political Thought [Política da família: a ideia de casamento no pensamento político moderno], tem devotado bastante energia para explicar o papel da família na criação de indivíduos virtuosos e no funcionamento de uma sociedades e comunidades políticas saudáveis:

  • O casamento responde ao desafio das paixões humanas, ajudando a domá-las, fomentando o autocontrole, a responsabilidade individual e o senso de longo prazo, requisitos do autogoverno democrático;
  • A família prepara as crianças e os adolescentes para uma vida adulta responsável, por meio da supervisão, correção e modelagem de seus afetos e caráter;
  • A família cria um espaço de responsabilidades e sentimentos compartilhados, fornecendo um modelo para outras formas de associações intermediárias entre os indivíduos e o Estado, limitando naturalmente seu poder.

Proteção jurídica

Indivíduos e sociedades políticas saudáveis dependem de tal ponto da célula familiar que a ela foi dada proteção jurídica no direito internacional e em Constituições de diversos países das mais variadas culturas, inclusive a brasileira.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948, prevê que “A família é o elemento natural e fundamental da sociedade e tem direito à proteção desta e do Estado”, reconhecendo o direito de casar-se e fundar uma família como anterior ao próprio Estado. Essa previsão é repetida pelo Pacto sobre Direitos Civis e Políticos e pelo Pacto sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966, e dos quais o Brasil é parte desde 1992.

A Constituição brasileira também é clara quando afirma, em seu artigo 226, que “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado” e quando sinaliza, em seu artigo 227, o que diferencia os arranjos familiares de outras formas de associações, a saber, a proteção e criação das crianças:

“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.

A ordem família-sociedade-Estado não é aleatória: a responsabilidade primária pela educação moral e pelo bem-estar das crianças é das famílias. É o que prevê, por exemplo, o artigo 12.4 da Convenção Americana de Direitos Humanos, da qual o Brasil também é signatário: “Os pais, e quando for o caso os tutores, têm direito a que seus filhos ou pupilos recebam a educação religiosa e moral que esteja acorde com suas próprias convicções”.

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Sociedade e Estado têm responsabilidade subsidiária nesse campo e sua atuação deve sempre ter como objetivo precípuo garantir as condições para que as famílias cumpram seu papel natural. Mesmo políticas para a primeira infância só dão os resultados esperados quando contam a adesão voluntária dos pais. Da mesma forma, de acordo com as previsões do direito internacional, as agências da Organização das Nações Unidas (ONU) devem auxiliar os Estados membros a cumprir suas obrigações em relação à família natural.

Qualquer atuação que contrarie este escopo deve ser rechaçada e combatida pela diplomacia brasileira como contrária ao direito internacional e uma traição aos ideais fundadores da própria ONU.

Defesa da vida

Na mesma moldura de valorização da família insere-se a defesa da vida desde a concepção, que é uma decorrência direta do valor inestimável da dignidade humana – que não é dada nem retirada por ninguém. A absoluta prioridade na proteção de crianças e adolescentes deve, portanto, abranger todas elas, inclusive as que ainda não nasceram. É isso que a Constituição brasileira quer dizer em seu artigo 5º quando garante a “inviolabilidade do direito à vida”, enfatizando que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”.

Por isso, desde logo é preciso rechaçar o pedido da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que tenta legalizar o aborto até a 12ª semana de gestação no Supremo Tribunal Federal (STF). O pleito contraria a Constituição brasileira, mobiliza uma noção equivocada de personalidade, estranha à tradição jurídica brasileira, e não encontra guarida nos precedentes da corte.

Neste período eleitoral, deve-se exigir dos candidatos à Presidência a indicação de ministros do STF que rejeitem o ativismo judicial e se comprometam com a defesa da vida desde a concepção. O papel dos futuros congressistas também será fundamental, não só para continuar rejeitando a legalização do aborto, de acordo com a opinião da maioria da população brasileira, mas para avançar em ações pró-vida.

Ninguém pretende negar que há mulheres grávidas em situação de vulnerabilidade – e a opção pelo aborto, na experiência de quem lida com o tema, quase sempre decorre de uma falta de opção, não de uma decisão realmente livre. Não por acaso, a Declaração Universal dos Direitos Humanos reconhece, em seu artigo 25.2, que “A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais” (UDHR, 25.2). Por isso, é preciso apoiar a iniciativa da criação de um Estatuto do Nascituro, que aponta nessa direção.

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Outra proposta com objetivo de consolidar a defesa da vida tramita na Câmara dos Deputados. A PEC 181/15, cujo objetivo inicial era estender a licença-maternidade para as mães de bebês prematuros, inclui a expressão “desde a concepção” em dois artigos da Constituição: o 1.º, que em seu inciso III menciona “a dignidade da pessoa humana” entre os fundamentos da República Federativa do Brasil; e o caput do artigo 5.º, que, entre outras coisas, garante aos brasileiros e estrangeiros residentes no país “a inviolabilidade do direito à vida”. A mudança, se aprovada, irá proteger em definitivo o nascituro das tentativas da legalização do aborto no Brasil.

É de se destacar, porém, que as raízes do ativismo pró-aborto, além das convicções profundamente equivocadas de quem defende a prática, estão fora do Brasil e apontam para a necessidade de uma ação internacional coordenada para frear essa militância em organismos internacionais. A diplomacia brasileira não pode mais ficar de fora dos esforços pró-vida – que dirá contrariá-los.

Brasil sem Aborto: Mundo sem Aborto

Sem sucesso em aprovar a legalização do aborto no Congresso Nacional, apesar das inúmeras tentativas, seus apoiadores agora argumentam perante o STF que a criminalização do aborto viola, entre outros, os “direitos sexuais e reprodutivos” das mulheres, muito embora essas palavras não estejam escritas na Constituição. O processo de criação desses “direitos” e suas tensões são descritos em detalhes no texto fundamental “Lost in Translation: the Failure of the International Reproductive Rights Norm”, de Susan Yoshihara, diretora do Center for Family & Human Rights (C-Fam), um instituto de pesquisa que monitora e intervém em debates na ONU e outros organismos internacionais.

A compreensão do cenário internacional é imprescindível. O aborto não é legalizado em nenhum país do mundo sem a atuação de uma extensa rede de burocratas e de instituições internacionais – International Planned Parenthood Federation, Instituto Marie Stopes, Fundações Guttmacher, Ford e MacArthur – que fornecem financiamento para seus parceiros nacionais, o vocabulário padrão, e um corpo de pesquisas – extremamente controverso – para fazer avançar nos países uma agenda nociva à vida.

A estratégia tem duas frentes: a normativa e a política. A primeira consiste na tentativa de disseminar em documentos oficiais e tratados a linguagem da “saúde sexual e reprodutiva” – um termo genérico e de conteúdo indeterminado, que muitos argumentam incluir um “direito ao aborto”. A estratégia, batizada de “Direitos Furtivos”, é descrita detalhadamente em um relatório escrito por Yoshihara e Douglas Sylva, cientista político e pesquisador do C-Fam. A diplomacia brasileira nunca fez ressalvas ao termo, a exemplo de outras nações, mesmo quando teve oportunidade.

A agenda da “saúde sexual e reprodutiva” debutou na arena internacional na Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1972, ligada a iniciativas de planejamento familiar, em um momento em que o controle populacional era uma grande preocupação internacional, e esteve no centro das discussões na Conferência do Cairo, em 1994. Nessa ocasião, os grupos pró-aborto não conseguiram criar um direito internacional ao aborto, e desde então vêm logrando sua inclusão informal nas práticas de saúde reprodutiva que têm tentado inserir em planos executivos e em normas dos estados nacionais – muito embora o próprio consenso estabelecido em 1994 exclua, em regra, o aborto dessa seara.

Um exemplo disso são os relatórios do Comitê de Acompanhamento da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, tratado de 1979 do qual o Brasil é parte desde 1984. A norma internacional não faz menção alguma ao aborto, mas os especialistas que compõem o Comitê, muitas vezes amparados na noção de saúde sexual e reprodutiva, entendem que a criminalização do aborto é uma forma de discriminação das mulheres e recomendam a legalização da prática a cada relatório que escrevem sobre os países monitorados. Em 2006, a Suprema Corte da Colômbia derrubou a proibição do aborto no país citando justamente as recomendações da ONU em relação ao cumprimento do tratado.

Já a estratégia política consiste em interpretar o termo “saúde sexual e reprodutiva” como exigindo o acesso à contracepção, de modo a criar uma demanda que justifique a ação de organizações em países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, algo bem descrito pelos trabalhos recentes da pesquisadora Rebecca Oas sobre a “necessidade não atendida de contracepção”. Sob o guarda-chuva do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), muitas dessas organizações, que têm entre seus objetivos garantir a legalização e o acesso ao aborto, conseguem financiamento para agir nesses países e criar capital cultural e social para o fomento de suas agendas, quase sempre amenizadas diante do grande público.

Com a política “Protegendo a Vida na Assistência de Saúde Global” (PLGHA), formulada pelo governo dos Estados Unidos em janeiro de 2017, uma nova oportunidade se abre para os defensores da vida. A PLGHA estendeu para outras agências federais do país a “Política da Cidade do México”, que proíbe a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) de financiar organizações que façam ou defendam abortos. Um relatório avaliando os primeiros seis meses da nova política mostrou que a maioria das organizações que recebem verba dos Estados Unidos ao redor do mundo aceitou os novos termos da PLGHA.

É preciso aproveitar o momento e fomentar uma iniciativa multilateral que diminua o apoio financeiro a organizações pró-aborto, canalizando-o para a rede de apoio de mulheres que faz uma distinção clara entre saúde materna e aborto. O próximo presidente da República deve atender a este anseio da maioria da população brasileira e empenhar a diplomacia brasileira – que há tempo demais vem apoiando a agenda ambígua de “saúde sexual e reprodutiva” – em uma iniciativa internacional pró-vida. A diplomacia brasileira também deveria unir esforços às nações que lutam para que o aborto permaneça expressamente excluído das normas internacionais e também para que seja extirpado do rol de políticas de saúde sexual e reprodutiva de agências e documentos das Nações Unidas.