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Formar cidadãos éticos para um mundo em transformação

A educação merece mais atenção como instrumento de desenvolvimento

Parte imprescindível da discussão eleitoral passa pela educação. Qualquer modelo educacional tem de fornecer os instrumentos técnicos para que os cidadãos respondam às demandas econômicas e práticas da vida em sociedade, mas precisa preocupar-se também com a dimensão ética da vida humana. Um ser humano bem educado é aquele com habilidades cognitivas e não cognitivas ou socioemocionais altamente desenvolvidas.

Em um mundo em permanente transformação acelerada, essas duas facetas se imbricam cada vez mais, já que se espera dos indivíduos mais flexibilidade e capacidade de responder a novas demandas e isso só pode ser feito de modo apropriado por seres humanos tanto tecnicamente capacitados quanto eticamente responsáveis. Por isso, não há verdadeiro capital humano fora de uma moldura ética robusta. A atual fronteira da discussão na educação mundial está em como incorporar essa constatação aos modelos educacionais.

“Diante de tamanhos desafios, não se pode esperar que o Estado consiga sozinho resolver todos os problemas crônicos da educação brasileira e ainda preparar o país para os desafios do século 21.”

O horizonte de demandas é a Quarta Revolução Industrial, um processo que está fundindo progressivamente elementos físicos, biológicos e digitais da realidade. Em poucos anos, inteligência artificial, internet das coisas, impressão 3D e computação quântica serão realidades cotidianas. As transformações que disso virão para o mundo do trabalho, para as relações sociais e para os modelos educacionais ainda nem podem ser descritas adequadamente. Grandes poderes virão com grandes responsabilidades.

Uma agenda para o século 21

Um relatório do Fórum Econômico Mundial de 2016 destacou que 65% das crianças que hoje estudam no Ensino Fundamental trabalharão em empregos que ainda não existem. Um estudo da consultoria McKinsey de janeiro do ano passado prevê que, embora no curto prazo não haja um risco de extinção de empregos, 45% das atividades hoje desempenhadas pela população economicamente ativa poderão ser automatizadas em 2055. Economistas divergem sobre as consequências do impacto da automatização e da inteligência artificial sobre a demanda por trabalho, os salários e a desigualdade.

Seja como for, na medida em que há consenso entre os pesquisadores de que as atividades mais sensíveis à automatização são aquelas que demandam menor escolaridade e especialização, os trabalhadores brasileiros estão particularmente vulneráveis. A escolaridade também é crucial para a absorção tecnológica. Desde 1992, a média de anos de estudo do brasileiro cresceu de 6,4 anos para 10,2 anos, aproximando-se dos países mais desenvolvidos. Essa expansão, no entanto, não se reverteu em incremento na qualidade.

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O Brasil se sai mal quando colocado em perspectiva. A produtividade brasileira está estagnada desde pelo menos 1994 e em queda relativamente às economias ricas. Embora fatores como ambiente de negócios e protecionismo comercial ajudem a explicar esse atraso relativo, a má qualidade da educação brasileira é central nesse estado de coisas.

No quesito preparação para o futuro, o Brasil também vai mal quando comparado ao resto do mundo. No último The Global Information Technology Report (GITR), relatório do Fórum Econômico Mundial e a da Universidade de Cornell que mede a capacidade de os países alavancarem Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) para aumentar a competitividade e o bem-estar social, o Brasil foi colocado na 72ª posição entre 139 países, atrás de Arábia Saudita, Azerbaijão, Uruguai e Chile, o primeiro colocado da América Latina, na 38ª posição.

A posição final de um país no GITR é dada por uma série de notas em índices parciais, compostos de 10 pilares que se assentam na avaliação de 53 indicadores. O Brasil está especialmente mal nos ambientes regulatório, político e de inovação, na eficiência do governo e na educação. Estamos na 131ª posição em qualidade do sistema educacional, na 133ª em ciências e matemática e na 66ª em taxa de alfabetização de adultos. Dos dez primeiros colocados do Índice, cinco – Singapura, Finlândia, Noruega, Suíça e Japão – se destacam entre os dez primeiros colocados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês).

Os países ricos estão preocupados com o futuro. Em 2015, o Pisa mediu pela primeira vez a capacidade de colaboração entre os estudantes, uma habilidade fundamental nas sociedades modernas que depende tanto de expertise quanto de confiança mútua e uma moldura ética robusta. O Brasil ficou na 64ª posição entre os 70 países avaliados.

Em 2018, o programa vai medir pela primeira vez a competência global dos estudantes. Esse novo pacote de habilidades, conhecimentos, valores e atitudes é descrito como necessário para responder aos desafios do multiculturalismo, do mercado de trabalho global, das novas plataformas de mídias e do desenvolvimento sustentável de longo prazo.

Correndo atrás do prejuízo

De muitas maneiras, o Brasil ainda precisa acertar o passo com desafios do século 20. O último Índice de Analfabetismo Funcional (Inaf), do Instituto Paula Montenegro e da ONG Ação Educativa, publicado em 2016, mostrou que 27% da população brasileira entre 15 e 64 anos são de analfabetos funcionais.

Entre os alfabetizados funcionalmente, apenas 8% foram classificados como proficientes, ou seja, aqueles plenamente capacitados a interpretar textos e resolver problemas envolvendo múltiplas etapas, operações e informações. Mesmo entre aqueles que possuem nível superior, embora só 4% sejam analfabetos funcionais, apenas 22% são proficientes.

No ano passado, uma equipe liderada pelo economista Ricardo Pares de Barros calculou os custos sociais dos cerca de um quarto de jovens que abandonam os estudos a cada ano. Em 2017, 27% dos jovens entre 15 e 17 anos não concluiriam uma série escolar, 15% por sequer se matricularem, 7% por terem abandonado a escola e 5% por repetência. Isso gera um custo estimado em R$ 130 bilhões ao ano em perda de renda potencial, em saúde e em violência e criminalidade. No ritmo atual, levaremos cerca de 200 anos para colocar todos os jovens na escola.

O estudo detalha também as razões do abandono e evasão escolar, um problema crônico do Ensino Médio. A Educação Básica para estudantes entre 6 e 14 anos, por sua vez, está praticamente universalizada, embora a evasão e o abandono não sejam desprezíveis nos anos finais do Fundamental.

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Desde 1995, nossos alunos, exceto pelos anos iniciais do Ensino Fundamental, estão estagnados nos resultados Saeb e na Prova Brasil. Quando se olha para o quadro geral, os resultados também desanimam. O Brasil foi um dos piores países do mundo nos resultados do último Pisa, em 2015. A prova é aplicada a cada três anos. Entre 70 nações avaliadas, 35 da OCDE e 35 parceiras, ficamos na 63ª posição em ciências, na 59ª em leitura e na 66ª colocação em matemática, o pior resultado da América Latina. A nota do país está bem atrás da média da OCDE e mesmo da América Latina. As escolas particulares brasileiras estão bem próximas da média da OCDE, mas 85% das matrículas do Ensino Básico concentram-se na rede estatal.

Em novembro do ano passado, o relatório “Um Ajuste Justo”, do Banco Mundial, enfatizou o aumento de gastos na educação brasileira. Em 2010, o Brasil ultrapassou a OCDE em gastos públicos na educação em porcentagem do PIB. Em 2013, o país gastava 6% do PIB na área – 4.9% na Educação Básica e 1.1% na Educação Superior. A OCDE gastava 5.5%, os Brics, 5.3% e a América Latina, 4.7%. Por outro lado, o último relatório do Pisa, de 2015, reconhece como positivo o fato de o Brasil ter expandido o acesso à educação sem derrubar o desempenho médio na prova desde 2000 e destaca justamente que o desafio do país é converter os investimentos em educação em melhoria da qualidade.

Isso porque, ainda que a média do gasto acumulado por aluno no Brasil tenha aumentado nos últimos anos e seja de apenas 42% da dos países da OCDE, o relatório alerta que “outros países, como a Colômbia, o México e o Uruguai obtiveram resultados melhores em 2015 em comparação ao Brasil muito embora tenham um custo médio por aluno inferior”. Em um cenário de responsabilidade fiscal que esperamos não ser mais abandonado, o mais urgente é aumentar a eficiência do investimento.

O primeiro desafio do Brasil, no tocante às políticas educacionais, é incorporar uma cultura de pesquisa, medição periódica de resultados e planejamento. Uma vez que se alcance consenso sobre o sucesso de uma determinada ação, deixá-la a salvo das trocas de comando nos Executivos municipais, estaduais e federais. Isso não significa que um novo governo não possa mudar rumos se tiver boas razões para isso, mas há boas pistas de que a descontinuidade entre gestões é um fator problemático na política educacional.

A mais recente é um estudo de Diana Moreira, Laura Trucco e Mitra Akhtari, de 2018, que mostra, usando dados da Prova Brasil, como a troca de diretores de escola municipais de cidades onde houve troca de partido tem um impacto negativo significativo sobre o desempenho dos alunos, o que não se verifica nas escolas estaduais das mesmas localidades. O efeito é ainda mais agudo em cidades da renda baixa. Na prática, cada programa ou política abandonada sem a mensuração de sua eficiência é dinheiro jogado fora.

 

Investir mais cedo

Está bem estabelecido na literatura econômica que o investimento de maior retorno em educação é o feito na primeira infância, do nascimento aos seis anos de idade. De fato, os trabalhos do Nobel de Economia James Heckman mostram que fazemos bem em focar ainda antes, no período pré-natal. O que pode a princípio parecer contraintuitivo justifica-se porque esse período vida humana é o mais determinante na formação cognitiva. É o ponto ótimo do investimento em educação.

As políticas direcionadas para essa fase tem ainda um papel determinante em corrigir desigualdades, na medida em que se sabe que, quanto mais educados os pais, mais educados tendem a ser os filhos. O acesso universal à saúde pré-natal, creches e pré-escolas de qualidade por parte dos mais pobres resulta em um ganho incremental para toda a sociedade: reduzindo índices de criminalidade e gastos totais com saúde. É o que se chama de efeito transbordamento do investimento em educação.

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O Nobel sempre lembra o Programa da Pré-Escola Perry, levado a cabo nos Estados Unidos na década de 1960, para ilustrar o que os dados mostram. Crianças negras pobres tiveram a um programa especial na pré-escola e foram acompanhadas anualmente dos 4 aos 11 anos e, depois, aos 14, 15, 19, 27 e 40 anos de idade. Comparadas ao grupo controle, apresentaram melhores resultados em testes de habilidades, maior empregabilidade, maior presença no Ensino Superior, menor evasão escolar, menor envolvimento com o crime e menos gravidezes na adolescência. A taxa de retorno estimada do Programa Perry é de 16%.

Um ponto importante destacado por Heckman é que, para serem bem-sucedidos, esses programas precisam contar a adesão voluntária e a confiança das famílias mais pobres, sem se intrometerem na vida familiar. Com bons recursos e apoio adequado, as famílias podem ser um ambiente de estímulo suficiente nos primeiros anos de vida.

De todo modo, o Brasil, na previsão do Plano Nacional de Educação (PNE), tinha até o final de 2016 para universalizar o acesso à pré-escola para crianças entre 4 e 5 anos de idade, mas estacionou em cerca 90%. Até 2024, a meta é aumentar de 30% para 50% a quantidade de crianças de 0 a 3 anos em creches.

 

Carreira

Há um crescente consenso quanto ao que deve ser buscado na educação: a qualificação dos professores. Os estudos de Steven Farr e de Steven Rivkin, Eric Hanushek e John Kain mostram que apenas a qualidade de apenas um professor tem um impacto significativo sobre os alunos.

O relatório do Banco Mundial “Achievng World-Class Education in Brazil”, de 2012, mostra que há evidências preliminares no Brasil, alinhadas à experiência da OCDE, de que a discrepância entre professores de uma mesma escola pode ser tão acentuada quanto a disparidade entre escolas. Parte da expertise necessária para elevar a qualidade do ensino pode estar no nível local, o que permite conceber soluções menos custosas e mais focalizadas: se as escolas forem capazes de emular as práticas de seus professores mais bem sucedidos, há boas razões para crer que o desempenho do conjunto melhore.

Mas como se melhora a qualidade dos professores no agregado? Um primeiro desafio é recrutar os melhores profissionais. Por isso, a atratividade da carreira é uma preocupação constante, mesmo nos países desenvolvidos. De acordo com o Banco Mundial, em nenhum país do mundo analisado em 2012, exceto a Polônia, os estudantes mais capacitados aos 15 anos almejavam ser professores. Esse traço é mais preocupante no Brasil, justamente porque o país está entre os que alcançam os piores resultados no Pisa. Em poucas palavras, nossos professores são recrutados entre os piores estudantes em meio aos piores do mundo.

O último relatório “Um Olhar sobre a Educação” da OCDE, de 2017, mostra que os professores ganham, em média, 90% daquilo que outras carreiras de Ensino Superior recebem, uma diferença que é maior no Brasil. Esse dado, que é motivo de alerta constante mesmo nos países desenvolvidos, uma vez que diminui a atratividade da carreira docente, se agrava ainda pela pequena diferença salarial entre os níveis de carreira, em geral mais engessadas que suas contrapartes no restante da iniciativa privada.

De acordo com o relatório do Banco Mundial, os cruzamentos de dados do Pisa, no entanto, também permitem perceber que não há uma correlação entre o nível médio de salário dos professores, em relação ao PIB per capita, e o desempenho do sistema educacional de um país. Parece ter mais importância nos resultados uma estrutura de mérito e de incentivos objetivos. Isso não quer dizer que os professores não devam ser bem remunerados, mas o Brasil se sai especialmente mal na estruturação da carreira, em que há pouca sensibilidade a incentivos, já que a grande maioria dos professores é de funcionários do estado e as distorções do serviço público são bem conhecidas.

 

A experiência dos bônus salariais atrelados a resultados tem sido vista como uma solução por diversos países e despertado tem despertado um forte debate nos Estados Unidos, por exemplo. Já há programas assim em Pernambuco, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, mas uma medição de resultados mais sólida ainda é necessária. É preciso ter cuidado para que escolas e professores tenham os meios de se aperfeiçoarem e a política de bônus não se transforme em punição. Deve-se também estar atento para externalidades negativas, como fraudes e o estreitamento do currículo, com professores treinando seus alunos especificamente para os testes relevantes.

No contexto brasileiro, tampouco se pode esquecer que a política de bônus gera um impacto considerável na folha de pagamento de estados e municípios, já fortemente onerados por despesas fixas, e que o Judiciário por vezes entende que as bonificações devem ser incorporadas à base permanente. Como regra geral, seria salutar aproximar a carreira docente das regras e dinâmicas do mercado de trabalho privado.

Modernização e flexibilidade

Diante de tamanhos desafios, não se pode esperar que o Estado consiga sozinho resolver todos os problemas crônicos da educação brasileira e ainda preparar o país para os desafios do século 21. O Brasil já deu um salto de investimento sem melhorar a qualidade e agora precisa destravar e incentivar a parceria entre os entes públicos e a iniciativa privada. No campo da educação, a média dos estudantes de escolas privadas é bem próxima da média da OCDE. Os principais fatores que explicam essa diferença passam pelas condições socioeconômicas dos estudantes, mas os estudos do economista Naercio Menezes Filho, do Insper, mostram que a gestão privada tem um peso nesses resultados.

Duas soluções, não excludentes entre si, podem ser adotadas pelo Brasil, até para que se possam testar seus resultados por aqui: o modelo de charter schools e o de vouchers para estudantes. Pelo primeiro modelo, o Estado subsidia uma organização privada, em geral sem fins lucrativos, entregando a ela ou com ela compartilhando a gestão de uma escola, frequentada por alunos pobres que não têm de pagar mensalidade. Pelo segundo modelo, o Estado oferece vales para famílias pobres escolherem em qual escola particular matricular seus filhos.

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Idealmente, os dois modelos poderiam até concorrer entre si em uma mesma localidade. Há estudos preliminares que avalizam a eficácia desses sistemas, quando comparados à educação pública tradicional. A aproximação com a iniciativa privada permitiria também o compartilhamento de expertise em gestão, um dos grandes gargalos da educação pública brasileira.

É preciso apostar em flexibilidade. A Base Nacional Comum Curricular do Ensino Médio está em discussão e prevê uma maior autonomia para os alunos escolherem os conteúdos que vão estudar, dentro de um mínimo comum. A recente Reforma do Ensino Médio já preparou o terreno para que escolas e estados da Federação aproveitem suas vocações regionais e invistam em modelos que potencializem suas vantagens competitivas. Mesmo o ensino técnico, que pretende preparar os estudantes diretamente para o mercado de trabalho, ainda é engessado e pouco próximo da iniciativa privada, o que é um contrassenso. A rigidez acaba incentivando os jovens a abandonarem os estudos e se inserir no mercado de trabalho na informalidade.

Nesse ambiente regulatório mais flexível e descentralizado, o Ministério da Educação (MEC) poderia focar-se nas grandes linhas da política educacional para a Educação Básica, estando sempre atento às inovações ao redor do mundo, em produzir informações estatísticas detalhadas da educação brasileira e em avaliar o desempenho escolar em todo o país. Isso permitiria detectar com mais rapidez iniciativas locais bem-sucedidas e criar os incentivos e mecanismos para que suas boas lições fossem nacionalizadas.

A mesma necessidade de modernização e flexibilidade existe no Ensino Superior, que está em expansão em todo o mundo e é central na estratégia de qualquer país para enfrentar os desafios do século 21. O Brasil aumentou de três para oito milhões o número de vagas entre 2001 e 2015, mas o impacto das citações de trabalhos brasileiros em revistas no exterior não acompanhou o mesmo ritmo e ainda registramos pouquíssimas patentes em relação às economias mais desenvolvidas. Três quartos das novas vagas vêm de instituições privadas fortemente subsidiadas pelo governo, mas a qualidade do ensino deixa a desejar e a pesquisa de ponta concentra-se quase toda nas universidades públicas.