Compartilhar
Facebook Twitter Whatsapp
2

Criação de um ambiente inovador e competitivo

O poder público pode colaborar para a criação de um ambiente inovador, favorecendo e facilitando o empreendedorismo, as parcerias público-privadas na área do conhecimento e retirando entraves burocráticos e fiscais

O caminho para o desenvolvimento econômico e social do Paraná passa pela inovação. Com ela, é possível mudar o perfil de uma economia de baixo valor agregado para uma de alto valor, que gere emprego e renda, retroalimentando um crescimento virtuoso. O poder público pode colaborar com esse processo, favorecendo e facilitando as parcerias público-privadas na área do conhecimento, e retirando entraves burocráticos e fiscais.

Segundo Filipe Cassapo, gerente do Centro Internacional de Inovação da Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), a inovação se dá quando o empreendedor consegue colocar em prática um novo conhecimento – daí a importância do fomento às universidades e centros de pesquisa e a função indutora do governo. “Precisamos de políticas públicas que favoreçam essas parcerias e também de incentivos para agilizar o empreendedorismo, como a redução da complexidade e da carga tributária. Não se pode imaginar uma política de desenvolvimento que não considere a inovação como pilar essencial”, observa.

O Paraná já conta com uma normativa nesse sentido, a Lei de Inovação, de 2012, mas ela ainda carece de regulamentação em alguns pontos. Segundo Cassapo, outra medida de médio e longo prazo é incorporar o ensino e prática do empreendedorismo à educação formal, de maneira que os futuros empresários já tenham um olhar mais direcionado para os negócios de alto impacto. A Endeavor, que estuda esse tema, mostrou que apenas 1% das empresas no Brasil, que são justamente as que têm esse perfil de alto impacto, respondem por 60% dos novos empregos gerados.

LEIA MAISConheça as histórias dos brasileiros que estão revolucionando os negócios pelo mundo

Para o pesquisador, o caminho para o Paraná não está em nenhum modelo pronto, como nas experiências bem-sucedidas do Vale do Silício, nos Estados Unidos, ou de Jerusalém, em Israel. “Em cada um desses locais há um legado sociocultural, construído ao longo do tempo. Não precisamos copiar, mas sim reconhecer nossas fortalezas e com isso criar um ambiente único de inovação, que faça empreendedores e estudiosos de outros países nos visitarem”, diz Cassapo. Entre os diferenciais que podem ser explorados no Paraná estão a diversidade sociocultural, que gera criatividade, uma qualidade fundamental para inovar; a diversidade biológica do território paranaense, com fauna, flora e produção alimentar; o perfil empreendedor de todo o brasileiro; e também a capacidade de geração de energia renovável. “Uma fonte renovável gera uma diferença gigante para um ambiente que busca conhecimento de alto impacto. A partir desses pilares, podemos criar um jeito novo de inovar”, acrescenta Cassapo.

Arranjos

Ao longo das últimas décadas, o Paraná já se valeu de muitas parcerias entre instituições de ensino, entidades paraestatais, sociedade civil organizada e poder público, que estão refletidas principalmente na produção tecnológica das cidades-polo do estado. Mas, para que iniciativas como essa contribuam de fato para o desenvolvimento de outros setores econômicos em todas as regiões do estado, o governo estadual deve voltar os olhos para os arranjos produtivos locais (APLs), que vivem uma crise de identidade e propósito.

Os APLs são aglomerados de empresas especializadas em um determinado produto, com proximidade geográfica e que cooperam entre si com algum tipo de apoio institucional ou governamental, tudo com o propósito de buscar vantagens comparativas e competitivas em um mercado globalizado. “Os arranjos estimulam três variáveis importantes: emprego nas atividades detectadas arranjos; a renda; e também fomenta o pagamento de impostos, porque as empresas são impulsionadas a produzir e vender mais”, diz a professora do Departamento de Economia da UEM Rafaella Stradiotto Vignandi, pesquisadora de APLs há nove anos.

O Observatório Brasileiro de APLs (OBAPL) lista 32 aglomerados no Paraná, mas são poucos os que conseguiram crescer e se destacar nos últimos anos. Os mais promissores são os APLs de software e Tecnologia de Informação (TI) do Paraná, explica o consultor do Sebrae/PR Luiz Gustavo Comeli. Há arranjos do setor em Curitiba, Ponta Grossa, Londrina, Maringá e no Oeste e no Sudoeste. “Eles conseguiram melhorias para as próprias empresas, fizeram prospecção de novos mercados e influenciaram políticas públicas municipais e estaduais que favoreceram o setor”, diz ele. Entre as conquistas apontadas por Comeli estão a Lei de Inovação do Paraná e o projeto do Vale do Pinhão em Curitiba, de incentivo a empresas inovadoras.

Essas empresas de TI têm se destacado também no interior. Em Londrina, por exemplo, há um núcleo que atua no chamado “smart agro”, criando soluções para o setor agropecuário. Em 2017, Pato Branco foi a primeira cidade do interior do Brasil a receber um evento do Campus Party, uma grande feira com foco na economia criativa, empreendedorismo e mundo digital. E por aí Paraná afora. E é justamente isso que explica o sucesso dos APLs de software.

Rafaella, da UEM, aponta que faltou rigor na criação desses arranjos. “A teoria diz que localidades que recebem as políticas de APLs tendem a se desenvolver mais. Não foi isso o que foi observado”, relata, com base na sua tese, defendida em 2017, que mostra que não é possível identificar claramente que os incentivos aos arranjos forneceram soluções eficientes para as cidades que as recebem. Como os municípios com APLs podem contar com benefícios governamentais, muitas vezes eles são reconhecidos apenas em função de lobbies políticos.

Uma sugestão feita por Rafaella é a reclassificação dos APLs, de modo a diminuir o número deles em todo o Brasil – hoje há cerca de 660, segundo o OBAPL. Com menos arranjos, é possível melhorar a qualidade: dar mais incentivo, fomentos e acompanhar mais os resultados, defende ela.

Nessa nova sistemática, as cidades que perdessem a política pública de APLs deveriam ser beneficiadas com outras ações governamentais – o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE) do Paraná, que ainda não saiu do papel, ajudaria a identificar as aptidões das microrregiões paranaenses, assim como um planejamento de longo prazo, como já apontado nesta série. “O papel do governo estadual é ajudar regiões periféricas ou subdesenvolvidas, subsidiar políticas para que essas regiões se fortaleçam”, defende Rafaella. Segundo a pesquisadora, a ação do governo do estado seria fundamental, já que não há uma política industrial definida para o Brasil.

Incentivos

O incentivo aos APLs ou a outra política de desenvolvimento local poderia ocorrer via bancos de desenvolvimento econômico e social, avalia Fabio Scatolin, professor do Departamento de Economia da UFPR. “O BNDES [nacional], BRDE [regional] e mesmo cooperativas de crédito poderiam contribuir com o planejamento estratégico dos arranjos, percebendo onde há oportunidades de avanço e aprimoramento”, diz. Ele sugere ainda o aprimoramento de relacionamentos com entidades paraestatais, como o Sebrae, que ajudam no diagnóstico dos pontos fracos e fortes e capacitam empresários.

Para Comeli, o Sebrae pode atuar diretamente com os empreendedores, substituindo uma ação governamental direta nas fases iniciais do desenvolvimento de um negócio. No Paraná, há 18 escritórios em 6 regionais, mas praticamente todos os municípios são atendidos pela instituição, por meio de parcerias com prefeituras. “Aproveitamos as lideranças locais, para que se organizem, iniciem uma produção especializada, e depois, com mais cacife, podem chamar o estado a atuar, levando ligações elétricas, fibra ótica, por vezes uma estrada”, acrescenta.

Mas o governo do Paraná acaba atuando, indiretamente, em muitas frentes. Uma delas, essencial, é o protagonismo das universidades estaduais. Segundo Comeli, elas contribuíram diretamente para o ambiente inovador construído no estado. “Se pensarmos em outros estados, as iniciativas estão concentradas nas capitais e mais uma ou outra cidade, como em Minas Gerais, que tem Belo Horizonte e Santa Rita de Sapucaí, ou mesmo no estado de São Paulo, que tem todo um centro-oeste sem ação específica de tecnologia. Hoje o estado mais equilibrado, mais homogêneo, é o Paraná. As universidades do interior contribuem diretamente. Quanto mais houver capital social bem formado, mesmo que nem todos frequentem, só a presença delas já transforma aquela realidade”, avalia.

O salto que falta no Paraná é a integração total desse desenvolvimento tecnológico já conquistado com os demais APLs e outras cadeias produtivas regionais. “Quando olhamos para a frente, é inevitável pensar que a área de TI será transversal ao desenvolvimento do estado. Temos que pensar como fazer tecnologia aplicada aos setores, e imaginar recortes regionais. Talvez algum APL não tenha dimensão estadual, mas é preciso analisar, como aumentar a produtividade, melhorar a dinâmica em um recorte regional”, observa Comeli.

O professor da UFPR vai na mesma linha, ao dizer que entender o papel da tecnologia dentro de um APL é fundamental para melhorar o dinamismo econômico das pequenas empresas. Ele faz a ressalva de que os APLs precisam atuar em um mercado global, e que por isso precisam estar inseridos no comércio internacional, seja absorvendo novos equipamentos e processos ou até mesmo vendendo seus produtos para o exterior. Para ajudar a vencer esses desafios, ele sugere um relacionamento maior com instituições de ensino e pesquisa. “Não só universidades, mas laboratórios como Tecpar e Lactec também podem fazer essa aproximação e resolver pontos de estrangulamento”. Ao buscar soluções para resolver problemas de determinado empresa ou setor, é comum ocorrerem “transbordamentos” de conhecimento, os chamados spillovers, que podem ser usados em outras frentes produtivas.

Interação

Ainda há barreiras no relacionamento entre empresas e universidades, mas a situação melhorou bastante nos últimos anos. Dados do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) mostram que as universidades estaduais do Paraná seguiram a tendência nacional e ampliaram a interação com a iniciativa privada. Segundo o Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq, em 2006 havia 928 grupos ativos nas instituições estaduais, dos quais 90 relataram ter ao menos uma relação com empresas – índice de interação de 9,7%. Em 2016, foram registrados 1.572 grupos, dos quais 402 relacionados com empresas – o índice pulou para 25,6%.

Os maiores índices de 2016 de universidades estaduais são da UEPG (35,6%) e Unicentro (30,9%). Entretanto, o impacto dessas relações não está apenas nos números, mas também no alcance e descentralização dos grupos de pesquisa, favorecendo empresas de todo o Paraná. Não há dados recentes no Diretório de Pesquisas sobre elas, mas os censos de anos anteriores listam empreendimentos de municípios de todas as regiões paranaenses. Também é possível ver o predomínio de grupos nas principais atividades econômicas do estado: ciências agrárias (29%), engenharias (28%), exatas (11%) e biológicas (10,6%). No Brasil, os grupos de pesquisa estão concentrados em engenharias (30%), agrárias (20%) e ciências da saúde (12%).

A tese “Interação universidade-centros de pesquisa e empresas: um estudo sobre o setor de biomateriais do estado do Paraná”, defendida em 2016 pelo professor de Física do Colégio Militar de Curitiba Rodrigo Luis Rocha, faz um resumo da literatura na área que mostra que, para as empresas, a principal vantagem nas parcerias é adquirir conhecimentos que podem gerar lucro adicional. Para os pesquisadores, as vantagens vão desde a simples difusão de conhecimento como maior acesso a recursos para pesquisas, maior chance de publicação de artigos e acesso a informações que só as empresas têm.

A pesquisa mostra que muitos dos relacionamentos são feitos na informalidade, e sugere um protocolo de ações para instituições de ensino para que melhorem o trabalho dos grupos de pesquisa com interação. Também são feitas sugestões para o governo facilitar essas parcerias, com mudanças na legislação para mitigar problemas de importação de suprimentos e equipamentos de pesquisa; oficializar o reconhecimento de patentes e resultados do desenvolvimento tecnológico como forma de produção acadêmica; e discutir com as partes interessadas os critérios de participação em editais públicos.

O estado tem muito a ganhar com essa interação. No artigo “Sistema de inovação do Paraná: os padrões da interação universidade-empresa”, os autores Caroline Hoffmann e Antonio Carlos de Campos afirmam que o sistema de ciência e tecnologia paranaense possui perspectivas positivas de atuação. “A evolução positiva observada com relação ao aumento expressivo dos seus grupos de pesquisa interativos indica que o sistema de ciência e tecnologia, e especialmente as universidades presentes no estado, estão externalizando o conhecimento científico e tecnológico através das parcerias com o setor produtivo. (…) Essa evolução é importante no sentido do papel que as instituições de ensino e pesquisa possuem para o estado do Paraná, sendo também protagonistas do desenvolvimento econômico do estado”.