Planejamento de longo prazo
Os políticos eleitos precisam vencer a inércia que perdura no poder público e iniciar, em sinergia com a iniciativa privada, a academia e a sociedade em geral, um planejamento de longo prazo, sob pena de o estado ficar à mercê de interesses pontuais
Como será o Paraná do futuro? Os políticos eleitos em outubro precisam vencer a inércia que perdura no poder público e iniciar, em sinergia com a iniciativa privada, a academia e a sociedade em geral, um planejamento de longo prazo, sob pena de o estado ficar à mercê de interesses setoriais e pontuais, sem preocupação com o desenvolvimento regional e sustentável.
A sociedade civil, junto com a iniciativa privada, já produziu documentos importantes, como o Plano Estadual de Logística em Transporte do Paraná – PELT 2035. O estudo, feito pelo Fórum Permanente de Desenvolvimento Futuro 10 do Paraná, que reúne 17 entidades, elencou 120 propostas de projetos e intervenções em infraestrutura, para serem implantados ao longo dos próximos anos.
Ainda não há, porém, um compromisso de governo com a mobilização da sociedade para um planejamento de longo prazo. Outros estados já se movimentam nesse sentido. Em 2006, Santa Catarina lançou o documento Plano Catarinense de Desenvolvimento 2015. E, desde o ano passado, representantes do governo catarinense vem se reunindo com entidades e fazendo workshops para lançar em breve o Plano SC 2030. O Consórcio Interestadual de Desenvolvimento do Brasil Central (BrC), criado em 2015 por Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Tocantins, refez em dezembro de 2017 um planejamento estratégico que pretende tornar a região a mais integrada e com maior índice de desenvolvimento da América do Sul em 2028. No Nordeste, o Projeto Pernambuco 2035 tem um horizonte de ação ainda mais amplo.
Em novembro de 2013, uma rede de pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) divulgou um estudo sobre os planos plurianuais em dez estados (Bahia, Ceará, Espírito Santo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Paraná, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e São Paulo). O relatório consolidado afirma que “no que se refere ao planejamento de longo prazo, sua utilização é bastante heterogênea entre os estados examinados pela pesquisa. A maior parte utiliza o instrumento; as exceções são Paraná e Ceará”.
Sem rumos definidos, o estado pode até crescer, mas de forma desordenada. “Um dos problemas do Paraná é a falta de um plano de desenvolvimento regional. No Rio Grande do Sul e Santa Catarina, há estratégias regionais, com conselhos ou secretaria. Nós aqui ainda patinamos. Quem leva recursos para uma região é o deputado com mais proeminência, mas de acordo com circunstâncias, e não baseado em planejamento de longo prazo. Precisamos de uma política de estado para as regiões, para sabermos quais serão nossas demandas daqui a 15, 20 anos”, pontua o economista Jandir Ferrera de Lima, professor do programa de Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste).
Lima aponta que o Programa Paraná Competitivo tem muitos méritos, mas manteve a atração de investimentos concentrada no eixo Curitiba-Ponta Grossa – reportagem da Gazeta do Povo de setembro de 2015 mostrou que 90% dos investimentos do programa ocorreram nessas cidades. Por outro lado, o estado tem farto capital humano espalhado pelas várias regiões, graças à atuação descentralizada das instituições públicas de ensino superior. Além de formar mão de obra qualificada, esses centros de ensino fazem pesquisa e difusão do conhecimento, contribuindo para elevar a produtividade das regiões.
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“No Sudoeste do Paraná, principalmente nos municípios de Dois Vizinhos e Francisco Beltrão, houve melhora significativa. Isso tem relação direta com a atuação da Unioeste, da UTFPR[Universidade Tecnológica Federal do Paraná] e da Universidade da Fronteira Sul (UFFS)”, observa Lima. Por outro lado, Norte Pioneiro e Centro Sul não contam com rede parecida e têm apresentado dificuldades. Segundo ele, o programa Universidade sem Fronteiras, que utiliza recursos do Fundo Paraná – abastecido com 2% das receitas correntes do estado – foi criado para desenvolver projetos em municípios com baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). “Mas nos últimos oito anos houve grande corte de recursos, inviabilizando projetos”.
Associativismo
Maringá, no Noroeste do estado, é um bom exemplo de planejamento, em sintonia com a sociedade civil. A cidade tem algumas iniciativas que, mesmo concentradas na Associação Comercial e Industrial de Maringá, vão além da defesa dos interesses corporativos e têm colaborado para o bom desempenho do município em diferentes indicadores socioeconômicos.
Uma das iniciativas é a do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Maringá (Codem), criado nos anos 90 para suprir a necessidade de se combater a falta de planejamento de longo prazo e a descontinuidade das ações municipais. Nos últimos anos, o Codem tem se dedicado a elaborar um plano para identificar as vocações econômicas locais e planejar as ações urbanísticas do município tendo como horizonte o ano de 2047. A prefeitura, em tese, não tem obrigação de acatar e executar o que for previsto no plano, mas dificilmente algum gestor terá condições técnicas e políticas de descartar totalmente um planejamento sólido feito por meio do associativismo dos cidadãos.
Zoneamento
Iniciativas como a de Maringá poderiam ser mais comuns no estado se os atores envolvidos conhecessem as aptidões de cada região. Entretanto, um documento essencial para mapear essas vocações, o Zoneamento Ecológico-Econômico (ZEE), ainda não saiu do papel no Paraná. Essa é uma dificuldade de várias unidades federativas. Segundo levantamento de 2017 do Ministério do Meio Ambiente, apenas oito estados aprovaram leis com seus planos regionais, dos quais seis foram referendados pelo governo federal: Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Pará e Rondônia. Em Roraima o documento está em revisão e no Mato Grosso há uma suspensão judicial, motivo porque não receberam o aval da União.
O único levantamento pronto no Paraná é o ZEE do Litoral, mas esse foi instituído apenas por decreto e não teve validação federal. O grande problema é que os paranaenses se eximem do seu dever e direito de, a partir de um diálogo entre governo, iniciativa privada e a sociedade civil, definir os rumos do estado. “O Paraná perdeu a personalidade de dizer o que quer. Só aceita o que vem de fora”, observa Clóvis Borges, diretor-executivo da Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação Ambiental (SPVS).
Por outro lado, o governo do Paraná conseguiu um financiamento integral do Banco Mundial no valor de R$ 4,8 milhões para o Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral, que será executado por um consórcio internacional, formado por duas empresas brasileiras e duas espanholas, que já executaram o Plano Metropolitano de Barcelona, por exemplo. “Se o governo está investindo recursos em um planejamento, não há porque apressar as discussões sobre a Faixa de Infraestrutura do Litoral. É preciso analisar o que tem mais viabilidade econômica para o futuro”, acrescenta Borges.
Nesse sentido, o planejamento de longo prazo define investimentos com base em diferentes cenários: quantas empresas ligadas ao pré-sal podem se instalar em determinado local, considerando que o petróleo é um recurso finito e poluente? De quantos portos um estado precisa? Como a carga será transportada até o local, com rodovias, ferrovias, hidrovias? Os impactos positivos dos empreendimentos vão superar os negativos? E serão sustentáveis com o passar das décadas?
Ainda que a proteção ambiental e o investimento tenham protagonizado conflitos recentes no Paraná, também há casos em que os dois caminham juntos, mostrando um “caminho do meio” em que há soluções ganha-ganha para os envolvidos. Este foi o caso do Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) sobre o traçado de uma ferrovia ligando Lapa a Paranaguá. Representantes da ONG Observatório de Conservação Costeira do Paraná (OC2) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade levaram sugestões que foram incorporadas pela Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT), conforme mostra dissertação apresentada em 2014 por Liz Meira Góes no Programa em Pós-Graduação em Meio Ambiente e Desenvolvimento da UFPR. Foram feitos desvios para não atingir diretamente o Parque Nacional de Saint Hillarie/Lange e para evitar o Parque Nacional de Guaricana, que estava em vias de ser criado – o perímetro da área de conservação também foi modificado para facilitar o projeto, que no fim foi elogiado pelo Fórum Permanente Futuro 10 Paraná.
Ainda que uma ferrovia pela Serra do Mar provoque impactos significativos, não houve oposição ao projeto em si, considerado essencial para o desenvolvimento do Paraná. “Do lado dos conservacionistas, nosso erro foi ter feito uma dicotomia com o modelo de desenvolvimento, o que ficou no passado, mas é ainda como nos carimbam. Mas evoluímos para um modelo de negócios em que a conservação ajuda a gerar resultado mais interessante para geração de renda, emprego”, avalia Borges.
O ideal, em um território com biodiversidade rica – e ameaçada – como no Brasil, seria que a sociedade assumisse a proteção do meio ambiente como fim em si mesmo. Mas, por pressões econômicas e questões culturais (os imigrantes que vieram ao Brasil precisaram subjugar a natureza para sobreviverem na nova terra), foi preciso desenvolver modelos que mostrem como a conservação do patrimônio natural faz parte do negócio. Borges cita exemplos: o lago da usina de Itaipu poderia ficar entupido de sedimentos levados pela Bacia do Rio Paraná. Isso inviabilizaria o negócio em algumas décadas, causando prejuízo enorme ao estado e ao país. Para evitar isso, Itaipu precisa se preocupar com a erosão em territórios do Paraná, Mato Grosso e Paraguai. O mesmo ocorre no litoral: agricultura com baixo valor agregado e técnicas rudimentares provoca sedimentação no Canal da Galheta. O governo do Paraná gasta milhões para a dragagem do canal. Uma alternativa estratégica seria fomentar a agricultura sustentável e orgânica, para evitar danos e economizar recursos de dragagem. Nas grandes cidades, um planejamento sustentável e estratégico poderia prever projetos de resiliência contra problemas hídricos.
No caso da dragagem, o dinheiro gasto de fato ajudou a produtividade do porto, assim como outras melhorias no Corredor de Exportação. Paranaguá vinha perdendo terreno no total de carga movimentada no Brasil. Em 2010, respondeu por 3,93% do total; em 2017, aumentou a fatia para 4,83%, mostrando o impacto positivo do investimento em infraestrutura. Mas, se o estado conseguisse fazer a prevenção da erosão no litoral, os benefícios poderiam ser ainda maiores. Além disso, os investimentos precisam levar em conta a demanda futura, que também mudará caso vingue o planejamento de outros estados, por exemplo. Segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI), os terminais portuários do Norte do país movimentaram R$ 51,2 milhões de toneladas de grãos em 2017, aumento de 80% em relação ao ano anterior, e serão cada vez mais uma opção para escoamento dos grãos produzidos acima do chamado paralelo 16, que corta o Brasil do sul do Mato Grosso ao norte de Minas Gerais.
Bons ventos
Outro exemplo de investimento aliado a proteção ambiental vem de uma iniciativa particular. O Complexo de Geração Eólica Palmas II, com potência total projetada de 200 megawatts (MW), deve começar a operar em 2019. Para tanto, os empreendedores deram início ao estudo de impacto ambiental em 2015. A sociedade, formada pela Enerbios, pela Enercons e pela empresa alemã Innovent, está aplicando R$ 1,2 bilhão no empreendimento. Segundo o engenheiro Ivo Pugnaloni, responsável técnico pelo projeto, diz que investimentos em energia renovável precisam estar calcados em estudos muito bem embasados. “É obrigatório que conheçamos mais sobre o ambiente onde a energia é gerada, sobre os fenômenos que permitem a utilização dos recursos naturais. Tudo isso precisa ser muito bem estudado, seus impactos negativos mitigados, reduzidos e seus impactos positivos, potencializados”, avalia.
Essa mesma estratégia se aplica em hidrelétricas, diz ele, que são preferíveis a outras formas de geração energética, como as termelétricas a carvão mineral, o mais poluente dos combustíveis fósseis. “Cada hidrelétrica é um grande mecanismo indutor de turismo, irrigação, piscicultura. Todas essas são indústrias, receitas que também podem ser auferidas com a construção de reservatórios. Onde se vê problema, às vezes tem quatro, cinco soluções, mas só com um estudo bem feito e com tempo é que elas serão encontradas”, observa.
Com tempo, todo o ciclo da fauna e da flora foi avaliado, conta Pedro Dias, da consultoria Cia. Ambiental, responsável pelos estudos do parque eólico. Outra vantagem, diz ele, é que o levantamento bem executado reduz riscos de litígios com as partes atingidas pela obra: “Tivemos autoridades, Ministério Público, Judiciário, todo mundo participando. Tudo que foi perguntado está sendo respondido”.
Dias esteve em uma das audiências públicas sobre a construção da nova ferrovia da Ferroeste, ligando Maracaju (MS) ao litoral, a qual possivelmente aproveitará o trajeto definido para a Serra do Mar no EVETEA da ferrovia Lapa-Paranaguá. Na ocasião, ele sugeriu que o EVETEA da nova ferrovia incorporasse já um relatório de impacto ambiental, para aproveitar o tempo para adiantar estudos. Mesmo complexa, ela é vista como uma obra essencial para o futuro do Paraná. Segundo a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), o frete ferroviário custa de 20% a 30% menos do que o rodoviário; o modal elimina cargas nas rodovias, tornando-as mais seguras para carros de passeio; e o impacto ambiental é menor, já que a área de domínio é reduzida.