Excelência em áreas essenciais
É preciso buscar soluções para melhorar os indicadores e atender aos anseios da população em áreas essenciais, como saúde, educação e segurança pública
O Estado tem um papel fundamental em três áreas essenciais: saúde, educação e segurança pública, de forma a responder aos anseios da população e também aos preceitos constitucionais. Apesar de o papel do governo ser subsidiário – o estado deve agir em áreas nas quais as pessoas ou associações não conseguem realizar por si próprias –, cabe a ele buscar soluções para oferecer com excelência esses serviços básicos para o cidadão.
Desde a Constituição de 1988, a ampliação dos direitos sociais pressionou as finanças de todas as instâncias governamentais, que atualmente se veem em um cenário de escassez de recursos para investir em todas as áreas, mesmo as prioritárias. A boa notícia é que, em muitos casos, o problema não é a falta de verba em si, mas gestão deficitária.
Como, então, melhorar os indicadores na área de saúde, educação e segurança pública? Experiências localizadas e novas frentes de pesquisa mostram que o próximo governador do Paraná precisa inovar, apresentar projetos mais ousados, rompendo com práticas ultrapassadas que são usadas por comodismo ou por medo de enfrentar a opinião pública.
O caso da segurança pública é bastante emblemático. Nos últimos anos, o Paraná contratou policiais militares e civis, mas em um ritmo ainda inferior para suprir o déficit histórico, e a criminalidade não foi reduzida em todas as frentes. Em 2017, o número de mortes violentas caiu 10% em relação ao ano anterior, segundo a Secretaria de Estado da Segurança, mas os crimes contra a pessoa, que além de homicídio incluem ameaça, lesão corporal, violência doméstica e crimes contra a honra, cresceram 11%.
Segurança
Homicídios
Taxa de mortes a cada 100 mil habitantes
Número absoluto de homicídios
Em milhares
Fonte: Datasus
Para o professor do Mestrado em Segurança Pública da Universidade de Vila Velha (ES) Henrique Herkenhoff, os governos de todo o Brasil falham na gestão da área por ouvir demasiadamente o clamor popular por mais policiamento ostensivo. Com a experiência de quem já passou pelos cargos de procurador da República, desembargador federal no Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) e secretário da Segurança Pública no Espírito Santo, o especialista sugere novos caminhos para enfrentar o crime. O principal, diz ele, é ampliar o efetivo policial investigativo, e não contratar mais policiais militares.
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Ao investir no patrulhamento, os governos geram ineficiência, aponta ele. “O policial militar faz a ronda, faz flagrante, daí é preciso levar para a delegacia. Ele fica ali, quatro, seis horas, às vezes até mais, para ser atendido e fazer o boletim de ocorrência. Isso porque não há investimento suficiente na Polícia Civil, e os poucos homens que estão lá precisam ficar atendendo os flagrantes. Não sobra tempo para investigações que acabariam com o crime de fato, aqueles que envolvem quadrilhas, que colocam medo na sociedade. As polícias brasileiras estão focadas em prender estagiário de microtraficante. Isso produz números, mas não tem repercussão nenhuma no que deveria ser combatido de fato”, relata.
Ele ressalva que essa dinâmica responde às demandas da sociedade, mas que o gestor público precisa ter inteligência e coragem de romper com o círculo vicioso. Isso porque as prisões em flagrante de crimes de menor delito provocam outros efeitos perversos, como a superlotação carcerária. “Em uma prisão em flagrante, geralmente não houve investigação previa, ou é de baixa qualidade, porque atinge praticamente só peixe pequeno”, observa. Se o crime é de baixa periculosidade, o comum é que o Judiciário o liberte, para minimizar a superlotação, e o mantenha preso só depois de cinco ou seis reincidências.
Mas, com superlotação, continua o professor, nenhum presídio consegue implantar projetos de ressocialização. “É óbvio que de um preso que fica 24 horas no ócio, nada vai surgir de bom. O sistema carcerário típico do Brasil é simplesmente um depósito de presos, uma faculdade de crime. Todo mundo repete isso, mas ninguém toma providências para que acabe”, observa. Herkenhoff aponta ainda para o custo dos serviços. “Sabe quanto custa manter uma viatura rodando 24 horas por dia? O mesmo que uma escola. Ao aumentar o efetivo e o número de carros, tirei uma escola do bairro. E o que tira crianças do crime? Um policial ou professor? O policial pode ser considerado e sentir um herói ao prender um bandido, mas quanto custa um preso? Às vezes os estados trabalham com uma estimativa menor, mas eu que estive na secretaria posso dizer que o custo total é em torno de R$ 5 mil, para as condições precárias que vemos. Então, quando prendo 20 pessoas, vou ter que fechar uma escola”, relata.
Outro caminho para o governador melhorar a gestão na área é exigir atuação direta da União. Segundo Herkenhoff, a transferência de recursos federais via convênios é um desperdício, porque é necessário gastar muito com o controle da verba repassada. Os governos, então, deveriam pressionar pelo aumento do efetivo da Polícia Federal, que tem a atribuição constitucional de apurar infrações “cuja prática tenha repercussão interestadual”, como as cometidas por quadrilhas de roubo de cargas ou caixas eletrônicos. A criação de um Sistema Único de Segurança Pública (Susp) pode ajudar no combate a esses crimes, desde que ocorra uma integração real entre as forças policiais, diz o pesquisador.
Conhecimento
Herkenhoff propõe ainda a ampliação do conhecimento científico sobre a área. Segundo ele, há um distanciamento entre a universidade e as forças policiais que precisa ser revertido. Ele cita ainda a escassez de programas na área: no Brasil, há cinco programas de pós-graduação específicos de segurança pública, justiça e cidadania: além da UVV, nas universidades federais do Pará, da Bahia, e nas universidades estaduais de Roraima e do Amazonas. E todas elas com no máximo dez anos de existência. “Agora que as pesquisas feitas ao longo dos últimos anos têm começado a render frutos”, observa, apontando para uma nova fase nessa área tão conflituosa.
O Paraná não tem nenhum mestrado específico nessa área. Nas universidades estaduais há oferta de apenas três cursos de Sociologia, outro curso que geralmente se detém sobre a questão da violência; também há linhas de pesquisa dentro dos cursos de Direito, mas há apenas duas opções nas instituições estaduais, segundo relatório da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Por outro lado, há uma boa distribuição de cursos de pós-graduação das grandes áreas do conhecimento. Segundo a Capes, há 126 cursos nas universidades estaduais, dos quais 26 são de Ciências Humanas, com predomínio de Educação (6), Geografia (6) e História (5). Em segundo lugar aparece Ciências Agrárias, com 19 opções – dos quais 9 são de Agronomia, refletindo a vocação natural de grande parte do interior do Paraná. Em terceiro lugar, com 16 opções de curso, estão as Ciências da Saúde, com destaque para Farmácia (4), Odontologia (4) e Medicina (3).
Saúde
Mortalidade infantil
Taxa de Mortalidade Infantil em Menores de 1 ano de idade a cada mil nascidos vivos
Fonte: Ministério da Saúde / Datasus
Expectativa de vida
Em anos
Fonte: Tábua de mortalidade do IBGE.
Leitos hospitalares pelo SUS
Em milhares
Fonte: Ministério da Saúde / CNES
Um desses cursos é o de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade Estadual de Londrina (UEL), que tem uma linha de pesquisa voltada para a análise das políticas públicas na área. A produção acadêmica mostra que, tal como no caso da segurança, o governo estadual precisa pressionar a União para promover melhorias na prestação de serviços assistenciais. Tese defendida em 2017 por Carolina Milena Domingos, por exemplo, mostra que as decisões sobre ações na Atenção Básica ficam bastante concentradas no Ministério da Saúde, e que cabe aos governos estaduais contribuir para a descentralização das políticas sociais.
A pesquisadora Luciana Dias Lima, da Escola Nacional de Saúde Pública da Fiocruz, observa que a atuação dos governos regionais foi esvaziada com a municipalização dos serviços de saúde, mas que é fundamental o papel do Executivo estadual. Esse tipo de serviço só funciona bem em rede, a qual necessita de uma coordenação regional. “Esse não é um papel menor dos governadores. Um dos grandes desafios para o avanço do SUS é justamente reforçar a regionalização, com organização das redes regionalizadas, e com uma perspectiva mais ampla para diminuir as desigualdades”, observa.
Para Luciana, é preciso reforçar o planejamento estratégico, para que a prestação de serviços feita pelos municípios esteja de fato integrado com a rede própria estadual. Ela ainda ressalta a necessidade de mais investimentos, ainda que a aplicação de verba, por si só, não tenha resultado em mais efetividade, conforme apontado no texto sobre Eficiência. Isso permitiria um salto de qualidade, estima a pesquisadora, tendo em vista o histórico da experiência brasileira. “É incrível que com a situação institucional tão precária que vemos tenham ocorrido tantos avanços na saúde pública brasileira”, acrescenta.
Educação
Assim como a política de saúde está concentrada nas mãos do Ministério da Saúde, o Ministério da Educação (MEC) fez o mesmo ao definir o novo ensino médio. As mudanças devem começar a valer só a partir de 2021, e especialistas de todo o Brasil concordam que era preciso modificar a sistemática existente, a mesma do século passado, pouco atrativa para os jovens de hoje. Entretanto, a forma como isso foi feito e o conteúdo das mudanças gerou muito protesto.
Na verdade, não era nem preciso mudar leis para inovar no currículo do ensino médio. O Campus Jacarezinho do Instituto Federal do Paraná, no Norte Pioneiro, comprova isso. Nessa etapa de ensino, oferta educação profissionalizante e, em 2016, foi reconhecido como instituição inovadora pelo MEC e recebeu o Prêmio Educação Empreendedora do Sebrae. Também é uma das 18 escolas brasileiras presente no mapa Escolas Transformadoras – que tem 280 instituições cadastradas por todo o mundo –, um projeto da organização global Ashoka e da Alana, uma organização da sociedade civil de São Paulo.
Essas entidades lançaram em 2017 o livro O Ser e o agir Transformador – Para mudar a conversa sobre educação, em que tratam de experiências exitosas. Conforme observado pela ex-secretária de Educação de Minas Gerais, Macaé Evaristo, “muitas das conquistas, hoje, nos marcos legais da educação, foram consequências, justamente, de movimentos de escolas que decidiram ousar, que se articularam, que viram que era possível ter uma educação diferente”. Nesse sentido, a experiência do IFPR de Jacarezinho tem muito a ensinar ao Paraná e ao Brasil.
Tudo começou em 2013, quando a direção começou a se preocupar com os índices de evasão no ensino médio. O diretor-geral Rodolfo Fiorucci conta que foram criados grupos de trabalho (GTs) para encontrar caminhos que mudassem essa situação. Esse trabalho preparatório durou cerca de dois anos. “Aí está uma diferença fundamental com as redes estaduais. As condições de trabalho são bem diferentes. Aqui trabalhamos com o tripé de que o professor desenvolve ensino e, ao mesmo tempo, pesquisa e extensão. Mas só pode fazer isso quando a carga horária é compatível. Na rede estadual, a carga horária de aula é muito elevada”, observa. O resultado dos GTs levou a instituição a adotar unidades curriculares (UCs) em vez das tradicionais disciplinas.
As UCs exigem o protagonismo do estudante, na medida em que ele define o que vai cursar – respeitando a carga horária mínima dos conteúdos obrigatórios. As aulas são marcadas pela interdisciplinaridade, e professores de várias cadeiras são chamados para compor as aulas, assim como convidados. “Sou professor de História. Em 2016, em meio ao impeachment, os alunos demandaram uma UC para debater as instituições brasileiras e a política, queriam entender o Brasil Republicano. Criei uma e logo foi ofertada, e continuamos com ela, pela relevância. Outras, porém, já foram canceladas, por não terem tido demanda suficiente”, conta. Para ele, atender o desejo do aluno é fundamental. “Como uma instituição não consegue atender a um pedido de estudante que quer aprender? Na escola tradicional, para saber sobre o Brasil República, geralmente se espera até o último bimestre, é um dos últimos conteúdos. Aqui a discussão sobre currículo é permanente.”
O diretor cita outros exemplos: há uma UC que se chama “Química está no ar”, e os alunos usam drones para captar as emissões nas camadas atmosféricas. Também há projetos de horta orgânica, que trabalham conceitos de Geografia e Biologia, entre outros. As UCs, diferentemente de uma aula tradicional, são ministradas em períodos de 1h30. “Há em média 15 opções para os alunos escolherem. Mas, ao escolher uma, é preciso abrir mão de outras 14, e essa responsabilização pelo ensino contribui para a formação do jovem”, relata Fiorucci.
Geracional
Segundo Ulisses Araújo, professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP), o modelo de escola tradicional prevalece em todo o mundo, a despeito e experiências inovadoras em algumas regiões localizadas. Ele ressalta que a mudança é urgente, mas alerta que levará tempo, ainda uma geração. “Há os prédios escolares, construções pensadas em outros modelos, e principalmente professores formados dessa maneira. As faculdades continuam formando o professor como no século XIX, e isso principalmente nas privadas. As escolas privadas também são as mais conteudistas, vendendo seu modelo para os estudantes passarem no vestibular, um grande gargalo do Brasil”, observa. Para o pesquisador, municípios, governos estaduais e MEC precisam agir para induzir mudanças no modelo.
Educação
Nota do IDEB anos iniciais (1º ao 5º do ensino fundamental)
Indicador de 0 a 10 que mede a qualidade do ensino nas escolas públicas, levando em conta as provas de português e matemática da Prova Brasil e a taxa de aprovação
Nota do IDEB anos finais (6º ao 9º do ensino fundamental)
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - MEC/Inep.
E as mudanças sugeridas são nessa linha do IFPR de Jacarezinho: dar papel ativo ao aluno. “Há um problema grave de muitos professores saindo de licença por causa da saúde. Isso ocorre porque é muito desgastante ficar dando aula, falando, para um aluno que não quer ficar sentado, ouvindo. Precisa mudar a metodologia”, diz Araújo, que é presidente da Associação de Aprendizagem Baseada em Problemas e Metodologias Ativas de Aprendizagem (PAN-PBL). “Precisamos aplicar de fato a cultura maker, em que os professores são treinados para ser orientadores do trabalho, e os alunos vão na realidade local e aprendem a identificar problemas e desenvolver soluções. Aí ensina matemática, história geografia. Por exemplo, um professor, junto com alunos e a comunidades, já que os pais contribuem ativamente, conseguem criar um microscópio com papel e origami, com uma lâmina e uma lente de óculos de aumento. Faz experimento com isso, não precisa do microscópio pronto”, exemplifica.
Araújo reforça a necessidade de se pagar bem os professores, para atrair quadros qualificados: “Quando as pessoas falam dos países que estão indo bem na educação, dificilmente aparece na mídia a relação de trabalho que professores desses países têm. São bem remunerados. E esse professor trabalha em uma escola apenas, o que significa que cria vínculos com a comunidade, com os alunos e turmas, bem necessário para desenvolver projetos. E isso passa por uma boa remuneração”. Mas ele diz que, para tanto, é preciso que a sociedade exija isso. “Os caminhos existem, as pessoas já sabem. O problema é que a imprensa, a sociedade, todo mundo diz que a educação tem que ser prioridade, mas quando o governo corta verbas, seja a nível federal ou estadual, não há uma cobrança efetiva”, completa.