O que a web pode aprender com o novo jornalismo?
A web sem dúvida ensinou algumas lições ao velho jornalismo. Mas o novo jornalismo tem muito ensinar à web
Pedro Sigaud Sellos*, especial para a Gazeta do Povo.
Luz e ordem na terra do caos
Nesses 100 anos de Gazeta do Povo, dos quais quase 25% de sua existência se deram em conjunto com a World Wide Web (ao menos em sua versão comercial parao usuário comum), cabe fazer uma reflexão do que a web ensinou ao grande jornalismo (me refiro principalmente aos quality papers) do Brasil e do mundo, e o que o novo jornalismo tem a ensinar à web e aos usuários.
A primeira dura lição que a web ensinou ao jornalismo antigo – e acredito que ainda ensina – é a de que a o leitor/usuário/sociedade não está necessariamente interessado nas noticias que os grandes veículos produzem. Há uma disparidade significativa entre o que os veículos acreditam ser importante para os leitores e o que os leitores querem consumir. Prova disso são os incontáveis memes, posts de Facebook, Instagram, Snapchat, correntes de WhatsApp, listas engraçadas de animais, quizzes e testes; nenhum deles produzido por uma empresa jornalística. Soma-se a isso a intensidade e frequência com que recebemos esses conteúdos cada dia –vivemos em plena era da Economia da Atenção como já profetizava Herbert Simon nos anos 70– e o tempo que sobra para o consumo de conteúdo produzido por jornais é quase zero.
“A web mostrou que os bastidores dos veículos tradicionais são mais humanos e, portanto, imperfeitos, do que pareciam ao público antigamente. Ficou mais fácil para o usuário perceber uma falha – às vezes grave – produzida pelo velho jornalismo”.
A segunda lição: a web mostrou que os bastidores dos veículos tradicionais são mais humanos e, portanto, imperfeitos, do que pareciam ao público antigamente. Ficou mais fácil para o usuário perceber uma falha – às vezes grave – produzida pelo velho jornalismo. O fato de que os usuários possuem voz nas redes e de que podem utilizar ferramentas de busca para acessar dados e comprovar fatos de certa forma enfraqueceu a posição dos velhos jornais, até então únicos portadores das fontes informativas e da verdade. Sem dúvida, a internet colocou o velho jornalismo em cheque.
Mas, e o novo jornalismo? Vemos também, em meio à abundância de conteúdo digital, uma certa decepção do usuário com relação às redes sociais: achávamos que elas dariam voz a todos e que
melhorariam a qualidade dos debates e da democracia em geral, mas o que vemos hoje em dia é uma onda de fake news, truculência e polarização. A web alimentou nosso lado mais obscuro, e algumas plataformas digitais surfaram nessa onda, aproveitando-se dos nossos interesses fragmentados, dispersos e pouco aprofundados. E eis que surge o novo jornalismo, que consegue captar a atenção do usuário usando os recursos multimídia de forma criativa, que usa as plataformas digitais como ferramenta para a participação e, sobretudo, que coloca ordem e ilumina esse caos informativo que é a internet.
“A web sem dúvida ensinou algumas lições ao velho jornalismo. Mas o novo jornalismo tem muito ensinar à web”.
A informação produzida pelos jornais ainda é a principal criadora dos debates que circulam nas redes. O usuário, em momentos de dúvida, ainda recorre às marcas mais sólidas e confiáveis em momentos de decisões complexas. Sobretudo, o novo jornalismo mostra que fazer jornalismo não é tarefa fácil, e que nunca foi tão necessário como agora ter profissionais bem formados nesse setor. O novo jornalismo usa a web como meio, mas não se deixa contagiar pela euforia e ansiedade que ela provoca. Usa as redes sociais para ganhar mais projeção, mas não se deixa cegar pela ditadura do algoritmo. E são esses velhos e sólidos princípios éticos que o fazem tão necessário e tão saudável para a sociedade do século XXI.
A web sem dúvida ensinou algumas lições ao velho jornalismo. Mas o novo jornalismo tem muito ensinar à web.
*É diretor de programa e professor do Master em Leadership and Innovation in Contemporary Media na American University in Dubai (AUD). Nos últimos 11 anos, Pedro trabalhou em diversos programas de treinamento e desenvolvimento de profissionais da área de mídia. Atualmente, além da direção do programa, se dedica a pesquisa ligada ao uso de conteúdo em smartphones e consumo de fake news em países do Oriente Médio, além de conduzir estudos ligados a modelos de negócio das plataformas digitais e seu impacto em grandes grupos de mídia no mundo.