Adeus Itália, adeus pracinhas

Reportagem: Diego Antonelli.

Pesquisa: Diego Antonelli e Leandro dos Santos.

Parte 3:

Assista aos depoimentos dos pracinhas brasileiros sobre a viagem de retorno ao Brasil e como foi a recepção na terra natal.

O retorno dos pracinhas ao Brasil demonstrou que pouca coisa mudou nos oito meses em que as tropas brasileiras estiveram em combate. A total falta de planejamento persistiu até mesmo na desmobilização da Força Expedicionária Brasileira (FEB). Os cerca de 25 mil homens enviados ao front retornaram, entre os meses de julho e outubro de 1945, com muitas marcas físicas e psicológicas. Grande parte se viu colocada para escanteio pela sociedade. Deixados à sorte, alguns chegaram a virar indigentes.

O governo não se prestou a dar os menores cuidados a esses cidadãos que arriscaram suas vidas dentro e também fora do campo de batalha. Alguns ficaram cegos, outros mutilados e alguns se viram tachados de “loucos”, internados em hospitais e hospícios. A reintegração à sociedade era cada vez mais difícil.

A festa de papel picado ao desembarcarem no Rio de Janeiro e o desfile pelas ruas da então Capital Federal foram os únicos momentos de festejo dos chamados “veteranos de guerra”. O próprio Exército discriminou os soldados que voltaram da guerra. “A FEB foi praticamente destituída em alto-mar pelo governo federal”, ressalta a historiadora Carmen Rigoni, referência no assunto. Ela relata que os ex-combatentes foram defenestrados dentro da instituição. “Não podiam usar nem as medalhas que remetessem à guerra”, completa.

A FEB representava um novo episódio dentro da história militar brasileira, pois, em menos de um ano, tornou-se um exército mais preparado e capacitado do que aquele que permaneceu no país. Mesmo assim, a experiência em combate e o treinamento obtido para a 2.ª Guerra Mundial foram ignorados por grande parte dos oficiais.

A extinção da FEB em 1945 deixou os civis convocados para o front em situação ainda pior do que os parceiros militares. Reynaldo Pontarolli, civil convocado em 1943 e que atuou na artilharia das forças militares do Brasil, perdeu o vínculo assim que desembarcou no Brasil. “Quando chegamos no Rio de Janeiro, que nos recebeu com uma grande festa, fomos desligados do Exército”, conta.

Uniformes

Para piorar, eram raros aqueles que queriam empregar um ex-integrante das forças militares que estiveram na 2.ª Guerra. O preconceito falava alto. Um exemplo dessa situação é Eronides João da Cruz, 93 anos, e que esteve nos combates na Itália pela Força Aérea Brasileira (FAB).

Cruz relata que um mês depois da festa de recepção o que lhe restou foi um “pé no traseiro”. “Não quiseram usar as técnicas que aprendemos. O governo de Vargas tinha medo de ter um Exército experiente e que pudesse tirá-lo do poder”, afirma Eronides. A historiadora Carmen Rigoni confirma essa teoria. “O governo tinha medo de ser destituído pelos membros da FEB”, afirma. Mas nada que impedisse o regime ditatorial de Vargas de estar com as horas contadas. Após 15 no poder, o caudilho deixou a presidência do Brasil para retornar cinco anos depois, em 1950.

Até os oficiais do Exército que não foram para a batalha fizeram campanha contra os ex-combatentes. “Quem estava dentro do Exército sentiu inveja da participação dos pracinhas na guerra”, comenta Carmen. Os oficiais tinham ainda receio de ser ultrapassados por quem esteve na Itália.

Para Eronides, a guerra começou, de fato, quando chegou ao Brasil. “Ninguém queria saber de expedicionário. Não tinha emprego para ninguém”. Quando foi retornar para Santos, cidade onde morava, as forças militares deram a ele uma passagem de segunda classe em um barco. “Como eu, um homem que lutou na guerra, ia ver minha família numa condição dessas? Era muita vergonha para mim. E tudo que eu fiz lá?”, indaga. “Paguei do meu bolso, com o dinheirinho que tinha guardado, uma passagem de primeira classe”, lembra. Voltou para o Litoral Paulista e retomou a antiga profissão de comerciante. “Ofereci a minha vida pela pátria e é isso que recebi”.

Lentidão

Uniformes

Apenas entre as décadas de 1980 e 1990 é que se intensificou o processo de reconhecimento social dos “ex-combatentes” da 2.ª Guerra Mundial. Hoje, eles dispõem de uma pensão especial, com extensão do benefício a dependentes, além de assistência médica, hospitalar e educacional, também extensiva a dependentes. O valor desta pensão corresponde aos proventos de 2.º Tenente das Forças Armadas. Eronides da Cruz, por exemplo, que era comerciante e lutou na guerra hoje, tem a patente de 2.º tenente reformado.

Falta de comunicação

A guerra na Europa já tinha terminado, no dia 8 de maio, mas o pracinha Nery Corrêa do Prado ainda perseguia uma tropa de alemães nazistas na Itália. Não tinha chegado a informação de que a guerra cessara. “Nós atirávamos neles e eles atiravam em nós. Para a gente, o conflito continuava”, conta. De repente, os pracinhas se deram conta de que os moradores italianos saíam à rua gritando finito. “A guerra, enfim, tinha acabado”, recorda.

De folga pela Europa

Até o início de outubro de 1945, os cinco escalões da FEB já tinham retornado ao Brasil. Durante esse período de espera, posto que as batalhas na Europa cessaram em maio, muitos pracinhas aproveitaram as licenças e o tempo ocioso para conhecer algumas cidades próximas da região. De qual outra maneira os operários e comerciantes brasileiros colocariam os pés na Europa? Conheceram as cidades de Roma, o Vaticano, Pisa, Pompeia. Muitos pegavam carona para poder se deslocar.

Além disso, os italianos, que viviam uma situação econômica extremamente delicada, tornaram-se amigos dos pracinhas. “A gente dava dinheiro, comida. Até borra de café usada era bem-vindo para eles”, recorda Nery Corrêa do Prado.

Guerra continuou no Pacífico

Um ex-combatente partizan italiano relata como lutou contra as forças fascistas na Itália.

Em 8 de maio de 1945, quando Adolf Hitler já havia se suicidado, o que sobrou do alto comando alemão assinou a rendição à União Soviética, Estados Unidos, França e Reino Unido. Com a morte de Hitler, no dia 30 de abril, a rendição nazista era questão de tempo. No dia 8 o almirante alemão Karl Dönitz comunicou à população o fim do Terceiro Reich. Depois de cinco anos, terminava a Segunda Guerra na Europa.

Contudo, pelos lados asiáticos a guerra permanecia insistente. A Alemanha nazista formava o chamado Eixo, com outros países, como Japão e Itália. Essas nações eram combatidas pelas tropas aliadas (Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e, mais tarde, o Brasil).

Foi só nos dias 6 e 9 de agosto de 1945, com o bombardeio atômico , que o Japão se rendeu. O governo japonês assinou sua capitulação em 2 de setembro colocando em definitivo um ponto final numa das guerras mais sangrentas da História.

Depois do término da 2.ª Guerra, o mundo, como afirma o historiador Marcelo Scarrone, prendeu a respiração. “Duas potências que estavam do mesmo lado na guerra iniciaram a Guerra Fria que durou 40 anos: Estados Unidos e União Soviética. Havia a ameaça permanente de uma nova bomba atômica”, relata.

Após a 2.ª Guerra também foi criada a Organização das Nações Unidas, em 1948.

Pracinhas

Não há uma explicação oficial para a origem do termo “pracinha”. Por muito tempo, o ato do alistamento militar foi conhecido como “sentar praça”. O jovem alistado para compor a FEB passou a ser chamado de “pracinha”.

Americanização brasileira

O historiador da UFPR Dennison de Oliveira, que lançou recentemente o livro Aliança Brasil-EUA: nova história do Brasil na Segunda Guerra Mundial, afirma que o treinamento das tropas da FEB por equipes dos Estados Unidos representou a “americanização” do Exército Brasileiro. “A doutrina norte-americana era absoluta. A americanização do Brasil foi um grande objetivo do Exército norte-americano. Com a americanização vem, claro, a ideologia”, afirma.

Oliveira, que pesquisou documentos históricos sobre a aliança entre o Brasil e os EUA para seu pós-doutorado, afirma que o então ministro da Aeronáutica, Salgado Filho, era considerado “um homem incapaz de dizer ‘não’ ao governo dos Estados Unidos”. Um dos resultados de tal postura foi uma posterior monopolização norte-americana nos aeroportos do Brasil. “Após o fim da guerra, havia muitos técnicos competentes em outros países. Mas quando os Estados Unidos ofereceram 12 mil técnicos para atuar no Brasil, Salgado Filho topou na hora e descartou todas as outras possibilidades que poderiam vir da Europa”, ressalta.