Assista aos depoimentos dos militares brasileiros sobre como foram as batalhas brasileiras no front.
O frio de 20 graus negativos não dava trégua e os tiros de canhão ecoavam ininterruptamente por mais de 12 horas no norte da Itália. Era a quarta tentativa dos pracinhas brasileiros para tomar o Monte Castelo, ocupado por forças nazistas. No fim de 1944, os inexperientes soldados da Força Expedicionária Brasileira (FEB) tinham acumulado três derrotas consecutivas. Desta vez, a história seria diferente.
No dia 19 de fevereiro de 1945, soldados brasileiros galgavam as posições inimigas. As derrotas anteriores, em novembro, tinham mexido com o brio dos brasileiros. As batalhas tinham resultado em aproximadamente 400 mortos e feridos. Na noite do dia 20, a artilharia brasileira bombardeou os alemães posicionados na montanha, dando início à quarta tentativa. Nery do Carmo Corrêa estava lá, comandando um canhão. Como ele diz, “dormia no pé do canhão”. “A cada dois minutos atirávamos para não deixar ninguém dormir”, conta. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)
Apenas na quarta tentativa a FEB conquistou Monte Castello. A vitória foi fundamental para garantir a movimentação dos aliados pela Rota 64 e pelas estradas que ligavam Silla, Riola e Gaggio Montano. Fonte: "A FEB pelo seu comandante", do Marechal Mascarenhas de Moraes. (Infografia: Gazeta do Povo)
Na manhã do dia 21, três batalhões de infantaria da FEB receberam ordem de avançar para tomar o monte. Os alemães responderam e a batalha avançou tarde adentro. Sob uma chuva de morteiros nazistas, brasileiros e alemães se enfrentaram em combates corpo a corpo, usando submetralhadoras, pistolas e fuzis com baioneta. Somente às 17h50, o tenente-coronel brasileiro Emílio Rodrigues Franklin anunciou pelo rádio: "Castelo é nosso" Era a primeira e a mais simbólica vitória dos pracinhas na 2.ª Guerra Mundial. “A gente escutava o assobio da bomba e ficava esperando onde ela ia cair”, lembra Nery.
Não bastasse o teatro de operações de guerra, a tropa brasileira também enfrentou o inverno mais rigoroso dos últimos 50 anos na região. Medo e frio, inclusive, foram os maiores desafios dos pracinhas durante a 2.ª Guerra. “Depois que tomamos Monte Castelo, descobrimos corpos de brasileiros sepultados na neve”, revela Nery, um dos responsáveis pela artilharia da FEB. Membro da infantaria, Flávio Costa chegou a carregar um colega morto a um local abrigado para não deixar o cadáver do amigo ao léu. “Tinha missões ali que você sofria, mas tinha que cumprir”, relata.
Antes, ao desembarcar em solo italiano, eles já tinham se deparado com o que viria pela frente. A Itália estava totalmente dividida: de um lado, as forças aliadas; do outro, as tropas nazistas.
Nery Corrêa do Prado, que fez parte da artilharia da FEB, revela que o canhão usado pelos pracinhas só foi apresentado à tropa na Europa. Durante a campanha em Monte Castelo, Nery dormia de prontidão ao pé do canhão. “Depois da tomada do Monte, descobrimos corpos de brasileiros sepultados na neve”, relata. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)Uma noite enquanto Flávio fazia a ronda ouviu um barulho numa encosta próxima. Quando percebeu estava frente a frente com um soldado alemão de granada na mão. O pracinha tentou tomar o explosivo mas o invasor acabou caindo para trás, na queda a granada detonou. Flávio não se feriu, mas ficou horas com um zumbido nos ouvidos. (Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo)Modesto socorreu uma camponesa italiana que cortou o pulso enquanto colhia aveia. Depois do episódio ele se tornou amigo de sua família. Cinquenta anos depois, os pracinhas foram em excursão para a Itália e Modesto quis reencontrar a família. A senhora e o esposo já eram falecidos, mas seus filhos receberam o pracinha de braços abertos. (Foto: Hugo Harada/Gazeta do Povo)O “cappello alpino” de Giovanni Corso é seu companheiro inseparável há 70 anos. Apesar de não terem uniformes, os partisans italianos costumavam usar o tradicional chapéu militar com pena de águia. No século XIX ele fazia parte da indumentária dos soldados alpinos que defendiam as fronteiras italianas. (Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo)Membro da artilharia da FEB, Reynaldo Pontarolli conta que na 4.º tentativa as forças expedicionárias brasileiras conseguir tomar o Monte Castelo, na Itália. No dia 19 de fevereiro de 1945, veio a ordem para bombardear o Monte, ocupado por forças nazistas. “Até o dia 21 o bombardeio foi ininterrupto”, lembra. Ele participou também da batalha em Montese. Para Reynaldo, foi o combate mais remido, “onde morreu mais gente”. “Tinha muita casa”, diz. (Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo)Ari Schnaibel, 88 anos, lutou do lado do Exército alemão nazista durante a 2.ª Guerra. Ainda menino, com 18 anos, entrou no campo de batalha pela força aérea em 1944. “Não existe coisa mais estúpida que uma guerra”, lembra. Na época, ele tinha esperança que a situação virasse e a Alemanha pudesse sair vencedora. Se na época ele acreditava na política de Hitler, o tempo o fez ver a realidade de outro jeito. “Automaticamente fazia o que falavam. Não pensava sobre isso. Hoje é completamente diferente”. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)Sergipano de nascença e paranaense por adoção, Eronides Cruz, que integrou a FAB durante a 2.ª Guerra, conta que ao chegar na guerra teve a certeza de que o “pau ia comer”. “Não adiantava chamar a mãe”, brinca. As forças aliadas, segundo ele, perceberam a capacidade dos brasileiros nos combates. “Foram muitos elogios”. “A aviação, primeiro, destruía o que era possível para evitar que soldados morressem no solo”, relata. (Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo)
Outras vitórias
Após Monte Castelo, não tardou para que outras vitórias surgissem. Em 5 de março de 1945, foi a vez de Castelnuovo, com uma manobra tática de duplo ataque. No mês seguinte, na Batalha de Montese, os brasileiros derrotaram os alemães em um terreno íngreme e minado. Alguns pracinhas caracterizam essa batalha como a mais complicada. O expedicionário Reynaldo Pontarolli conta que lá muitas vidas foram perdidas – inclusive de moradores da localidade. “Tinha muita casa ali. A artilharia atirou pouco para não matar a população local”, conta. Das 1.120 casas que haviam na cidade, mais de 800 foram destruídas.
A vitória contra os alemães em Montese foi de grande importância para os aliados, a cidade era posição-chave na marcha em direção ao Vale do Rio Pó com o intuito de conquistar bolonha. Os pracinhas se deparam com um novo desafio: a batalha em área urbana. Nessa localidade foi abatido Max Wolff, paranaense de Rio Negro. Por sua bravura ele foi condecorado pelos norte-americanos com a Bronze Star. Fonte: "A FEB pelo seu comandante", do Marechal Mascarenhas de Moraes. Infografia: Gazeta do Povo
15 mil prisioneiros
Outro feito dos pracinhas que entrou para a história foi a detenção da 148.ª Divisão de Infantaria alemã, fazendo 15 mil prisioneiros, incluindo dois generais quando a guerra já rumava para o fim. A FEB encerrou a campanha na Itália como a única divisão daquele front a aprisionar uma divisão alemã inteira.
Joaquim Mayer, 89 anos, que era integrante da Polícia do Exército e cuidava dos prisioneiros, mantém viva a lembrança desse dia 29 de abril de 1945. “Eles se entregaram um por um. Tratamos cada um deles com respeito. Foi um alívio porque sabíamos que a guerra estava chegando ao fim”, conta.
Como começou a guerra
Um ex-combatente da força alemã conta como participou da guerra e opina sobre o regime nazista.
Uma guerra que durou três décadas, com cerca de 20 anos de trégua entre os principais atores envolvidos. Assim podem ser caracterizadas as 1.ª e 2.ª guerras mundiais (1914-1945). O historiador Marcelo Scarrone, pesquisador da Revista de História da Biblioteca Nacional, afirma que há elementos que justificam essa interpretação. “Há, basicamente, os mesmos atores envolvidos: Alemanha, Itália, França e Inglaterra, por exemplo. Além disso, havia feridas não resolvidas decorrentes da 1.ª Guerra”.
A Alemanha estava humilhada após ser derrotada na 1.ª Guerra. Em 1919, assinou um acordo com os países vitoriosos, chamado de Tratado de Versalhes. Neste acordo, o governo alemão teve de arcar com pagamento de reparações econômicas, militares e territoriais. “O país perdeu colônias. O seu Exército precisou ter um efetivo limitado”, relata Scarrone. O Tratado exigia que o exército alemão fosse limitado a 100 mil homens. Também restringia a marinha alemã a embarcações de menos de 100 mil toneladas. Além disso, a Alemanha foi proibida de manter uma força aérea.
Estima-se que a Alemanha perdeu 13% do seu território. Não bastasse isso, ao assinar o Tratado, a Alemanha assumiu toda a culpa pela 1.ª Guerra Mundial.
Uma das principais tarefas dos expedicionários foi romper a chamada Linha Gótica. A medida que os aliados foram avançando no território italiano os alemães foram recuando em direção norte. Na região dos Montes Apeninos eles fizeram uma barreira intransponível, repleta de casamatas. Nessa parte da história atuaram nossos pracinhas. Fonte: Defense Mapping Agency. infografia: Gazeta do povo.
A proposta de revisão do Tratado de Versalhes passou a ser uma das plataformas que forneceria aos partidos de extrema direita na Alemanha, inclusive ao Partido Nazista de Adolf Hitler, uma grande credibilidade junto aos eleitores.
Seis anos após se tornar chanceler da Alemanha, Hitler resolveu desafiar o Tratado de Versalhes e invadiu a Polônia no dia 1.º de setembro de 1939. “Esse foi o estopim para a chamada 2.ª Guerra Mundial, com resposta imediata da França e da Inglaterra”, conta Scarrone. A União Soviética também reagiu e invadiu o Leste da Polônia. No ano seguinte, a Itália do fascista Benito Mussolini entrou na guerra invadindo o Sul da França.
Pelos lados do Oceano Pacífico, os ímpetos imperialistas do Japão também provocaram confrontos bélicos intensos. “A política japonesa casou bem com a vontade imperialista da Alemanha e da Itália”, aponta o historiador. Ao atacar a base área de Pearl Harbor em 1941, os japoneses desencadearam o ingresso dos Estados Unidos na guerra.
No Rio de Janeiro os expedicionários tiveram um breve treinamento. Foi somente quando chegaram na Itália que eles entraram em contato com as armas que utilizariam. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Hugo Harada/GP)A FEB chegava na Itália através do porto de Nápoles. Depois seguiam em barcaças até o porto de Livorno, mais ao norte, onde caminhões norte-americanos transportavam os paracinhas até as respectivas bases militares. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Hugo Harada/GP)Os combatentes que não estavam no front de batalha ficavam no chamado "depósito de pessoal". A FEB se instalou na cidade italiana de Stafolli com um acampamento composto de milhares de barracas. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Aniele Nascimento/GP)A hora do "rancho" quando era servida a ração, termo militar usado para refeição. A ração operacional era servida 3 vezes por dia, fazia parte dela o tradicional "feijão com arroz" brasileiro. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Aniele Nascimento/GP)Além de lutar contra o Exército alemão os pracinhas também enfrentaram um inimigo implacável com o qual a maioria não estava habituado: o frio do inverno das montanhas dos Apeninos. (Foto: álbum família Regnier; reprodução Brunno Covello/GP)Os expedicionários podiam se deparar com nevascas que chegavam a acumular 50 centimetros de neve. Na foto, oficiais norte-americanos instruindo os pracinhas a como usar os esquis. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Hugo Harada/GP)Caminhões com suprimentos vindos do depósitos de La Pieve em dezembro de 1944. As fortes nevascas dificultavam a movimentação de veículos e de tropas. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Hugo Harada/GP)Soldados do batalhão de engenharia da FEB montando uma ponte móvel. Essas estruturas eram de grande importância para assegurar o deslocamento das tropas nos territórios bombardeados. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Hugo Harada/GP)Em uma guerra os constantes bombardeios obstruem ou até mesmo destroem as vias de transporte. Os soldados do batalhão de engenharia eram os responsáveis por garantir o fluxo de deslocamento das tropas e dos suprimentos. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Aniele Nascimento/GP)Outra atribuição do batalhão de engenharia era identificar e desativar minas terrestres. Após a verificação e a limpeza do terreno eram demarcados os trechos onde veículos e tropas podiam se deslocar com segurança. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Aniele Nascimento/GP)Expedicionários da artilharia na região de Monte Castello. Os artilheiros se posicionavam na retaguarda e abriam fogo na tentaiva de neutralizar o inimigo; com isso, os soldados da infantaria podiam avançar com menor risco de serem atingidos. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Aniele Nascimento/GP)A Linha Gótica sob controle alemão estava repleta de casamatas, fotificações subterâneas à prova de bombardeios. Destruir as casamatas, armadas de metralhadoras e canhões, foi um dos desafios dos soldados da FEB. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Jonathan Campos/GP)No front de batalha era fundamental o papel do padioleiro, responsável pelo transporte dos feridos em macas improvisadas de lona; as chamadas padiolas. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Hugo Harada/GP)Expedicionários do Serviço de Saúde durante atendimento. Os feridos mais graves de primeira urgência eram encaminhados para o 32º Hospital de Campo, em Valdibura, com capacidade de 25 leitos. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Hugo Harada/GP)Pracinhas sepultando soldado alemão no Cemitério de Pistóia, nele também foram enterrados nossos expedicionários. Na década de 1960 os restos mortais de brasileiros e alemães foram repatriados. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Jonathan Campos/GP)Os soldados da Força Aérea Brasileira (FAB) passaram por treinamentos no Panamá e nos Estados Unidos. Na foto, os brasileiros fazem uma brincadeira identificando sua barraca na Itália com placas que remetiam ao endereço do luxuoso hotel de Nova York "The Waldorf Astoria", na esquina da Park Avenue com a 49 Street. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Aniele Nascimento/GP)O técnico em armamentos, Eronides Cruz, com colegas na asa de um P-47 Thunderbolt. Os brasileiros pintaram nas aeronaves o símbolo do grupo, o avestruz com o jargão "Senta a pua!". (Foto: Eronides Cruz; reprodução Jonathan Campos/GP)Pilotos brasileiros que atuaram nos céus italianos. O pessoal da Força Aérea Brasileira (FAB) chegou na Itália pelo porto de Livorno; ficaram alojados em uma base aérea na localidade de Tarquínia. (Foto: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Aniele Nascimento/GP)À esquerda, o expedicionário Lauro Correia Regnier com colegas após atividades físicas. À direita, pracinhas em um restaurante de Florença que servia comida típica brasileira. Na parede, a ilustração bem humorada mistura a passagem de ano 1944/1945 com o desejo da vitória da FEB sobre o regime nazista. (Foto esquerda: família Regnier; reprodução Brunno Covello/GP. Foto direita: acervo Museu do Expedicionário; reprodução Jonathan Campos/GP)
Vidas vigiadas no Paraná
Perseguições, invasões, depredações, prisões e uma vida constantemente vigiada. Enquanto a 2.ª Guerra Mundial deixava cerca de 55 milhões de mortos na Europa e na Ásia, imigrantes e descendentes de italianos, alemães e japoneses habitavam seus próprios bunkers no Paraná. A situação era tão complicada que o dono da pastelaria chamada “Ton Jao”, no centro de Curitiba, colocou uma placa advertindo: Pastelaria de Chinês.
A revolta na população contra os países do Eixo se estendeu às pessoas originárias daquelas nações. Em março de 1942, 10 mil pessoas se reuniram na Praça General Osório reverberando palavras contra o nazismo e, em seguida, saíram pelas ruas depredando todo tipo de estabelecimento que pertencesse aos alemães, italianos ou japoneses.
Depois que o Brasil declarou guerra ao Eixo, o governo federal determinou que todo comércio de imigrantes dessas etnias fosse fiscalizado. Os rádios foram lacrados para não sintonizar emissoras estrangeiras.
Muitos se viram intimados a comparecer a uma das Delegacias de Ordem Política e Social (Dops). Foram detidos todos aqueles que falassem seu idioma natal e possuíssem rádios, armas, revistas ou livros em outro idioma que não o português. Na capital do estado, a polícia chegou ao cúmulo de apreender até almofadas bordadas com as cores da bandeira germânica.
Depredação
Em Curitiba, alguns clubes pertencentes aos estrangeiros foram ocupados e alguns tiveram seus nomes trocados, adequando-se à nova ordem. O Clube Concórdia foi entregue à Cruz Vermelha; o Clube Rio Branco, ao Tiro de Guerra n.º 19. Diversas associações de etnias que “formavam” o Eixo foram pilhadas.
Antes dessa intervenção, alguns clubes étnicos se viram alvo de ataques populares, a exemplo da Sociedade Garibaldi. O consulado do Japão na capital do estado – inaugurado em 1938 – foi fechado em 1942 por determinação do Estado. No Clube Concórdia, que reunia descendentes alemães, 2.893 livros foram apreendidos até 1945.