De improviso na maior das guerras

Reportagem: Diego Antonelli.

Pesquisa: Diego Antonelli e Leandro dos Santos.

Parte 1:

Assista aos depoimentos dos militares brasileiros sobre os momentos que antecederam a chegada à Itália.

O Brasil entrou na guerra mais sangrenta da história no improviso. Ao decidir enviar tropas para a 2.ª Guerra Mundial, o governo brasileiro se deparou com a falta de estrutura do seu Exército. Com equipamentos ultrapassados, treinamento deficiente e roupas inadequadas para os 20 graus negativos do inverno europeu, os pracinhas brasileiros desembarcaram na Itália sem ter a noção do que era uma guerra. Metade do corpo militar enviado para combater as forças nazistas era composto por civis que nunca haviam pegado em armas.

Passados 70 anos, as lembranças de um dos maiores conflitos bélicos da história que alterou a geopolítica mundial ainda fervilham na memória dos sobreviventes. Situações impossíveis de serem esquecidas pelo paranaense Reynaldo Pontarolli, que durante quase oito meses esteve nos campos de batalha da 2.ª Guerra.

Com apenas 24 anos, ele regressou à terra natal no dia 6 de agosto de 1945, justamente a data em que a primeira bomba atômica foi arremessada pelos Estados Unidos na cidade japonesa de Hiroshima. Três dias depois, outra bomba atômica – a Fat Man – caiu sobre Nagasaki. Eram os últimos atos de uma batalha que insistia em continuar pelos lados do Pacífico. Na Europa, os conflitos cessaram em maio daquele ano. De setembro de 1939 a agosto de 1945, a 2.ª Guerra ceifou a vida de cerca de 55 milhões de pessoas.

Convocado em 1943, Pontarolli, assim como grande parte dos que se aventuraram pelo norte italiano, não tinha experiência militar. Ele era um dos quase 49% dos 25 mil pracinhas brasileiros que eram civis e enfrentariam as forças nazistas sem o menor preparo.

Ao final da guerra, o Brasil registou 443 mortos e cerca de 3 mil feridos. O Paraná contribuiu com 1.542 combatentes, dos quais 28 morreram. Segundo a doutora em História Cultural Carmen Rigoni, 2,5 mil brasileiros sofreram mutilações sérias e ficaram sob cuidados intensos em hospitais dos Estados Unidos.


O governo brasileiro declarou guerra em agosto de 1942 e a partida do primeiro navio de brasileiros para a Itália se deu apenas em 2 de julho de 1944. A demora em enviar tropas visava, justamente, a formação de um corpo militar.

Em julho de 1943, após uma convocação geral, três mil voluntários se apresentaram, mas metade foi reprovada em exames físicos e sanitários. A saída foi uma convocação compulsória. Grande parte dos ‘recrutados’ era oriunda das classes trabalhadoras, como operários, agricultores e pequenos comerciantes.

Despreparo

Familiares dos pracinhas brasileiros contam como era o contato e a ansiedade pelo retorno de seus combatentes.

O pouco tempo de preparo – cerca de um mês – foi só um dos problemas enfrentados pelos expedicionários antes de rumarem para a Itália. “Os brasileiros aprenderam de fato a guerrear na Europa, junto com os americanos”, confirma Carmen.

Para se ter uma ideia, o único batalhão da América do Sul que lutou contra as forças da Alemanha nazista teve apenas um espaço para a realização das instruções. Dos três centros de treinamento militar previstos, apenas o do Rio de Janeiro foi efetivado.

Exemplo deste período é o pracinha – termo usual à época – Joaquim Mayer, hoje com 89 anos, morador de Curitiba. “Não tinha instrução especial alguma para a guerra. Só a normal que o Exército brasileiro fazia na época”, relata. Natural do Rio Grande do Sul, Mayer conta que o Brasil não tinha sequer material específico para encarar uma guerra. “Fomos conhecer as armas na Itália”, completa.

O Exército brasileiro não atentou nem sequer para as temperaturas abaixo da marca dos 0ºC que os soldados iriam enfrentar no inverno europeu. Ao chegar no Velho Continente, os tecidos finos dos uniformes de brim tiveram que ser substituídos pelas roupas americanas, mais quentes e adaptadas para o conflito.

Intensivo

Os pracinhas ainda tiveram de passar por um treinamento intensivo de 15 a 20 dias com os norte-americanos para se adaptar ao novo armamento. “Os canhões de instrução aqui no Brasil eram da 1.ª Guerra. Quando chegamos na Itália, os americanos haviam mandado canhões novos. Manusear canhão era coisa complicada, existiam vários níveis e tivemos de nos adaptar”, relata o pracinha Nery Corrêa do Prado, 91 anos.

Ao chegar no porto de Nápoles, após 15 dias de viagem, Nery e os demais pracinhas pressentiram o que estava por vir. O porto se encontrava todo devastado, com diversas carcaças de embarcações abatidas. Tiveram de caminhar por cima dos destroços para chegar até a margem. Não havia mais dúvida: a “cobra ia fumar”.

Sob pressão, Brasil aderiu à guerra

O Brasil só declarou guerra aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) três anos depois do início dos confrontos. Até então, declarava-se neutro, posto que o governo de Getúlio Vargas mantinha fortes ligações comerciais com a Alemanha. O torpedeamento de navios brasileiros somou-se à pressão norte-americana, que estava do lado dos Aliados (com França, Inglaterra e União Soviética).

De 1941 até 1943, 33 navios brasileiros afundaram decorrentes de ataques dos países do Eixo, motivando a população ir às ruas no Rio de Janeiro cobrando um posicionamento de Vargas. Estima-se que 971 brasileiros morreram em virtude desses ataques.

Durante todo esse período, o governo brasileiro sofreu fortes pressões dos Estados Unidos para permitir às tropas norte-americanas o uso de portos e aeroportos do Norte-Nordeste, considerados fundamentais para a defesa do continente.

De 1941 até 1943, 33 navios brasileiros afundaram decorrentes de ataques dos países do Eixo

Como barganha, o presidente Vargas aproveitou para obter dos Estados Unidos a promessa de reaparelhamento das Forças Armadas brasileiras e de construção de uma grande usina siderúrgica, a Companhia Siderúrgica Nacional, em Volta Redonda. Até aí, ressalta a historiadora Carmen Rigoni, a FEB não tinha sido montada. Vargas, enfim, declarou guerra em agosto de 1942.

No início de março de 1943, Vargas aprovou proposta do ministro da Guerra, general Eurico Gaspar Dutra, sugerindo a criação da força expedicionária. O próprio símbolo adotado pela FEB, um escudo com o desenho centralizado de uma cobra fumando cachimbo, surgiu como uma provocação aos que diziam ser mais fácil uma cobra fumar do que o país entrar na guerra.

O historiador Dennison de Oliveira, da UFPR, ressalta que o projeto de mandar as tropas para guerra é brasileiro. “Os Estados Unidos não queriam. Para eles, bastava o apoio formal. Isso reforçaria que os Estados Unidos lutariam pelas Américas”, revela.

Quando as tropas brasileiras desembarcaram na Europa, em junho de 1944, grande parte do Velho Continente estava ocupado pelas forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). Nesse período, as Forças Aliadas (Estados Unidos, França e Inglaterra) já tinham ocupado parte da Itália. Nessa época, a França ainda estava ocupada por forças nazistas.

Senta a Pua

Cerca de 400 homens da Força Aérea Brasileira (FAB) chegaram à Itália para participar do “teatro da guerra”. Ao contrário dos integrantes da Força Expedicionária Brasileira, a preparação para o combate incluiu treinamentos fora do país. Os pilotos embarcavam para a Escola de Táticas Aéreas, em Orlando, nos Estados Unidos, enquanto o pessoal de terra — composto pelas equipes de mecânicos e especialistas em armas — embarcava para a base de Halbrook Field, no Panamá. Ao terminar o curso, os pilotos também seguiram para o Panamá. Durante os treinos, surgiu o grito de guerra “Senta a Pua!”, uma gíria da época que significava “mete bala”.