Guerra do Paraguai

Adiós, Paraguai!

Reportagem: Diego Antonelli.
Fotos: Marcelo Andrade.
Parte 4:

Ao invadir a capital paraguaia no dia 1.º de março de 1869, as tropas brasileiras não pensaram duas vezes e ocuparam o Palácio de los López, onde hoje é a sede do poder executivo. A bandeira brasileira chegou a ser hasteada no alto de um dos prédios mais imponentes de Assunção. Essa foi uma das primeiras ações do Império Brasileiro, que ficou no país por quase sete anos.

Imagem ilustrativa do Palácio de los López invadido por tropas brasileiras
Imagem ilustrativa do Palácio de los López invadido por tropas brasileiras

Ao longo desse tempo, a barbárie assombrou os sobreviventes do país vizinho. Como relata o historiador da Universidad de Asunción Herib Caballero, o cemitério municipal teve suas tumbas profanadas em busca de bens preciosos sepultados com os cadáveres e espaços comerciais foram saqueados. Ao longo deste período, a falta de comida castigou e matou os paraguaios. Aliada à miséria, mulheres eram estupradas e crianças chegaram a ser sequestradas. “As crianças eram sequestradas por soldados brasileiros e argentinos e enviados como ‘presentes’ para servirem como escravos ou ainda eram colocados preços para resgate”, conta Caballero.

Soma-se a isso a morte de pelo menos 80% da população masculina do Paraguai. “A força produtiva daquela época morreu”, afirma o membro da Academia Paraguaia de História, Eduardo Nakayama. Este fato, por si só, dificultou a recuperação econômica e social do país vizinho.

Monumentos de Assunção

Gráfico - Dívida de guerra do Brasil

Caballero, no entanto, é cuidadoso ao responsabilizar só a guerra pelas dificuldades atuais que vive o Paraguai. “Não podemos continuar culpando a guerra pela situação atual. Era fato que o país estava se modernizando e foi interrompido pela guerra, mas os males não podem ficar restritos ao conflito.” Mesmo porque, por exemplo, quase 60 anos depois do término da batalha, o Paraguai se envolveu em um novo confronto, dessa vez contra a Bolívia, na Guerra do Chaco.

Mesmo assim, a “Guerra da Tríplice Aliança” – cuja “culpa” recai sobre os quatro países envolvidos, segundo Caballero – retorna com certa facilidade à lembrança dos paraguaios. Quando o Paraguai foi suspenso do Mercosul em 2012, por exemplo, os periódicos de Assunção fizeram analogia com a guerra iniciada há 150 anos, alegando que um bloco estaria sendo formado contra o país. “Dependendo dos momentos, a guerra está aí. É uma recordação muito recente”, salienta o historiador.

Por isso, tanto Nakayama quanto Caballero são enfáticos ao afirmar que a Guerra do Paraguai significa uma ferida aberta para os paraguaios. Ainda mais que dentro da visão histórica nacionalista costuma-se apregoar que o baixo desenvolvimento paraguaio é culpa exclusiva da guerra. “O problema foi a quantidade de mortos. Uma sociedade que perde tudo isso de população é muito golpeada e demora para se recompor. Mas é insuficiente para explicar a realidade do país”, ressalta.

Vitorioso

O historiador Ricardo Salles afirma que se Solano López ganhasse a guerra, o Paraguai ficaria com as regiões que estavam em litígio com Brasil e Argentina (parte do Mato Grosso e Misiones). “Mas ele não declarou a guerra nem invadiu a Argentina por isso, e sim para socorrer o governo uruguaio”, ressalta. A invasão paraguaia no Mato Grosso foi uma estratégia também para se apoderar do território, obter recursos e porque era uma região de fácil acesso e sem muitos riscos.

Fausto no Panteão dos Heróis

Imagem - Fausto Martinez Gonzalez, 72 anos
Fausto Martinez Gonzalez, 72 anos

Ao pé da estátua de Solano López, no Panteão dos Heróis, em Assunção, Fausto Martinez Gonzalez, 72 anos, parece imaginar seu bisavô no campo de batalha. “Ele lutou no conflito, mas não sei dizer se morreu no combate. A guerra foi um desastre que não tinha sentido”, desabafa. Por coincidência, Fausto é natural de Cerro Corá, cidade onde Solano López foi assassinado. “A presença da luta dele pelo Paraguai é forte na cidade”, diz. O aposentado acredita que o líder paraguaio é uma personalidade controversa. “Ele é um nome histórico e é um herói nacional para muitos. Prometeu não entregar o país e lutou para isso até a morte. Mas ele poderia ter evitado algumas mortes.”

Imagem - Manchete do Jornal - 70% da população paraguaia morre

Segundo o historiador Francisco Doratioto, há estudos que estimam que as perdas paraguaias na guerra variaram de 8,7% a 70% da população. Ele aponta os dados divergentes devido ao número de habitantes do Paraguai no pré-guerra. A estimativa varia de 285.715 a 450 mil pessoas. Ou seja, teria sido de 28.286, no mínimo, a 278.649 o número de mortes de paraguaios ao fim dos cinco anos de guerra. Muitos paraguaios dados como desaparecidos emigraram para Argentina ou Brasil. Vale ressaltar que crianças também foram usadas para encorpar as tropas paraguaias. No entanto, o pesquisador e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro Ricardo Salles acredita que os dados mais confiáveis apontam que os paraguaios devem ter perdido cerca de 270 mil pessoas. “As outras estimativas para baixo são irreais”, pontua.

Gráfico - Saldo de Mortos - Os números mais precisos dão conta de que quase 400mil pessoas, entre militares e civis, foram mortas na batalha Gráfico - Saldo de Mortos - Os números mais precisos dão conta de que quase 400mil pessoas, entre militares e civis, foram mortas na batalha

Outros países

Doratioto escreve que o Uruguai participou da guerra com cerca de 5,5 mil soldados. Ao fim do conflito morreram cerca de 3,1 mil. Já a Argentina, que contava no início com 30 mil homens, sofreu uma baixa estimada de 18 mil soldados. Dessa forma, é impossível contabilizar um número exato de mortos durante a “Guerra da Tríplice Aliança”. A mortes brasileiras são estimadas entre 50 mil e 100 mil.

Saldo negativo

Nos anos de guerra, o Império Brasileiro dedicou-se integralmente ao combate. Estima-se que foram gastos 614 mil contos de réis na luta (11 vezes o orçamento governamental para o ano de 1864). Os gastos com o Ministério da Guerra saltaram de 21,9% em 1864 para 49,6% no ano seguinte. Nos demais anos de conflito mantiveram-se porcentagens acima de 41%.