Erva-mate - O ouro verde do Paraná

Alfredo Andersen. Óleo sobre tela. Acervo Museu Oscar Niemeyer

Por entre florestas, barbaquás e engenhos

Reportagem: Pollianna Milan e Leandro dos Santos.

Pesquisa: Leandro dos Santos.

Veja um antigo engenho de soque da Herva Legendária

Uma carta régia de 1722 permitia que o Sul da Capitania de São Paulo (nesse caso, o Paraná) estabelecesse relações com a Colônia do Sacramento (pertencente a Portugal, hoje uma cidade uruguaia). Assim, os jesuítas ampliaram o comércio da erva-mate para os países latino-americanos. Após a expulsão dos padres da Companhia de Jesus em 1767, a erva voltou a ser direcionada para o consumo interno.

O cenário mudou em 1813, quando o ditador paraguaio José Gaspar Rodríguez de Francia estabeleceu uma política de isolamento e proibiu a exportação da erva-mate para Buenos Aires e Montevidéu. Era o que faltava para Paraná conseguir alavancar a produção.

Em 1820, o argentino Don Francisco Alzagaray chegou a Paranaguá em busca de erva-mate. Ele introduziu novas concepções de beneficiamento da planta e de fabrico. Em 1834, Curitiba ganhou, pelo coronel Caetano Munhoz, o primeiro engenho de soque, o Engenho da Glória, que foi comprado, quase meio século depois, por Francisco Fasce Fontana.

Quando o Paraná se emancipou de São Paulo, em 1853, o primeiro presidente da província, Zacarias de Góes de Vanconcellos, proibiu a mistura de outras plantas com a erva-mate, pois dificultava a comercialização. O auge da exportação ocorreu entre 1856 e 1857 – a maior parte ia para Argentina, Uruguai e Chile. Nessa época, existiam cerca de 15 engenhos apenas na capital do estado. Em 1878, Francisco Camargo Pinto, retornando a Curitiba depois de cursar Engenharia Naval na Inglaterra, trouxe inovações industriais no beneficiamento da erva-mate e aplicou no engenho Tibagy, pertencente ao Barão do Serro Azul, o maior produtor da época.

Despenhadeiros e precipícios

“O caminho volta a ser transitável até o lugar Boa Vista, assim denominado porque dali se desvenda grande parte da planície que se percorrera antes de chegar à Serra. Nas proximidades de Boa Vista o caminho é talhado na própria montanha, numa profundidade de quase quatro metros, e a passagem é tão estreita que os animais a atravessam roçando a carga em ambos os lados do corte. Em seguida, começa a aparecer em frente um dos picos mais altos da Serra, ao qual deram o nome de Marumbi e cujas encostas, descendo quase verticalmente, em muitos lugares são formadas de rochas despidas de vegetação. À medida que caminhamos, a estrada vai-se tornando cada vez mais horrorosa; em muitos lugares foi ela escavada profundamente; tem alguns pés de largura e é coberta pelos ramos das árvores, privando o viajante da luz do sol. Ora são atoleiros de onde os muares são desatascados dificilmente; ora são esses animais obrigados a dar saltos de muitos pés de altura, porque o terreno muda subitamente de nível. Em muitos lugares fizeram-se estivados a fim de impedir que as bestas de carga atolem; elas, porém, escorregam nos paus roliços e úmidos, e correm a cada instante o risco de cair. (…) O pior trecho em toda a extensão do caminho é aquele em que começa a descida; tem ele o nome de Cadeado. O declive aí é bastante acentuado; as árvores, estendendo os seus ramos sobre a estrada cavada abaixo do nível do solo, deixam-na mergulhada em quase completa escuridão; anda-se por cima de pedras escorregadias e os muares são forçados, a cada instante, a atirar-se para a frente com a sua carga.”


August de Saint-Hilaire, em Viagem à comarca de Curitiba (1820)
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A Serra do Mar, por seu relevo acidentado, foi uma grande barreira no fluxo de mercadorias até o litoral. Em 1873 a Estrada da Graciosa é concluída permitindo a utilização de carroças para o transporte. Até então as mulas que andavam pelos caminhos no meio da mata. A maior mudança ocorreu em 1885 com a inauguração da estrada de ferro até Paranaguá, obra-prima concebida pelo engenheiro brasileiro de ascendência negra Antônio Reboucas Filho. Confira um trecho do diário de Auguste de Saint-Hilaire descrevendo sua passagem pela Serra do Mar no início do século 19.

Das matas ao além-mar

O beneficiamento da erva-mate começava pouco depois da colheita. Veja como era feito até meados do século passado:

No Erval

A colheita era feita entre março e agosto. Os galhos eram cortados na diagonal, de baixo para cima,com facões, foices e tesouras. O melhor horário era pela manhã, depois que o sol secou o sereno, para que as folhas não ficassem úmidas. A árvore precisava de dois anos para se restabelecer. O transporte era feito em carroças ou no lombo de burros.

No mesmo dia da colheita era feito o sapeco: os galhos e folhas eram passados rapidamente pelo fogo, para perderem um pouco de umidade e evitar a fermentação das folhas. Além disso, o calor fixa a cor e o aroma.

A fogueira era feita com lenha seca e não resinosa, para não fazer muita fumaça. O trabalhador se protegia atrás de uma pilha de troncos.

No barbaquá

Os antigos barbaquás eram estruturas de madeira onde ocorriam as etapas de secagem e de cancheamento (trituração dos ramos secos). No século 19 os ramos eram triturados com facões e porretes em cima de um couro de boi. Alguns barbaquás tinham instalações separadas para as duas etapas. Clique nos números e confira como funcionava um barbaquá antigo:

Ensacamento, engenho e exportação

A erva já cancheada, embalada em sacos ainda no barbaquá, era encaminhada para o beneficiamento mais apurado em engenhos de Curitiba. De início, os engenhos concentravam-se no litoral, próximos aos portos, antes de serem construídas a Estrada da Graciosa e a linha férrea.

1 - Porto Vitória

De Porto Vitória a Porto Amazonas: esse percurso de 320 km era feito por barcos a vapor que alcançavam 12 km/h rio acima e 18 km/h rio abaixo, a viagem podia levar mais de 24 horas. O transporte fluvial facilitou o escoamento da producão do Centro-Sul do Paraná.

2 - Porto Amazonas

De Porto Amazonas a Curitiba: trens eram utilizados para transportar a erva-mate cancheada até os moinhos em Curitiba e, também depois, para os portos do litoral do Paraná. Algumas empresas contavam com ramais ferroviários que iam até dentro dos moinhos.

3 - Curitiba

Nos engenhos da capital a erva era triturada em moinhos de soque que funcionavam por meio de polias e esteiras, peneirada e acondicionada em barricas de pinheiro com rótulos impressos em litografia. Depois disso as barricas eram transportadas de trem até portos do litoral.

4 - Portos

De Curitiba para os portos: as barricas iam de trem até os portos, de onde embarcavam, na sua maioria, para mercados sulamericanos como Argentina, Uruguai e Chile.

O feudo Larangeira

Em 1895 a Matte Larangeira chegou a explorar uma área de 5 milhões de hectares, o que equivale a 50 mil km2 – igual a um quarto da área do Paraná. Confira por onde se estendiam seus empreendimentos.

Em 1870, depois de seis anos de conflito, acaba a Guerra do Paraguai e o governo do Império do Brasil incumbe uma comissão para demarcar a fronteira entre nosso país e o Paraguai. Thomaz Larangeira, ex-combatente da guerra, fornecia os mantimentos para as expedições demarcadoras. Durante as andanças, Larangeira observou a presença de extensos ervais nativos na região da atual fronteira entre Paraná e Mato Grosso do Sul. Percebendo que se tratava de um negócio em potencial Thomaz se associou ao comerciante português Francisco Mendes Gonçalves e, em 1877, passa explorar a planta na região da cidade paraguaia de Concepción. Em 1882 surge então a Empresa Matte Larangeira. Um decreto imperial dava a Thomaz e ao sócio a concessão para a explorar os ervais.

Dez anos depois, Thomaz Larangeira deseja vender a concessão da empresa para o Banco Rio Branco e Mato Grosso, da família Murtinho. No entanto, o contrato de concessão impedia a venda a terceiros. Desse modo, surge a Companhia Matte Larangeira, com 96% das ações dos Murtinho e o restante a Thomaz.

Em 1895 a Companhia Matte Larangeira detém uma área de 5 milhões de hectares. Tornou-se um dos maiores arrendamentos de terras devolutas do Brasil.

A empresa argentina Francisco Mendes e Cia, da qual Thomaz Larangeira também fazia parte, compra a parte do Banco Rio Branco no ano de 1904. Surge então a Larangeira Mendes e Cia. Em 1909 o escoamento da produção muda de Porto Murtinho para Porto Mendes, junto ao rio Paraná.

Em 1943, o presidente Getúlio Vargas cria os Territórios de Ponta Porã e de Iguaçu e anula a concessão da Larangeira Mendes e Cia. No entanto, somente em 1947 que a empresa suspende definitivamente suas atividades de exportação no rio Paraná.

O patrimônio

  • mais de 800 carroças que tinham disponíveis mais de 18 mil cabeças de boi para fazerem o transporte da erva-mate a partir dos ervais;
  • dezenas de embarcações faziam o transporte fluvial do produto;
  • duas ferrovias auxiliavam no escoamento da produção: uma de 22 km em Porto Murtinho e, outra de 50 km de Guaíra até Porto Mendes, no trecho não navegável do Paraná devido às Sete Quedas. Possuía também veículos a gasolina;
  • a empresa construiu uma pequena usina de energia elétrica para abastecer o complexo. Também dispunha de ramais telefônicos;
  • para a manutenção da infraestrutura havia serrarias, oficinas e carpintarias. Para suporte aos trabalhadores criou hospital, escolas, farmácia e armazéns.

Como funciona hoje

Confira o processo de secagem lento que o barbaquá Taquaral utiliza

O processo de beneficiamento da erva-mate evoluiu ao longo dos seus quase duzentos anos de história no estado. Contudo, as indústrias que processam a erva-mate ainda usam termos de antigamente como barbaquá e cancheamento.

Os barbaquás de hoje fazem o processo de sapeco, secagem e cancheamento no mesmo local.