Erva-mate - O ouro verde do Paraná

Alfredo Andersen. Óleo sobre tela. Acervo Museu Oscar Niemeyer

Dos engenhos brota uma economia fortalecida

Reportagem: Pollianna Milan e Leandro dos Santos.

Pesquisa: Leandro dos Santos.

Em fins do século 19, Curitiba começou a se tornar agitada com a proliferação de serrarias e de exímios tanoeiros que montavam barricas para armazenar o mate vindo dos engenhos. A demanda só aumentava nas fundições, responsáveis pela fabricação de aduelas de metal para as barricas. Faltava a comunicação visual que informasse, de maneira atraente aos olhos do consumidor, o nome do engenho e a marca do produto. Surgiram, então, oficinas de litografia que imprimiam rótulos elaborados e chamativos. Grande parte dos artistas eram imigrantes alemães. A oferta de emprego cresceu, com opções para trabalhar como carroceiro ou, ainda, nos barcos a vapor que cruzavam o Rio Iguaçu. O comércio sentiu o impacto da agitação econômica.

O engenheiro André Rebouças não se preocupou apenas em criar a estrada de ferro Curitiba-Paranaguá. Atento ao que acontecia ao redor, ele culpou os surrões (bolsas) de couro – usados para transportar e expor a erva-mate – como um dos motivos do fracasso da aceitação do produto nas exposições europeias. “Não se vai a um baile com a mesma roupa que se vai ao campo”, comparou o engenheiro, como consta no livro “História econômica do mate”, de Temístocles Linhares. Foi aí que Rebouças teve a ideia de colocar a erva em caixetas de pinho, mais apresentável para a exportação e com um rótulo artístico que a identificava.

Foi um imigrante que confeccionou a primeira barrica do Paraná que serviria de molde para tantas outras. Como o produto era comercializado a granel, elas ajudaram a melhorar a exposição para a venda nos armazéns: ficavam em pé, com a marca à mostra.

Arte nas barricas

Como as barricas tinham tamanhos diferentes, foi preciso inventar algo que conseguisse ajustar facilmente os rótulos. Foram feitas bordas ornamentais coloridas que contornavam o desenho, como se fossem um rendado. Um rótulo poderia ter diversos círculos que formavam a borda, assim, eles poderiam ser cortados para que o rótulo se ajustasse ao tamanho da tampa da barrica. Um mesmo engenho poderia ter diversos rótulos, alguns até em espanhol, pois exportava para localidades que faziam exigências sobre a especificação dos produtos.

Sem a assinatura dos artistas, ficou quase impossível identificar a autoria. Sabe-se, contudo, que o artista plástico Alfredo Andersen, por exemplo, além de pintar quadros representando a cultura do mate, também criou alguns layouts para marcas. “Como grande parte dos litógrafos eram alemães, eles desenhavam para o rótulo uma indígena ou uma bela mulher, figuras baseadas no que era o ideário do imigrante. A indígena pintada, por exemplo, é uma visão idealizada. Aparecem também desenhos de índios fortes com a ideia de representação de que eles eram grandes porque bebiam mate”, explica Rosemeire Odahara Graça, autora da monografia “A litografia em Curitiba”.

O final de um ciclo

Em fins do século 19, a Argentina levou mudas de erva-mate na busca por ter plantações da árvore no próprio território. Nos anos 1920, os argentinos já se encaminhavam para a autossuficiência na produção, forçando o Paraná a reduzir consideravelmente as exportações. No entanto, o pior ainda estava por vir: em 1929 ocorreu o crash da Bolsa de Nova York e o mundo todo entrou em recessão. O ciclo da erva-mate mergulhou numa crise e se iniciou um novo ciclo econômico no estado: o curto reinado da madeira. Na década de 1940, o café entrou em cena. O mate não perdeu espaço de uma hora para outra, mas passou a atuar como coadjuvante na economia paranaense.

As embalagens

Rótulos da erva mate

Um mesmo engenho de mate poderia ter diversos rótulos, pois exportava a erva para localidades distintas. As importadoras exigiam que a barrica fosse com o rótulo da marca da sua região, isso explica a existência de rótulos de mate feitos no Paraná escritos em espanhol. O rótulo era colocado na tampa da barrica, como havia barricas de diferentes tamanhos o rótulo precisava ser ajustável a fim de que não fosse necessário ter impressões diferentes. Por isso bordas ornamentais concêntricas emolduravam o desenho, como se fossem um rendado. Quando o diâmetro da barrica era pequeno bastava ir recortando as bordas até que o rótulo se ajustasse à tampa da barrica.


Este rótulo mede originalmente 22 cm e é do fabricante Emilio von Linsingen & Cia, da cidade de Rio Negro. Ele apresenta aspectos de linguagens artísticas que tiveram auge entre o final do século 19 e o início do 20. (Foto: Antonio More/GP; Acervo do Museu Paranaense)

Caixas

Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva Legendária.

Até a primeira metade do século 20 o hábito de tomar chá preto era para poucos, devido ao seu custo. As famílias mais simples resolveram então inovar: pegaram a erva-mate que utilizavam para chimarrão e a tostaram com brasas do fogão à lenha. Os ervateiros observaram a nova forma de consumo que as pessoas criaram e passaram a produzir erva-mate tostada para ser consumida como chá. O chá-mate tostado vinha em caixinhas feitas de madeira, metal ou papel cartão. Algumas do início do século passado eram ricamente ornamentadas, podendo ter textos em outros idiomas.

Pacotes

Na segunda metade do século passado a erva-mate deixou de ser vendida a granel. Os antigos rótulos litográficos que ficavam ao lado da barrica de erva-mate mostrando a marca do produto foram desaparecendo. A erva de chimarrão passou a ser comercializada em pacotes de papel com 500 g a 1 kg do produto. Na década de 80 o Paraná chegou a exportar pacotes de erva-mate para a Síria.

Como eram impressas

Em sua maioria os artistas gráficos que imprimiam os rótulos de erva-mate eram alemães. A litografia era a técnica de impressão empregada por eles.

Os alemães foram a principal mão-de-obra da litografia no Paraná no início do século 20, eles foram os que mais estiveram envolvidos na produção de rótulos de erva-mate. Por volta de 1930, quando as impressoras gráficas começam a trabalhar com o offset boa parte desses imigrantes foi demitida. Muitas pedras litográficas foram quebradas para que estes artífices não conseguissem continuar trabalhando com litografia, fazendo concorrência à nova tecnologia de impressão. “Algumas pessoas trabalharam, depois, na recuperação destas pedras e no resgate da técnica. Mas os alemães já estavam bem velhinhos e também havia um código de ética entre eles, que era falar apenas em alemão nas fábricas. Por isso é uma técnica que se perdeu, que poucos sabem fazer”, conta Rosemeire Odahara Graça, autora da monografia “A Litografia em Curitiba” , professora FAP.

A erva-mate é apresentada ao Velho Continente

Os barões da erva-mate tentaram disseminar o hábito de consumo da planta na Europa. Para isso participaram de exposições universais e internacionais apresentando o novo produto vindo dos trópicos.

Logo que chegou a notícia à Inglaterra de que na América Latina consumia-se erva-mate em cuia e bomba — e que isto poderia representar uma ameça à cultura do chá das cinco naquele país — os ingleses trataram de denegrir a imagem do chimarrão. Diziam que era anti-higiênico o consumo do mate por várias pessoas em uma única bomba e que isso propagaria diversas doenças.

Francisco Fasce Fontana e Agostinho Ermelino de Leão estavam na lista dos maiores ervateiros do Paraná. Assista ao depoimento de seus descendentes relatando um pouco da trajetória das duas ervateiras.

Se a campanha fez efeito, não se sabe, mas a primeira exposição internacional que teve a erva-mate sendo divulgada entre outros produtos, em Londres (em 1862), acabou não refletindo em um possível consumo de mate naquele país. Foi a porta aberta, porém, para se propagar a cultura ervateira. "No século 19 aconteceram diversas exposições universais, a primeira foi esta da Inglaterra. Depois veio aquela que inaugurou a Torre Eiffel em Paris [1889]. Elas tinham por finalidade oferecer ao mundo uma grande vitrine de tudo o que se produzia nos mais diversos países", explica a historiadora Cassiana Lacerda.

Numa dessas grandes exposições, o desembargador Ermilino de Leão ofereceu aos presentes, em um coquetel, o licor de mate, que já havia sido provado e aprovado pelo imperador D. Pedro II e que agradava pelo paladar doce.

Francisco Fasce Fontana e Agostinho Ermelino de Leão estavam na lista dos maiores ervateiros do Paraná. Assista ao depoimento de seus descendentes relatando um pouco da trajetória das duas ervateiras.

Há registros de que o mate do Paraná participou de exposições em Viena (1873), Amsterdã (1884) e, em 1885, em duas exposições nas proximidades de Paris (Vincernnes e Saint-Maur), segundo registro do livro "Vida material, vida econômica" da Coleção História do Paraná.

Os ervateiros do Paraná também tiveram sua participação nas exposições internacionais da Europa, evento que se assemelhava às exposições universais.