O início de uma tradição
Reportagem: Pollianna Milan e Leandro dos Santos.
Pesquisa: Leandro dos Santos.
Foi por um erro de percurso que a erva-mate ganhou o nome científico, em 1820, de Ilex paraguariensis, dado pelo botânico francês August de Saint-Hilaire. Ele teve contato com a árvore primeiramente no Paraguai, mas depois se retratou em um livro, hoje guardado em uma biblioteca de Paris. O naturalista reconheceu que seria mais adequado tê-la chamado de Ilex brasiliensis. Pois descobriu, posteriormente, que era no Brasil, em grande parte no território hoje do Paraná, que a erva-mate era nativa em maior quantidade e melhor qualidade.
É debaixo dos galhos das araucárias que os ervais se desenvolvem. A vastidão mateeira, que chamou a atenção do botânico francês, já havia atraído os olhares de outros visionários. O ouvidor Rafael Pires Pardinho, que estava em Curitiba por volta de 1721 para criar um código de posturas para a cidade, registrou em seus diários, com um século de antecipação, o que seria a grande possibilidade econômica da região. Foi o primeiro produto de exportação do Paraná.
Origem
Datam de mil anos antes da Era Cristã os primeiros achados de erva-mate, moída com outros objetos em oferendas funerárias de sepulturas pré-hispânicas, no Peru, segundo relata Fredericindo Marés de Souza em A origem do chimarrão. Não há dúvidas de que tribos indígenas faziam uso da erva-mate. Sabe-se que ela era consumida, em infusão ou mascada, em diversas outras tribos além dos Guaranis, como pelos ameríndios (Incas e Quíchuas) e também por Caingangues que estavam na região onde hoje é o Paraná.
Foi pelo contato do homem branco com os índios que o costume de beber mate se propagou. Essa interação também explica a origem de algumas palavras. Do guarani surgiram expressões como congonha (de caá, depois congoin [em tupi], que significa erva-mate, mato); cuia (de caigua); carijo (de cari, local onde se colocam os galhos da erva para secar ao calor do fogo) e tererê (do guarani jacubi, que era mate de água fria). Do tupi surgiu a palavra barbaquá (buraco onde a erva era colocada para secagem). Do quíchua foi herdado o nome mate (era mati, porongo onde colocavam a erva para beber).
Proibição
Nem sempre o consumo foi socialmente aceito. Nas Reduções Jesuítas no Paraná e no Paraguai, no início do século 17, os padres proibiram o uso. Acreditavam que era erva do diabo, alucinógena. Mas não tardou para que os missionários percebessem que os índios, sem o mate, aumentaram o consumo de bebidas alcoólicas, com consequente piora do desempenho no trabalho. Logo, os padres não só liberaram o uso da erva-mate como também passaram a consumí-la: era revigorante. Em uma cuia com uma bombilha de taquara, a erva em infusão servia de consolo para as gélidas madrugadas paranaenses. E foi além. Virou fonte de negócio aos jesuítas, que a vendiam, inclusive, para exportação. Os padres missionários também elaboraram, ainda que parcamente, algumas técnicas para a colheita e cultivo da planta.
Os bandeirantes, ao invadirem as reduções em busca de índios para escravizar, expandiram o hábito de beber o mate. Antes, ainda no século 17, o general espanhol Domingos Martínez Irala, ao entrar em contato com os indígenas da região da atual cidade de Guaíra, difundiu a bebida para os povoados espanhóis onde hoje é o Paraguai.
A lenda da erva-mate
Os índios Guaranis construíam aldeias, nas quais ficavam em média quatro anos. Depois migravam para outro lugar. Um velho guerreiro, sem forças para acompanhar a tribo nas constantes mudanças, decidiu ficar vivendo sozinho em uma tapera na mata. Yari, sua filha mais nova, para ficar junto do pai, abriu mão de continuar na tribo e constituir família.
Um dia apareceu na velha tapera um pajé que buscava um lugar para descansar. Como foi muito bem recebido, o pajé, que na verdade era enviado do deus Tupã, concedeu um desejo ao pai. O ancião pediu que ele pudesse voltar a ter forças para que não mais atrapalhasse a vida de Yari.
O pajé deu ao velho uma planta de folhas muito verdes. As folhas deveriam ser secadas ao fogo e trituradas para fazer uma infusão energizante.
Yari, por ter abandonado seu futuro para cuidar do velho pai, ganhou a imortalidade. Ela foi transformada em uma frondosa árvore de erva-mate (caá-yari) que, depois de cortada, volta a brotar e a florir com o mesmo vigor. Assim, se tornou a deusa dos ervais.
A planta
“ILEX PARAGUARIENSIS” é o nome científico da erva-mate, usada pelos índios Guaranis antes da chegada dos europeus. Muitos ervais nativos ficavam próximos da mata de araucárias, a outra planta do brasão do Paraná.
A árvore
O clima subtropical é o mais adequado para o desenvolvi-mento da planta, cuja árvore pode atingir de 7 a 15 metros de altura. O que favorece:
Clima
- chuvas regulares e bem distribuídas durante o ano;
- temperatura média de 15° a 21°C;
- geadas
Solo
- boa profundidade (mais de 1 metro);
- boa permeabilidade;
- boa fertilidade natural.
Classificação
O botânico francês August de Saint-Hilaire foi o primeiro a classificar a planta, em 1820. Ele teve contato com a árvore no Paraguai e depois observou os ervais nativos da Fazenda Borda do Campo nos arredores de Curitiba. No passado, a fazenda pertenceu aos padres jesuítas.
Benefícios da erva-mate
É comprovado cientificamente que a erva-mate apresenta alguns benefícios à saúde. Ela é:
- estimulante. Atua beneficamente sobre o tecido nervoso e muscular;
- diurética, útil nas moléstias da bexiga;
- estomática, facilitando a digestão;
- sudorífica, auxiliando na cura de constipações;
- um auxílio para amenizar a fadiga cerebral e depressões, pois contém cafeína;
*O consumo da erva-mate ajuda o organismo a conservar energia e poupar gastos do organismo.
Fonte: Jorge Mazuchowski, engenheiro agrônomo da Emater-PR.
Valor alimentício da erva-mate
O que há em 100 gramas da erva-mate:
Composição | Valor mínimo | Valor máximo |
---|---|---|
Proteínas | 8,30 g | 13,45 g |
Carboidratos | 9,70 g | 14,18 g |
Amido | 2,56 g | 6,63 g |
Glicose | 1,30 g | 6,14 g |
Fibras | 14,96 g | 19,95 g |
Observação: o valor mínimo e o máximo dependem da idade de quem a consome e da qualidade da erva.
Tradição indígena torna-se produto de exportação
Para os índios o ato de tomar chimarrão vai além de ser um mero costume, relaciona-se especialmente com a vida espiritual da tribo. No interior do Paraná a erva-mate também está servindo como geração de renda para duas aldeias que estão exportando a planta para os Estados Unidos.
É em um puxadinho de chão batido feito com galhos de árvores que a índia guarani Márcia Pires de Lima, de 34 anos, se enche de orgulho para falar da tradição do pai em tomar chimarrão: “Meu pai, até hoje, prepara a própria erva para o chimarrão”. Sentados em um banco em frente a uma fogueira que fica acesa desde o clarear do dia até o anoitecer, ela e o marido, Knomi Gabriel Tupã, de 27 anos, aquecem a água em uma chaleira já queimada pelo fogo e ajeitam, em meio à fumaça, a erva na cuia.
Os cuidados que o casal tem no preparo do chimarrão fazem parte de uma tradição que passa de geração em geração. À espera do primeiro filho, os moradores da Aldeia Koenjo-Porã, que fica em uma reserva indígena na cidade de Turvo, região Central do estado, aprenderam com os pais que chimarrão bom é aquele moído na hora e com água aquecida em fogueira de chão.
A tradição de tomar chimarrão não é exclusividade da família de Márcia e Gabriel. Foram os índios guarani e caingangue que iniciaram essa prática, muito antes da chegada dos europeus ao extremo sul americano. Por muito tempo, o consumo da Caá-i (água de erva saborosa) foi restrito apenas a membros importantes das tribos como caciques e pajés.
Os índios extraíam a erva-mate nativa e cortavam os galhos formando pequenos feixes. Depois de sapecar a erva em uma fogueira, ela era socada em um pilão de pedra ou madeira e armazenada para consumo. Nos primórdios, a comunidade indígena usava um porungo para misturar a erva-mate à água e uma espécie de pele fina de madeira para sorver a bebida.
Como forma de agradar os ‘visitantes’, os índios passaram a oferecer o chimarrão e a cultura de tomar a Caá-i se espalhou.
Tradição que virou lucro
Em Turvo, as comunidades guarani e caingangue transformaram a tradição em uma forma de ganhar dinheiro. Os índios dessas duas tribos estão em uma área territorial que possui muitos pés nativos de erva-mate. Eles aproveitaram essa abundância natural para aumentar a renda das famílias.
A extensão da área, cerca de 12 mil hectares, e a quantidade de árvores de erva-mate nativa chamaram a atenção de empresas que trabalham com produtos orgânicos. Hoje, as aldeias Koenjo-Porã (guarani) e Marrecas (Caingangue) exportam para a Guayaki Yerva Mate, que tem sede na Califórnia, Estados Unidos.
De toda a erva-mate exportada pelas comunidades indígenas de Turvo para os Estados Unidos, 35% é transformado em chimarrão, o restante é usado na fabricação de bebidas.