Alfredo Andersen. Óleo sobre tela. Acervo Museu Oscar Niemeyer
O ritual do chimarrão
Reportagem: Pollianna Milan e Leandro dos Santos.
Pesquisa: Leandro dos Santos.
No começo do século 20, o hábito de tomar mate se espalhou na elite, principalmente da Região do Prata, transformando em algo luxuoso o simples ato de beber a infusão. As mulheres se reuniam para tomar mate e ostentavam às visitas as cuias adornadas com pedras e feitas de ouro e prata. Havia cuias produzidas em vidro e louça. As de porcelana pintada eram usadas principalmente para tomar mate com leite em vez de água. Acreditava-se que tal combinação estimulava a lactação.
A chaleira também era requintada, de cobre importado da Catalunha ou de prata encomendada de Lima – esta última foi usada como precursora da garrafa térmica, pois as mulheres jogavam brasas dentro do recipiente, mantendo a água quente, segundo relata Newton Carneiro em “O mate nas artes luso-brasileiras”. Muitas casas também passaram a ter móveis próprios para a hora de tomar chimarrão (cadeiras e mesas mais baixas, adornadas com folhas de mate esculpidas na madeira). Outro utensílio criado foi uma espécie de estojo para armazenar a erva-mate pronta para consumo. Eram verdadeiros porta-joias. Carneiro descreve que artistas e ourives aplicaram seus dotes para desenvolver utensílios e móveis para a tradição mateira.
Apetrechos
Dois objetos são imprescindíveis para o preparo do chimarrão: a cuia e a bomba.
Tipos de bomba
Antigamente a bomba era revestida em ouro, na crença de que o metal eliminaria micróbios.
Origens da bomba
Os índios Guaranis usavam uma bomba de taquara, a tacuapi (tacuá: cana oca; api: alisada). Somente prestava a parte entre os nós.
Nos séculos 17 e 18, artesãos que trabalhavam com os jesuítas desenvolveram bombas de metal. Usavam latão e alpaca para as mais simples, e ouro e prata para as mais elaboradas. As de latão esquentavam muito.
Bomba com coador esférico e haste ornamentada. Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família LeãoBomba com coador esférico e haste ornamentada. Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família LeãoEsta bomba tem um bocal inusitado, em forma de pássaro. Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família LeãoO bocal desta bomba é banhado à ouro, antigamente tinha-se a crendice no ouro os micróbios não se desenvolviam. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva LegendáriaBomba do tipo "mola". A mola funciona como o "coador" das bombas tradicionais: ela cobre a extremidade da bomba por onde a água entra. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva LegendáriaBomba do tipo "mola". Esta bomba apresenta um "raspador" para auxiliar na remoção da erva. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva LegendáriaBomba com coador em formato de calota esférica. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva LegendáriaBomba com coador em formato de calota esférica. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva LegendáriaBomba indígena: de taquara, é semelhante a que os índios guarani usavam; era chamada de tacuapi (tacuã: cana oca; api: alisada). Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva LegendáriaEsta bomba, também de taquara, tem um coador rudimentar trançado com palha. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva LegendáriaDe origem paraguaia, esta bomba tem uma face de índio esculpida na haste e acabamento em metal. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva LegendáriaBomba de chimarrão tradicional com suas três partes: coador, haste e bocal. A haste das bombas, em sua grande maioria, apresenta ornamentos. Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família LeãoBomba de chimarrão tradicional com suas três partes: coador, haste e bocal. A haste das bombas, em sua grande maioria, apresenta ornamentos. Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família Leão
A cuia
Antes chamada de mate, a cuia é feita com um porongo, fruto de uma planta rasteira. Há vários tipos de cuia, de acordo com o formato do porongo e com o acabamento. O mais tradicional é o “pescoço” ou “beiço”.
Como o porongo vira cuiaCorte do porongo.
Para ser utilizada pela primeira vez, a cuia precisa ser curtida ou curada.
Encha a cuia com uma mistura de erva-mate, cinza vegetal e água quente;
Deixe por dois ou três dias para impreg-nar as paredes do porongo. A erva dá o gosto, e a cinza aumenta a resistência;
Enxágue com água quente. À medida que ela vai sendo usada, os mates vão ficando melhores.
A curiosa estrutura metálica (esquerda) permite que se tome o chimarrão sem a necessidade de uma bomba com coador, ela faz o papel dele. O acabamento em alumínio da cuia da direita foi feita pelo próprio dono. Foto: Antonio More/GP; Coleção Fernando Fontana.Aparatos de porongo para chimarrão: um recipiente para guardar a erva (esquerda) e uma pequenina jarra (direita) para colocar água fria na erva da cuia durante o preparo da bebida. Foto: Antonio More/GP; Coleção Fernando Fontana.Cuias chilenas de metal: uma antiga de prata e outra de cobre, réplica de modelos antigos. Foto: Antonio More/GP; Coleção Fernando Fontana.Antigamente acreditava-se que tomar chimarrão com leite quente estimulava a lactação da gestante. Foram criadas cuias pintadas de porcelana para serem usadas pelas mulheres. Foto: Antonio More/GP; Coleção Fernando Fontana.Pequena cuia chilena com motivos andinos (direita). Também foram usados chifres na confecção de cuias (esquerda). Foto: Antonio More/GP; Coleção Fernando Fontana.Motivos florais também serviam como inspiração na ornamentação das cuias. Foto: Antonio More/GP; Coleção Fernando Fontana.Cuia chilena de madeira (esquerda) com acabamento em prata. Pequena cuia de porongo também com acabamento em prata (direita). Foto: Antonio More/GP; Coleção Fernando Fontana.Esta cuia tem a peculiaridade de ter a bomba embutida nela. A inveção é curiosa, mas a facilidade para limpá-la é algo que pode-se contestar. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva Legendária.Pequena cuia revestida com couro tingido (direita). Cuia uruguaia, caracterizada pelo pequeno tamanho e pequena boca (esquerda). Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva Legendária.Cuia de porcelana usada pelos comerciantes de erva-mate que tomavam chimarrão nela para sentir o verdadeiro sabor do mate (direita). Conta-se que a cuia da esquerda pertenceu a João Gualberto, que foi presidente da província do Paraná. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva Legendária.Pequena cuia de porongo com primitiva bomba de taquara, semelhante a que os guaranis usavam (esquerda). Algumas pessoas customizavam suas cuias colocando o nome nela (direita). Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva Legendária.Cuias com pegadores laterais. A cuia toda em metal tem o inconveniente de ficar muito aquecida ao ser colocada a água quente. Foto: Antonio More/GP; Coleção Herva Legendária.Duas cuias com pegadores adornados: a metálica da esquerda tem um soldado segurando um rifle; a da direita, revestida com couro, tem uma ave. Note nesta última que há o brasão do Paraguai entalhado no couro. Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família Leão.As duas cuias utilizam porongos de formato achatado fixados em pedestais de prata. Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família Leão.À esquerda, cuia com acabamentos metálicos inspirados em aves. A cuia da direita diferencia-se por ser feita em cerâmica e ter uma tampa em metal. Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família Leão.A ostentação dos ornamentos para as cuias foi tamanha que chegou a utilizar esculturas (foto da esquerda). As valiosas cuias de prata também serviam para mostrar o poder aquisitivo das famílias abastadas (foto da direita). Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família Leão.Alguns modelos de cuia lembravam os cólices eucarísticos usados nas missas católicas. Foto: Aniele Nascimento/GP; Coleção Família Leão.
A roda de chimarrão
A tradição de tomar chimarrão envolve familiares e amigos. No final das contas o mate acaba sendo um pretexto para as pessoas se encontrarem para conversar. Apreenda com uma animada roda de chimarrão como preparar a bebida e anote algumas dicas para não cometer nenhuma gafe na hora de tomar o mate.
Boas maneiras
Segundo tradição da época colonial, o primeiro mate é de quem o preparou, para mostrar que o chimarrão não foi envenenado. O segundo mate é da pessoa mais velha ou de alguém a quem se queira homenagear.
Use a mão direita para receber ou entregar o chimarrão, caso contrário desculpe-se.
Beba o mate até “roncar” (o barulho que a cuia faz quando fica sem água).
Não agradeça ao receber o chimarrão. Faça isso caso esteja satisfeito e não queira mais.
Se for necessário ajeitar a bomba ou a erva, quem deve fazer isso é a pessoa que preparouo chimarrão.
A erva-mate
De acordo com a sua composição final a erva-mate, depois de cancheada e industrializada, pode ser classificada em três tipos:
Chimarrão “medicinal”
Para fins terapêuticos ou apenas para acrescentar sabor diferente à bebida, muitas pessoas colocam plantas medici-nais entre a parede da cuia e a erva-mate, no espaço que é preenchido com água quente. Veja algumas opções:
Problemas digestivos e cólicas: boldo, camomila, erva-doce, macela, poejo e hortelã;
Tosse: guaco e poejo;
Calmante: camomila, erva-cidreira e hortelã;
Contra infecções: malva;
Reumatismo: aroeira;
Diurético: pata-de-vaca;
Vermífugo: hortelã;
Pedra nos rins: quebra-pedra.
Receitas
Sorvete
Ingredientes:
1 litro de leite
1 e ½ xícara de açúcar
1 colher (sopa) de liga neutra
1 colher (chá) de gordura para sorvete
2 colheres (sopa) de pó de erva-mate peneirada
Modo de preparo
Comece fervendo o leite. Misture o pó de erva-mate e quando estiver frio coloque no liqüidificador. Acrescente o açúcar e a liga. Bata por três minutos. Coloque numa travessa rasa e leve ao freezer. Deixe por quatro horas até congelar. Corte em cubos e bata na batedeira. Em seguida acrescente a gordura. Troque o garfo por um mais fino e continue batendo. Bata até ficar cremoso e volte a colocar no freezer até poder formar as bolas de sorvete.
Mousse
Ingredientes
3 colheres de sopa de erva-mate
1 lata de creme de leite (sem soro)
1 lata de leite condensado
250ml de água
1 pacote de gelatina sem sabor
1 colher de sopa de óleo
Gotas de baunilha
Modo de Preparo
Leve ao fogo a erva-mate com a água até ferver. Depois coe o caldo e imediatamente dissolva a gelatina nele. Junte a mistura com os demais ingredientes e bata tudo no liquidificador. Coloque a mistura final em uma travessa e a deixe na geladeira por seis horas.
Licor
Ingredientes
Meio pacote de erva-mate beneficiada
Açúcar a gosto
2 copos de cachaça
Modo de preparo
Ferva a erva-mate com um pouco de água. Deixe esfriar. Coloque o caldo da erva-mate frio em uma garrafa com a cachaça (em maceração). Depois de uma semana, coe a erva-mate que ficará depositada no fundo da garrafa. Faça em uma panela um caldo com açúcar (a gosto) e despeje dentro da garrafa onde está a erva-mate e a cachaça. Está pronto.
Bolo
Ingredientes
50 g de amendoim torrado e moído
1,5 xícara de açúcar refinado
200 ml de leite de coco
4 ovos
½ xícara de leite
2 xícaras de farinha de trigo
1 sachê de fermento em pó
½ xícara de farinha de milho
100 g de manteiga em temperatura ambiente
½ xícara de erva-mate
½ xícara de água
Modo de preparo
Coloque a erva de molho em ½ xícara de água, deixe inchar enquanto ferve o leite e o leite de coco. Assim que ferver, junte com a erva e deixe esfriar.
Depois, deixe passar em uma peneira até obter 1,5 xícara de líquido. Bata as claras em neve e reserve. Bata bem as gemas com a manteiga e o açúcar, até ficar cremoso e clarinho. Fora da batedeira, junte o líquido preparado com a erva-mate e o amendoim, misturando bem. Acrescente a farinha de trigo peneirada com o fermento. Misture até ficar lisinho. Adicione delicadamente as claras em neve e coloque em uma forma, tipo assadeira retangular média, untada e polvilhada. Se preferir, use uma forma de orifício central.
Leve ao forno levemente pré-aquecido e asse em temperatura média até dourar, aproximadamente por 45 minutos. Deixe esfriar o bolo e coloque uma cobertura de chocolate branco.