Um esforço contra os acidentes
Reportagem: Mauri Konig.
Parte 4:
Nos últimos três dias, a Gazeta do Povo tem revelado a dimensão das perdas humanas e econômicas do Brasil com acidentes de trabalho: 5 milhões de ocorrências em sete anos, com saldo de 19,5 mil mortos e 101 mil inválidos. Os níveis alarmantes, com tendência de alta ano após ano, têm levado entidades da classe empresarial a liderar iniciativas para conter essa tragédia mais letal do que epidemia no país. O princípio é elementar: todo acidente de trabalho pode ser evitado.
Frente às estatísticas que não recuam, o Sesi Paraná mudou o foco da sua campanha anual de prevenção de acidentes de trabalho. Não só ao trabalhador, agora fala de forma direta e incisiva ao empresário, numa linguagem que ele entende. Traz para dentro da empresa a realidade da morte dos funcionários, o impacto nas suas finanças, os danos à imagem corporativa. Uma empresa gasta entre R$ 60 mil e R$ 90 mil só no primeiro ano de afastamento de um funcionário acidentado.
O valor inclui a complementação salarial, os encargos sociais, o pagamento do substituto, o custo para treiná-lo. Considera ainda que a ausência do trabalhador afeta a produtividade da empresa, não importa o tamanho. Esse valor, uma estimativa a partir do Anuário Estatístico do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), revela que investir em prevenção de acidentes e de doenças laborais é a forma mais eficiente de evitar gastos, além de serem medidas que favorecem o rendimento laboral.
O superintendente do Sesi no Paraná, José Antonio Fares, aponta um problema de gestão decorrente dos acidentes. “Se o industrial não coloca esse tema no planejamento, não gerencia e não controla os índices, ele não sabe quantos dias de falta por doença e por acidente cada trabalhador teve, o que torna impossível mensurar o custo. É dinheiro que está indo embora sem que o administrador da empresa perceba”, diz.
Fora isso, quanto mais acidentes numa empresa, maior é a alíquota de tarifação do Fator Acidentário de Proteção (FAT), que custeia acidentes e doenças do trabalho, bem como aposentadorias especiais. Não bastasse isso, as empresas estão sob constante vigilância. “Nunca houve um nível de cobrança como agora”, aponta Fares sobre a legislação cada vez mais austera sobre as empresas, a fiscalização mais rigorosa, a atuação dos sindicatos.
São esses esclarecimentos que o Sesi tem levado ao empresariado. Só no ano passado, os programas de segurança e saúde no trabalho do Sesi atenderam 258 mil trabalhadores de 5.394 empresas com 236 mil consultas ocupacionais e quase um milhão de exames de auxílio diagnóstico realizados nas suas unidades fixas e móveis. Não à toa o Sesi no Paraná tornou-se destaque nacional na prestação de serviços nessa área.
O que se pretende é convencer os empresários que é mais barato prevenir do que remediar, embora a princípio possa parecer custoso adotar medidas de segurança e prevenção de doenças e acidentes. Mas esse investimento compensa, a partir de um exemplo que o próprio Sesi usa como arma de convencimento. É o caso de um frigorífico condenado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) a indenizar em R$ 10 milhões por danos morais coletivos um grupo de trabalhadores por irregularidades relacionadas ao ambiente de trabalho excessivamente frio.
App permite denúncia on-line de irregularidades laborais
O Ministério Público do Trabalho (MPT) lançou um aplicativo para receber flagrantes de irregularidades trabalhistas via smartphone. O MPT Pardal está disponível para Android e logo terá a versão para iOS. A denúncia via app assegura o sigilo de quem denuncia e garante a automática autuação de processo eletrônico de investigação em qualquer das 125 unidades do MPT no Brasil.
A tecnologia desenvolvida pelo próprio MPT fortalece a integração com órgãos públicos responsáveis pela constatação direta ou indireta de irregularidades prejudiciais ao trabalhador, sobretudo em temas como os trabalhos infantil e escravo e riscos no meio ambiente de trabalho, pontua o procurador do Trabalho Luís Fabiano de Assis, presidente da Comissão de Gestão do MPT Digital.
O MPT Pardal requer o envio de uma imagem, vídeo ou som, acompanhados da descrição da irregularidade. Entre as vantagens da ferramenta, destacam-se a coleta imediata de provas que acompanhem a denúncia o registro geográfico da ocorrência.
A Polícia Rodoviária Federal é a primeira a usar o app em caráter experimental, de forma a agilizar e fortalecer com provas visuais a constatação de irregulares trabalhistas graves com as comumente encontradas por policiais rodoviários no seu dia-a-dia, como exploração sexual comercial de menores de idade, trabalho escravo e transporte irregular de trabalhadores em estradas.
Justiça dá a trabalhador o direito de "demitir a empresa"
A Justiça concedeu o direito à rescisão indireta do trabalho a um funcionário do frigorífico da Sadia, em Toledo (PR), que desenvolveu doença devido às condições ergonômicas inadequadas na linha de corte de suínos. Ficou comprovado no processo que a Sadia não alterou as funções do empregado mesmo após o agravamento da doença no ombro esquerdo, provocada por movimentos repetitivos.
A rescisão indireta está prevista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) quando ocorre falta grave do empregador, permitindo ao empregado romper o contrato de trabalho com o direito às verbas rescisórias de uma despedida sem justa causa, inclusive quanto à multa de 40% do FGTS.
A Justiça também decidiu que a Brasil Foods, controladora da marca Sadia, deverá indenizar o trabalhador em R$ 6 mil por danos morais. A 5.ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho do Paraná entendeu que a empresa deu causa à rescisão indireta ao não tomar providências para garantir um ambiente de trabalho seguro. Ainda cabe recurso.
Contratado em 2003 para a função de operador de produção, o empregado trabalhou por dez anos no corte de suínos, executando todos os dias, em pé e em mobiliário inadequado, cerca de 1.080 flexões no ombro, sempre com esforço de manuseio de cargas entre 1 quilo e 16 quilos. Desenvolveu tendinopotia do supraespinhoso do ombro esquerdo, que causou incapacidade temporária para o tipo de serviço executado.
Mesmo informada sobre o agravamento das condições de saúde, a Brasil Foods não alterou as funções do empregado, que em 2004 ajuizou ação na Justiça do Trabalho pedindo rescisão indireta e indenização por danos morais. Na contestação, a empresa disse não ter sido comprovada a falta grave e ressaltou que uma suposta inobservância de condições ergonômicas e normas de saúde e higiene não são causas de descumprimento contratual.
Com base na prova pericial, o juiz Fabricio Sartori, da 1.ª Vara de Toledo, concluiu que o ambiente de trabalho foi a causa da doença. E destacou ainda que a Brasil Foods não observou a Norma Regulamentadora 17 do Ministério do Trabalho quanto ao mobiliário adequado para executar os serviços com segurança. Para o juiz, a falta da empresa foi "grave o suficiente de forma a impedir a continuidade do vínculo de emprego".
A 5.ª Turma do TRT-PR confirmou a decisão de primeiro grau. Segundo o juiz convocado Sérgio Guimarães Sampaio, relator do acórdão, a rescisão indireta "justifica-se pela existência de condições laborais inadequadas a configurar risco à saúde do empregado já anteriormente acometido por doença do trabalho".