Reportagem: Leandro Luiz dos Santos e Diego Antonelli. Parte 3:
A partir de 1885, após a inauguração da ferrovia, a configuração urbanística de Curitiba foi se alterando rapidamente. A região da estação que outrora foi local ermo rodeado de pântanos passou a ser centro fabril e comercial.
Ao mesmo tempo em que a criação, em 1885, da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba abria um importante canal de desenvolvimento econômico e social para a capital da província do Paraná, a ferrovia também exigiria a criação de uma infraestrutura adequada para receber os trens, com seus passageiros e cargas vindos do Litoral. No entanto, a conclusão da estação – situada no prédio histórico onde funciona hoje o Shopping Estação – só ocorreria em fevereiro daquele ano, quase um mês após a primeira viagem “oficial” da linha. Quando a primeira composição chegou a Curitiba, em 19 de dezembro de 1884, o terminal de embarque ainda estava em obras.
O pesquisador Edilberto Trevisan destaca que logo no início das obras dois locais foram cogitados para sediar a estação. Um ficava na área onde de fato o terminal foi construído e o outro ficava no chamado Campo dos Schmidlin, onde atualmente se encontra a Rodoferroviária. Contudo, este último foi descartado na época por ser úmido e sujeito a inundações, pois estava próximo ao Rio Belém.
A estação era uma reprodução de similares italianas de baixo custo: térrea, com linhas simples, três portas para acesso dos passageiros e um relógio no alto da fachada. Ainda faziam parte da estação oficinas de manutenção, abrigos para locomotivas e vagões e um reservatório de água para abastecer as marias-fumaças.
Com a abertura da estação, tiveram início as atividades do trecho ferroviário entre Curitiba e Paranaguá, trazendo para a capital avanço tecnológico e econômico. A antiga Estação Ferroviária foi construída em um terreno que ficava afastado do centro de Curitiba na época. Porém, com os avanços proporcionados pelas ferrovias, a região em torno da estação teve um rápido crescimento, com a abertura de hotéis, restaurantes e cafés.
Pavimentos
Utilizando as mesmas fundações e paredes, a estação foi reinaugurada em 1894 com dois pavimentos. Segundo o documento de tombamento do prédio pelo Patrimônio Estadual, o projeto da estação coube ao engenheiro de origem italiana Michelangelo Cuniberti. O movimento de passageiros possibilitou o surgimento das linhas de bondes de mulas, hotéis e pensões na redondeza. A região onde hoje está o bairro Rebouças tornou-se a área fabril da capital, com destaque para as fábricas beneficiadoras de erva-mate, caso da Matte Leão.
O prédio da primeira estação de Curitiba na época da construção da estrada de ferro. (Foto: Marc Ferrez/Biblioteca Nacional)
Rua Leitner, atual Barão do Rio Branco, com a estação no final da via. À esquerda a garagem dos bondes; à direita o edifício do Congresso, hoje Câmara Municipal de Curitiba. Imagem do início da década de 1890. (Foto: Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)
Praça Eufrásio Correa com a estação de Curitiba ao fundo nos anos 1930. (Foto: Arthur Wischral/Museu Paranaense; reprodução Brunno Covello/GP)
Assentamento de trilhos para o bonde que passaria em frente à estação, foto do começo do século 20. (Foto: Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)
Recepção para o presidente da República, Afonso Pena, em frente à estação em 1909. (Foto: Coleção Julia Wanderlei/acervo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)
Partida de um batalhão do Exército em frente à estação de Curitiba em 1910. (Foto: Coleção Julia Wanderlei/acervo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)
População concentrada na rua da Liberdade, atual Barão do Rio Branco, saudando a partida de um batalhão do Exército em 1910. (Foto: Coleção Julia Wanderlei/acervo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)
Em 26 de setembro de 1912 embarcaram na estação de Curitiba forças do Regimento de Segurança para a Guerra do Contestado. As tropas estavam sob o comando do Coronel João Gualberto. (Foto: Coleção Julia Wanderlei/acervo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)
Embarque de tropas do Exército na estação de Curitiba em 1912, parte da população da capital se concentrou na rua da Liberdade, atual Barão do Rio Branco. (Foto: Coleção Julia Wanderlei/acervo Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)
Entrada principal da estação na década de 1930. (Foto: Acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)
A estação de Curitiba hoje. Com a inauguração da Rodoferroviária em 1972 o prédio foi desativado. (Foto: Brunno Covello/GP)
Desde 1984 o antigo prédio da estação passou a abrigar o Museu Ferroviário. (Foto: Brunno Covello/GP)
A maquete no museu mostra toda a infraestrutura que fazia parte do complexo da estação, com oficinas de manutenção, abrigos para trens, pátios de manobra e galpões. (Foto: Brunno Covello/GP)
O hall de entrada da estação preservado tal qual nos tempos em que os trens ainda paravam na região. Em primeiro plano, a bilheteria com o símbolo Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. (Foto: Brunno Covello/GP)
O museu conta a história da ferrovia Paranaguá-Curitiba e sua relação com o desenvolvimento econômico do Paraná. (Foto: Brunno Covello/GP)
Réplica de locomotiva a vapor criada pelo ferroviário Rodolfo Weight Júnior na decada de 1960. A pequena maria-fumaça funciona exatamente da mesma forma que as locomotivas em tamanho natural. (Foto: Brunno Covello/GP)
O objeto maior no centro da foto é um antigo aparelho de staff que estava presente em todas as estações. Para que um trem pudesse circular entre duas estações o chefe da estação precisava entregar um bastão metálico ao maquinista. Enquanto esse bastão não fosse entregue na estação seguinte nenhum trem poderia circular naquele trecho. Os aparelhos de staff eram interligados entre si por meio de um sistema elétrico. (Foto: Brunno Covello/GP)
Coleção de quepes usados por funcionários da estação e dos trens da extinta RFFSA. (Foto: Brunno Covello/GP)
Coleção de placas de marias-fumaças. As placas eram fixadas nas locomotivas como instrumento de identificação, cada uma tinha seu número. Na placa do centro da foto ainda encontramos informação do país de origem, do fabricante e do ano de fabricação da locomotiva. (Foto: Brunno Covello/GP)
Os relógios são objetos marcantes nas estações de trem. Antigamente as estações também ofertavam para as comunidades em seu entorno meios para se comunicar com outras localidades, primeiramente através dos telégrafos e depois com os telefones. (Foto: Brunno Covello/GP)
Estrutura metálica das antigas plataformas de embarque. Quando o primeiro trem chegou em Curitiba, em dezembro de 1884, a estação ainda estava em obras. A estrutura que vemos só foi montada depois dessa data, o trem que permitiu a vinda do material do Porto de Paranaguá. (Foto: Brunno Covello/GP)
Locomotiva American n.º 19 BLW 38009, atuava no transporte turístico e executivo. Com a intensificação do transporte de cargas esse tipo de locomotiva deixou de ser usado. Por 20 anos ela ficou exposta no Parque Barigui, em decorrência de atos de vandalismo ela foi transferida para o Museu Ferroviário. (Foto: Brunno Covello/GP)
Com a transferência, em 1918, dos escritórios da companhia para outro local, edifício passou por modificações que incluíam a criação de um salão nobre. Em 1949, as diversas instalações de manutenção foram transferidas para onde hoje é a Vila Oficinas, nas imediações do bairro Capão da Imbuia. A estação foi desativada com a inauguração da Rodoferroviária em 1972. Por fim, como havia sido cogitado no passado, a estação de Curitiba ocupou o antigo Campo dos Schmidlin. Desde 1984 a antiga estação da Praça Eufrásio Corrêa abriga o Museu Ferroviário.
Núcleos Urbanos
“Na estação do caminho de ferro o movimento era considerável; muita gente, muitas carruagens. Em frente, uma rua muito larga para subir. Era a parte nova da cidade, há uns doze anos era coberta de pântanos. O centro principal ficava no alto, do lado oposto; mas a estrada veio ter ali e as construções conquistaram o terreno, entre ela o palácio do Governo e o edifício do Congresso.”
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Na maioria das vezes as ferrovias e as estações foram semeadoras de novos núcleos urbanos: uma estação construída em local ermo com o passar do tempo atraía edificações que davam suporte aos ferroviários e aos passageiros, dentre elas hospedarias, bares, restaurantes e hotéis. Em contrapartida, a estação também oferecia serviços à população, como telégrafo, correio, transporte de valores, entre outros. Havia uma simbiose entre a estação e a comunidade em seu entorno.
Grande parte das estações brasileiras da segunda metade do século 19 e da primeira metade do século 20 foi construída em estilo eclético. Elas acabaram sendo disseminadoras desse estilo e de novas técnicas de edificação.