Ferrovia 130 anos

Paranaguá - Curitiba
Foto: Jonathan Campos/GP

Cultura e Esporte

Reportagem: Leandro Luiz dos Santos e Diego Antonelli.
Parte 3:

Quatro das trilhas mais usadas pelos montanhistas no conjunto Marumbi. A mais leve é a trilha do Rochedinho com um tempo médio de subida de 1 hora. A mais pesada é a trilha Noroeste, com tempode subida de até 4h30. Fonte: livro As montanhas do Marumbi.
Fonte: livro As montanhas do Marumbi.

Desde os primórdios, a ferrovia Paranaguá-Curitiba foi uma parceira dos montanhistas que se aventuravam pelas trilhas rumo ao cume do conjunto Marumbi. Segundo Carlos Manes Bandeira, autor do livro A História do Montanhismo Brasileiro, a conquista do Marumbi, em 1879, é considerada a primeira escalada no Brasil que teve como objetivo apenas apreciar o panorama da montanha.

“No domingo, à tardinha, havia concentração de todos na estação [estação Marumbi], para esperar a maria-fumaça, na volta para Curitiba. O horário do trem era às 18h40. Mas, normalmente, a locomotiva apitava na chegada da estação com atraso de pelo menos uma hora. Por vezes se esperava o trem até 22 horas, ou mais. O cansaço da escalada, mais o enorme frio de inverno, arrefeciam o ânimo nessa espera angustiante. Os vagões eram poucos, seis a oito e já vinham todos com os assentos ocupados. Os corredores ficavam abarrotados de gente. As plataformas também lotadas. Havia marumbinistas que chegavam a viajar nos estribos laterais das locomotivas a vapor. Então se iniciava novamente a cantoria alemã, tomando conta do ambiente. Nos túneis, em marcha lenta, os vagões se enchiam de fumaça que quase asfixiava a todos.”


Adyr Kronland Pinto, marumbinista
Continue lendo...

Durante os primeiros 50 anos após a conquista da montanha, poucas expedições se aventuraram novamente pelas trilhas. Boa parte dos que subiram o Marumbi nessa época eram escritores, historiadores e artistas. O montanhista Nelson Penteado destaca que a partir de 1937 começa a chamada “fase das conquistas” dos picos do conjunto Marumbi. Em sua grande maioria os escaladores eram alemães ou descendentes que viviam em Curitiba e mantinham consigo a tradição dos antepassados de subir os Alpes.

“O acesso por trem até a base do maciço também foi um facilitador para a explosão da febre marumbinista”, afirma Penteado. Segundo o historiador Aimoré Arantes, a importância da estação Marumbi era tamanha que nos anos 1940, durante a construção de novos prédios para as estações, os escaladores conseguiram convencer o então diretor da rede ferroviária, Durival de Brito, a erguer a nova estação com a frente voltada para o Marumbi.

Em 1943, os apaixonados pela escalada fundaram o Círculo dos Marumbinistas de Curitiba, que influenciou muitas gerações. Em 1978, jovens admiradores dos marumbinistas criaram o Clube Paranaense de Montanhismo, que está em atividade até hoje.

Dificuldades

Henrique Schmidlin comenta que havia 3 “faunas” nos trens: os caçadores, com suas espingardas; os pescadores, com suas varas de pescar; os montanhistas com suas cordas de escalada.

O marumbinista Henrique Schmidlin, o “Vitamina”, comenta que se o marumbinismo tivesse que se desenvolver hoje haveria duas grandes dificuldades. A primeira é o custo da passagem, que após a privatização ficou mais alto (o bilhete na classe econômica sai por R$ 79, preço em fevereiro de 2015). A outra questão refere-se às opções de horário, pois antigamente o trem convencional partia todos os dias, em dois horários, da estação de Curitiba – logo no início da manhã e no começo da tarde. O retorno para a capital também tinha duas opções de partida. Hoje há apenas uma opção.

Andersen presenteia Teixeira Soares

Alfredo Andersen, Viaduto do Carvalho, 1925, óleo sobre tela. (coleção particular)
Alfredo Andersen, Viaduto do Carvalho, 1925, óleo sobre tela. (coleção particular)

O artista plástico Alfredo Andersen nasceu em 3 de novembro de 1860 em Christianssand, Noruega. Andersen era filho de um capitão da marinha, por isso teve a oportunidade de conhecer diferentes partes do mundo. Em uma de suas viagens ele desembarcou em Paranaguá e por lá ficou no ano de 1892. Depois de se casar com uma parnanguara, Alfredo mudou-se para Curitiba, onde montou um atelier. Em 1927, Andersen viajou à Noruega apenas para visitar amigos e familiares. No Brasil o artista já tinha uma carreira próspera e consolidada. O pintor produziu quadros da Serra do Mar na época em que frequentou o antigo posto telegráfico do Cadeado. Andersen presenteou Teixeira Soares, engenheiro-chefe que concluiu a ferrovia, com um de seus quadros que retrata uma paisagem do Cadeado (imagem de capa da seção). Andersen faleceu em Curitiba em 9 de agosto de 1935.

Os Lazzarotto e a estrada de ferro

Poty Lazzarotto, O guarda freios, 1960. (Foto: Brunno Covello/GP; acervo Museu Ferroviário)
Poty Lazzarotto, O guarda freios, 1960. (Foto: Brunno Covello/GP; acervo Museu Ferroviário)

No começo do século 20, uma das mais arriscadas profissões ferroviárias era a de guarda-freios. Sua tarefa era andar sobre o trem em movimento apertando e afrouxando os freios de cada vagão. Isaac Lazzarotto foi um guarda-freios que, após se aposentar, abriu um pequeno armazém no início do ramal ferroviário Curitiba-Rio Branco, no bairro Capanema, hoje Jardim Botânico, na capital paranaense.

Em 1937, Issac e a esposa, Júlia, começaram a servir refeições em uma pequena cantina no fundo da propriedade. A comida agradou tanto a freguesia que ilustres personalidades começaram a frequentar o local, dentre elas o interventor Manoel Ribas, na época governante do Paraná. Certa vez o interventor observou um dos filhos de Issac desenhando. Percebendo que o garoto realmente gostava daquilo decidiu presenteá-lo com uma bolsa de estudos na Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro. Foi assim que começou a carreira de Poty Lazzarotto, artista plástico consagrado por suas ilustrações, gravuras e murais.

Mas não somente personalidades políticas frequentavam o estabelecimento de Júlia e Isaac, conforme conta o jornalista da Gazeta do Povo José Carlos Fernandes: “Além da nata política da época, batiam ponto no local cantores de rádio e artistas de teatro, em visita a Curitiba. A lista é um palco iluminado – passaram pela cantina Vicente Celestino, o Ébrio; Sílvio Caldas, o Caboclinho Querido; as irmãs Linda e Dircinha Batista; a bela Maria Della Costa e seu marido, Sandro Polloni. Inclua-se Hebe Camargo e Cecília Meirelles, sem falar as damas da sociedade curitibana, vestidas como se estivessem no salão azul do Clube Curitibano. Alguns cantores davam palhinha, mas quem mandava no território era o gaiteiro do bairro, Zé Pequeno. Os ilustres em visita viravam retratos na parede. Todos deixavam a assinatura num livro de ouro – documento desaparecido, para tristeza geral.”

Eternizada no bronze

Baixo-relevo em bronze produzido por João Turin. Em 1935 a peça foi colocada na entrada do túnel de Roça Nova durante as comemorações dos 50 anos da ferrovia. (Foto: Arthur Wischral/acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)
Baixo-relevo em bronze produzido por João Turin. (Foto: Arthur Wischral/acervo do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná)

O filho de imigrantes italianos João Turin nasceu em 1878 no vilarejo de Porto de Cima, em Morretes. Ainda criança, mudou-se para Curitiba. Na juventude, participou de passeatas na capital inspiradas nas manifestações anarco-socialistas que na época aconteciam na Colônia Cecília, em Palmeira.

Em 1905, o governo do Paraná contemplou João Turin com uma bolsa para estudar na Real Academia de Belas Artes de Bruxelas. Sua escolha pela Bélgica não foi casual. Deu-se em decorrência do contato que João teve no passado com engenheiros belgas que trabalhavam na construção da ferrovia Paranaguá-Curitiba. Após quase 20 anos na Europa, ele voltou para Curitiba em 1922. No ano seguinte, Turin, juntamente com João Ghelfi e Lange de Morretes, idealizaram o estilo paranista. O conceito principal estava baseado na valorização de elementos da flora e fauna locais na concepção de ornamentos para móveis, edificações e peças gráficas.

João Turin produziu muitas das esculturas de bronze que hoje vemos pelas ruas e praças de Curitiba: o Tiradentes da praça de mesmo nome; a águia que homenageia Rui Barbosa na Praça Santos Andrade; a onça na rotatória na Avenida Cândido de Abreu, entre outros. O escultor faleceu em Curitiba em 1949.

Em 1935, para as celebrações do cinquentenário da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba, foi encomendada a João Turin um baixo-relevo, que foi colocado na entrada do túnel de Roça Nova. Foi uma honra para ele executar o trabalho, pois seu pai havia sido operário na construção da ferrovia.

O futebol nasce no trilho do trem

A bola começou a rolar no Brasil em 1895. Oficialmente, Charles Miller, filho de pai escocês e mãe brasileira de origem inglesa, promoveu a primeira partida de futebol no país na vitória do time da São Paulo Railway Co. por 4 a 2 contra a equipe da Companhia de Gás. Nada mais simbólico que o nascimento do futebol em terras brasileiras ocorresse com uma partida promovida pelo funcionário de uma companhia inglesa de ferrovias e vencida por ferroviários.

Alguns pesquisadores acreditam que o futebol já vinha sendo praticado antes desta data. Independentemente das polêmicas, o certo é que o futebol sempre deu seus passos ao lado das ferrovias. O publicitário Ernani Buchmann, autor do livro Quando o Futebol Andava de Trem, conta que a maioria dos engenheiros e técnicos que vinha da Europa era inglesa: fãs de rugby, críquete e de futebol. “Entre os três, o mais fácil para ser praticado e também o mais popular era o futebol. Em cada estação [de trem] tinha um campo de futebol, que era praticado pelos operários”, diz Buchmann.

As ferrovias tinham uma importância social gigantesca. Por meio delas, o desenvolvimento chegava ao interior do Brasil e, de carona, o futebol ia se expandido junto com as linhas férreas. Brasileiros que eram contratados pelas companhias europeias começaram a se interessar pelo esporte. Com a expansão do futebol, incontáveis clubes eram formados a partir dos jogos disputados pelos ferroviários.

O mais antigo deles surgiu em 1900 – cinco anos depois de Charles Miller rolar a pelota no país. O Sport Club Rio Grande conseguiu seu primeiro estádio graças a um empréstimo da companhia ferroviária Compagnie Auxiliare de Chemins de Fer du Brésil. “Onde tinha campo de futebol? Só perto das estradas de ferro”, explica Buchmann.

Poema do centenário da ferrovia

Adélia Woellner foi uma das escritoras do livro Estrada de ferro Paranaguá-Curitiba - Uma viagem de 100 anos. Na publicação encontramos um poema seu enaltecendo a força e a determinação dos que trabalharam na construção da ferrovia.

Adélia Woellner trabalhou no departamento de recursos humanos da extinta Rede Ferroviária Federal - RFFSA. Por anos ela também contribui escrevendo para o Correio dos Ferroviários, periódico da companhia. Em 1985 a Rede produziu materiais especiais e eventos em comemoração do centenário da estrada de ferro Paranaguá-Curitiba. Adélia foi uma das pessoas que contribuiu para a publicação do livro Estrada de ferro Paranaguá-Curitiba - Uma viagem de 100 anos. É de sua autoria um poema que homenageia os trabalhadores que arriscaram a vida na construção da ferrovia que é considerada a mais audaciosa do Brasil.

Bibliografia consultada

As montanhas do Marumbi; de Nelson Luiz Penteado Alves
Pelos trilhos; de Dayana Cordova, Aline Iubel, Fabiano Stoiev e Leco de Souza
João Turin – Vida, obra, arte; de José Roberto Teixeira Leite