Ferrovia 130 anos
Paranaguá - CuritibaA Rede Ferroviária
Reportagem: Diego Antonelli e Leandro Luiz dos Santos.
Parte 4:
A década de 1950 foi marcada por crises no setor do transporte ferroviário brasileiro. O processo de industrialização e de urbanização favorecia as rodovias. As empresas ferroviárias, que até então mostravam-se lucrativas, começaram a falir. Na tentativa de frear este cenário, o governo federal optou pela unificação da administração das 18 estradas de ferro existentes e pertencentes à União.
Dessa forma, no dia 16 de março de 1957 foi criada a sociedade anônima Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que durante 40 anos assumiu a missão de cuidar do transporte ferroviário em 19 unidades da federação. Operou uma malha que, em 1996, compreendia cerca de 22 mil quilômetros de linhas (73% do total nacional) com aproximadamente 1,5 mil locomotivas. A missão era administrar, explorar, conservar, reequipar, ampliar e melhorar o tráfego das estradas de ferro da União nas regiões Nordeste, Sudeste, Centro-Oeste e Sul.
Com a criação RFFSA, a Rede de Viação Paraná-Santa Catarina, que era sediada em Curitiba e formada por 2.666 quilômetros de trilhos, passou a ser administrada pela estatal federal. Em 1969, as ferrovias que compunham a RFFSA foram agrupadas em quatro sistemas regionais: Sistema Regional Nordeste, Centro, Centro-Sul e Sul. Em menos de uma década, em 1976, a Rede criou dez Superintendências Regionais, posteriormente ampliando-as para 12, com atividades orientadas e coordenadas por uma Administração Geral, sediada no Rio de Janeiro.
Nova crise
De 1980 a 1992, os sistemas ferroviários pertencentes à RFFSA foram novamente afetados financeiramente, dessa vez de forma mais intensa. Os investimentos reduziram-se imensamente. Em 1989, por exemplo, foi aplicado apenas 19% do valor investido na década de 1980. Em 1984, a RFFSA já se encontrava impossibilitada de gerar recursos suficientes à cobertura dos serviços da dívida contraída.
Diante dessa impossibilidade, o governo federal colocou em prática ações voltadas à concessão de serviços públicos de transporte de carga à iniciativa privada. Em 1992, a RFFSA foi incluída no Programa Nacional de Desestatização, ensejando estudos, promovidos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que recomendaram que os serviços de transporte ferroviário de carga passassem, de fato, para o setor privado.
A transferência foi efetivada no período de 1996 a 1998. A liquidação da Rede foi iniciada em 17 de dezembro de 1999 e uma medida provisória de 2007 extinguiu de uma vez a RFFSA.
Quase na esquina da rua João Negrão com a avenida Sete de Setembro está o Edifício Teixeira Soares. No passado ele abrigou a sede administrativa da Rede de Viação Paraná-Santa Catarina. Após a privatização, o imóvel foi passado para a UFPR e hoje encontra-se em reforma. Futuramente também funcionará no edifício um memorial da extinta companhia ferroviária.
Casas ferroviárias
No entorno dos complexos ferroviários era comum encontrarmos as chamadas casas de turma, residências construídas pela Rede de Viação Paraná-Santa Catarina para os funcionários. Algumas eram de propriedade da companhia e outras eram financiadas pela Caixa de Aposentadorias e Pensões dos Ferroviários, tornando-se propriedade do funcionário após a sua quitação. Nelas moravam maquinistas, guarda-freios, guarda-chaves, foguistas, engenheiros da via permanente, chefes de estação, entre outros. O bom funcionamento e a manutenção das linhas férreas era assegurado por esses profissionais sempre viverem com suas famílias nas imediações do local de trabalho. No livro Pelos Trilhos, os autores destacam que a construção das vilas operárias além de suprir às necessidades da Rede e atender às reivindicações dos trabalhadores por moradia, também contribuiu para a formação de uma identidade de classe.
Em geral, as casas de alvenaria maiores eram ocupadas por profissionais com maior graduação, como engenheiros. As casas mais simples, de madeira, eram destinadas a trabalhadores com menos instrução, dentre eles os “arigós”, responsáveis pela limpeza da via permanente. Fabiano Stoiev, um dos autores de Pelos Trilhos, adverte que na maioria das vezes as casas mais simples acabam não recebendo o devido valor pelos órgãos públicos. Por serem de madeira, muitas dessas residências encontram-se bastante deterioradas. Fabiano comenta que se observamos com cuidado identificamos abrigos junto das casas de madeira que serviam para guardar o troller, pequeno veículo usado pelos trabalhadores que faziam a manutenção da via permanente.
Fábio Domingos Batista, em sua dissertação A tecnologia construtiva em madeira na região de Curitiba, acrescenta que na maioria das vezes as residências dos ferroviários eram edificadas em linha acompanhando os trilhos do trem, o modelo das casas se repetia na lógica da produção em série. Fábio analisou projetos nos arquivos da Rede e identificou 18 tipos para casas de madeira e 50 para casas de alvenaria. O material pesquisado compreendeu construções a partir da década de 1940. Os projetos das residências eram feitos por técnicos da companhia.
Uma das maiores vilas ferroviárias no Paraná foi construída próximo às Oficinas de Curitiba no bairro Cajuru. Ficou conhecida por Vilas Oficinas e inicialmente era formada por 96 casas distribuídas em seis quadras. A Vila Colorado, junto ao estádio Durival Britto, também foi outro importante conjunto residencial dos ferroviários.
A Rede jamais os deixou
Os funcionários da Rede Ferroviária, desde os arigós até os superintendentes, sentiam-se extremamente honrados por trabalhar em uma companhia que os amparava das mais diversas formas: educação para os filhos, planos de previdência, assistência médica, moradia, entre outras. Ao conversar com os trabalhadores aposentados percebemos que havia uma grande dedicação e respeito pela companhia, algo muito semelhante ao que vemos nas instituições militares.