Atletiba da Páscoa – 25 anos

A revolução atleticana, segundo os vencidos

A história do jogo e dos personagens que mudaram para sempre os rumos do Athletico

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Há 25 anos, num 16 de abril de 1995, o Athletico era massacrado pelo rival Coritiba, por 5 a 1, no Couto Pereira. Goleada que detonou uma revolução no clube. Mario Celso Petraglia, então cartola do Rubro-Negro, aproveitou o vexame no clássico para precipitar o plano de tomada de poder na Rua Buenos Aires.

Apenas um mês e dez dias depois do célebre Atletiba da Páscoa, uma comissão temporária liderada por Petraglia assumiu o controle de um fragmentado Clube Athletico Paranaense. Duas décadas e meia se passaram, e a distância daquela equipe que entrou em campo pelo Estadual, para a atual, parece de um século.

Os onze titulares e dois reservas que pisaram o gramado trajados de vermelho e preto acabaram marcados no momento que representou o fim de uma era. E o início de outra, hoje evidenciada pelas conquistas nacionais, internacionais, e a invejável estrutura. Era o primeiro passo.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Toda a equipe posada do Furacão: jogadores que entraram para a história negativamente.

A história é normalmente contada pelos vencedores, e o Athletico se acostumou com as vitórias desde então. Desta vez, entretanto, quem conta o que ocorreu naquela tarde, e a repercussão do fracasso no Atletiba, são os perdedores.

Reportagem: Fernando Rudnick. | Edição: André Pugliesi. | Fotos: Arquivo Gazeta do Povo. | Publicado em: 11/4/2020

A virada

Há 25 anos, o Athletico ainda era Atlético, sem “h”. Com fama de mau pagador entre os jogadores, o clube não conquistava um título estadual há cinco anos. Mas seguia de pé, sem rumo certo, apenas por causa de sua torcida apaixonada e 71 anos de história.

Petraglia, ainda desconhecido do grande público, assistiu à partida nas sociais do Alto da Glória ao lado dos filhos. Foi embora no intervalo, e acabou num bingo, pela primeira vez na vida, conforme relatou à reportagem. Foi saber do placar só mais tarde. Antes, ainda no estádio, sensibilizou-se com a reação dos torcedores que, no intervalo, cantavam orgulhosamente o hino do clube a despeito do placar parcial em 3 a 0 para o Coxa.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Petraglia em 1995. Antes do clássico, cartola já arquitetava plano de tomada de poder.

Ali, o futuro presidente, inconscientemente, já vislumbrava o discurso que faria meses depois para os atletas. “Nunca vou esquecer”, conta Wellington Santos de Oliveira, o lateral-esquerdo Biro, que chegou naquele ano, emprestado pelo Palmeiras.

“Ele [Petraglia] estava vestido com um sobretudo. Entrou no vestiário e disse que a partir daquele momento a história do Athletico mudaria. Que ele nos daria condição, mas que também cobraria. E que a mudança começaria com salários em dia”, completa o lateral. O ex-jogador hoje é auxiliar técnico do Juventus-SC.

O tom das palavras misturava cobrança e conforto. Do alto de seu 1,90 metro, Petraglia impressionava pela liderança. “Ele disse que dali em diante o Athletico daria uma virada”, resgata o goleiro e capitão Gilmar.

“Eu estava tão desacreditado naquele momento que não comprei o que ele disse. Mas, olhando agora, é preciso parabenizá-lo porque cumpriu tudo”, enfatiza o meia Edenílson Pateta, que entrou no segundo tempo do mais notável revés da história rubro-negra.

Na ocasião, o Rubro-Negro jogou com Gilmar; Júlio César, Pádua, China e Biro; Mastrillo; Leomar, Alaércio (Edenílson Pateta) e Luís Américo (Joílson); Paulinho Kobayashi e Carlinhos. Comandado por Sergio Cosme, esse foi o time que mudou, por linhas tortas, o rumo do Athletico.

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A depressão

O goleiro Gilmar Schiochet tinha 32 anos de idade — quase cinco deles no Athletico — quando entrou em campo ostentando seus mullets e vestindo camisa chamativa, com detalhes em roxo, azul e rosa, naquela tarde de domingo, 16 de abril, no Couto Pereira.

Capitão do time, o gaúcho de Caxias do Sul jamais imaginaria o tamanho do impacto daquele clássico no restante de sua carreira. A disputa de cara ou coroa foi sua única vitória naquela tarde.

“A torcida me adorava, eu era ídolo. Aquela derrota foi bastante marcante”, relembra o camisa 1, que tomou três gols apenas no primeiro tempo.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Ídolo da torcida no início dos anos 90, goleiro Gilmar saiu pela porta dos fundos do clube.

Os dois primeiros, do atacante Brandão, saíram aos nove e dez minutos de jogo. Jetson fez o terceiro, aos 32, e deixou o Furacão ainda mais atordoado. O travessão ainda salvou Gilmar do quarto gol antes do intervalo.

“Lembro de todos os gols como se fosse hoje. Foi um dia negro”, diz o goleiro, hoje empresário do ramo de embalagens no Rio Grande do Sul.

No segundo tempo, Brandão fez mais um e China, contra, fechou a goleada. Pádua havia descontado para o Rubro-Negro.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Brandão manda para as redes e Gilmar nada pode fazer. Gol do Coritiba. Seriam cinco.

A derrota, da maneira que foi, machucou o experiente goleiro. Líder do elenco e identificado com o clube, ele se sentiu responsável. Entrou em depressão. “Fique mal. Minha esposa estava em Caxias, eu estava sozinho em Curitiba, num hotel. Fiquei dois dias sem sair do quarto”, conta.

“Falei pra ela: vou sair de Curitiba, não quero mais ficar aqui. Sabe aquela vontade de treinar? Não tinha mais. Acordava de manhã desmotivado por ter de ir pro treino. Só depois que fui perceber que era uma depressão”, completa Gilmar, que era conhecido por treinar compulsivamente.

O arqueiro permaneceu no Athletico somente até o fim do Paranaense. Depois, pegou suas coisas e foi para o Londrina. “O Petraglia tentou me convencer a ficar, eu era querido por todos. Mas já tinha o passe livre e queria ir”, recorda Gilmar.

Para o ex-goleiro, hoje com 57 anos, há um alento. A derrota humilhante, ao menos, trouxe um lado positivo. “Sinto muito porque a torcida e o próprio clube jamais achavam que tomaríamos cinco no clássico. Sofri, mas fico feliz hoje pela história que foi construída dali em diante”.

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A mágoa

Além do estopim para uma revolução dentro do Athletico, Antônio de Pádua Polese, 53 anos, consegue enxergar, pelo ângulo pessoal, outro ponto positivo no histórico Atletiba da Páscoa.

“Toda vez que se fala na mudança de rumos do Athletico, aquela partida é lembrada. E também lembram do gol que fiz. Acho que, pelo que foi falado na época, fui o único do time que se salvou naquele jogo”, opina o ex-zagueiro Pádua, que estufou a rede coxa-branca aos 12 minutos da etapa final.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Pádua marca o gol isolado do Furacão, quando o jogo estava 3 a 0 para o rival.

A reação rubro-negra, contudo, parou ali. Assim como a trajetória do defensor no clube. Segundo ele, após ser chamado pela diretoria para permanecer no elenco que disputaria a Série B, optou por seguir o conselho de um empresário e se transferiu para o Paraná.

“Lembro até hoje do Mario Celso Petraglia falando comigo: Pádua, o Athletico começa de você, vamos comprar seu passe. Ele fez tudo para que eu ficasse”, fala.

Pesou, no entanto, a histórica e sistemática rotina de atraso salarial do clube, que vivia um momento de transição interna. Um julgamento precipitado, admite o beque.

“Foi um erro. Hoje, se eu tivesse a oportunidade de voltar atrás, teria vendido meu passe. Foi um clube que me identifiquei muito. O Athletico acabou campeão da Segunda Divisão e eu poderia ter feito história lá”, acredita.

Em 1997, quando estava no Vitória, Pádua teve mais uma oportunidade de jogar pelo Furacão. A chance até se concretizou, mas a “ingratidão” anterior não foi perdoada pelo homem-forte do clube.

“Fui contratado pelo Ademir Adur e pelo Ênio Fornéa sem autorização do Petraglia. Então, joguei o Brasileiro, fui bem, mas na hora de renovar meu contrato, pela mágoa que o Petraglia guardou, ele fechou a porta do Athletico para mim”, detalha o ex-zagueiro, hoje treinador na segunda divisão do Espírito Santo.

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A expulsão

O experiente volante Francisco de Assis Veiga Mastrillo, então com 29 anos, já sabia de antemão: o Atletiba de Páscoa poderia ser seu último jogo de uma curtíssima passagem pelo Athletico.

Contratado para o Estadual, assim como boa parte do plantel, ele tinha a saída engatilhada para o Grêmio. Seria uma contratação emergencial para o meio-campo do Tricolor gaúcho.

“O Felipão mandou me contratar. Eu seria o substituto do Dinho, que tinha pegado uma suspensão grande”, garante o baiano, de 54 anos, que atua como técnico nos mercados do Norte e Nordeste do país.

A transferência, porém, nunca saiu do papel. No segundo tempo do clássico paranaense, logo após o gol atleticano, Mastrillo foi expulso. Ele se estranhou com o zagueiro coxa-branca Jorjão, que havia agredido Joílson. Perdeu a cabeça e teve de ser contido pelos companheiros. Saiu do campo literalmente arrastado, na marra.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
O experiente Mastrillo é expulso e precisa ser arrastado pelos companheiros para fora do campo.

“Eu não tive equilíbrio. Não era para ter brigado. E aí peguei seis ou sete jogos de suspensão. Iria embora depois do clássico, mas levei um gancho maior ainda do que quem iria substituir”, recorda.

Antes do término do Paranaense, que se prolongou até agosto, o jogador acertou seu desligamento do clube. Sem receber há três meses, trocou Curitiba por Fortaleza. E, apesar da campanha ruim, reclama do rótulo que a equipe recebeu de alguns torcedores.

“Não concordo com quem diz que fomos o pior time da história do Athletico. Fomos taxados como perdedores por causa da goleada. Mas a maioria sempre foi vencedora. Infelizmente, o momento ruim do Athletico, administrativamente e financeiramente, se refletiu no campo”, aponta Mastrillo.

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O caos

Caótico é um adjetivo coerente para explicar como o Athletico iniciou o ano de 1995. Se faltava dinheiro em caixa, sobravam rusgas e embates na política do clube (leia mais aqui).

Dois jogos antes do Atletiba da Páscoa, o presidente Hussein Zraik havia demitido o técnico Hélio dos Anjos — Sergio Cosme foi o substituto escolhido. Até então, o time acumulava cinco vitórias, três derrotas e dois empates, bem longe dos rivais Coritiba e Paraná na tabela de classificação.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
O técnico Sérgio Comes substituiu Hélio dos Anjos e comandou o Athletico no clássico.

A pressão externa era grande e o grupo de oposição, encabeçado por Petraglia, certamente venceria a eleição programada para dezembro. Mas a tomada de poder foi antecipada por causa do simbólico desastre no Couto Pereira.

“A briga política era muito grande. Os problemas se refletiam no campo”, analisa Adalberto Vieira Rodrigues, o China, 54 anos.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Zagueiro China disputa bola com Ademir Alcântara, do Coritiba. Defensor marcou, contra, gol que fechou o vexame.

Contratado do Vitória naquela temporada, o zagueiro relata que o ambiente ruim, e uma escalada de resultados negativos, culminou com o revés histórico.

“Aí veio pressão de torcida, de imprensa e o time foi caindo de produção. Até aquele jogo, que realmente a gente não esquece”, cita o beque, que perto do fim do clássico fez um gol contra após ser driblado por Alex.

“Na época, a grandeza do Athletico não condizia com aquilo que era nos bastidores. Era um clube muito mal organizado, uma decadência total. Salários estavam sempre dois ou três meses atrasados”, reforça o ex-meia Edenílson Vicente Franco, 52, mais conhecido como o Pateta.

Ex-Cruzeiro, o paranaense de Jacarezinho foi outro que deixou o time após o Paranaense, com destino ao Criciúma. Com dor no coração, já que jogar no Furacão era seu sonho de adolescente.

“Quando sai, tinha quatro meses para receber. Me ofereceram um e fizeram assinar os outros”, conta o empresário, que hoje tenta resgatar o tradicional União Bandeirantes.

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O craque

Em meio a um cenário de amadorismo, o promissor Paulinho Kobayashi foi a principal contratação do Athletico para o Estadual. O meia-atacante de 25 anos, que chegou com cartaz após uma boa temporada pelo Santos em 1994, foi alvo de mercado do próprio Coritiba antes de acertar com o Furacão.

A passagem pela Baixada, no entanto, foi breve. E o Atletiba, o fundo do poço. “Eu gostaria de ter feito um jogo pra marcar história, né? Aquela partida foi uma das piores situações que passei na carreira, confessa Paulo Ricardo Kobayashi, então camisa 10, que diz sentir um peso por não ter ajudado o clube no período que vestiu rubro-negro.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Paulinho Kobayashi chegou como sensação na Baixada, pretendido por outros clubes.

“Pra mim foi uma frustração. Não por ser o Coritiba, mas pelo placar. Acho que eu devo isso daí [aos torcedores]. Saí com essa dívida. É uma mágoa que tenho comigo mesmo por não ter feito o melhor pelo Athletico”, emenda Paulinho, hoje com 50 anos, treinador do Imperatriz-MA.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Atacante teve atuação apagada e, posteriormente, acabou negociado.

Apesar de ter contrato pra jogar a Série B pelo Athletico, Kobayashi deixou o clube cerca de quatro meses após ser contratado, negociado com o Rio Branco, de Americana, que disputava o Paulistão.

Para sua surpresa. “Eu não esperava que a diretoria do Athletico me liberasse, na verdade. O elenco não tinha ninguém de nome, eu era o único. Eles me queriam como atacante, mas sempre fui meia. Estava jogando com muito peso nas costas. Me contrataram como se eu tivesse que resolver tudo, mas não resolvi nada”, lamenta.

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O prata da casa

Muito antes de o CT do Caju começar a revelar jogadores para o mundo, o Athletico também tinha seus pratas da casa. Leomar Leiria era o único deles no Couto Pereira naquele domingo pascoal.

Aos 24 anos de idade, há sete vivendo o dia a dia do clube, o volante foi um dos poucos do elenco que permaneceu após o início da Era Petraglia no Furacão. Um sobrevivente, na verdade, desde 1992, quando se profissionalizou.

“O Athletico tinha a rotina de contratar muitos jogadores e treinadores a cada ano. Não havia uma base, uma forma de jogar. Era sempre recomeçando. E assim ficava difícil enfrentrar times como o Paraná e o Coritiba, que tinham equipes formadas há tempos”, relata Leomar, hoje com 48 anos.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Leomar vigia o rival. Um dos poucos formados pelo Rubro-Negro no Atletiba.

O meio-campista, que em 2001 foi convocado pelo técnico Emerson Leão para a seleção brasileira, ainda ajudou no acesso atleticano à elite. Foi um dos poucos que estiverem no 5 a 1 que permaneceram no elenco.

Coritiba 5 x 1 Athletico (1995)
Ainda naquele ano, volante recuperou espaço e subiu com o time para a elite do Brasileiro.

Ele também participou da equipe que disputou o Paranaense em 1996, mas se sentia pouco valorizado. Pediu para sair. “Tivemos problema de renovação. Não quiseram pagar o que eu queria. É aquela história de o atleta ser da casa, não era tão valorizado…”, comenta.

Leomar acabou emprestado para o Sport, que depois comprou seu passe. O prata da casa retornou em 2003, já com um cenário totalmente diferente. Dois anos antes, o clube havia sido campeão brasileiro; jogava em uma arena ao estilo europeu.

“Joguei na Coreia do Sul em 2002 e voltei para o Athletico na sequência. A maioria dos atletas do título nacional já tinha saído, peguei uma entressafra com jovens como Dagoberto, Rodriguinho. Mas, pela estrutura e tudo mais, dá pra dizer que era outro Athletico”.

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Expediente

Reportagem: Fernando Rudnick. Edição: André Pugliesi. Imagens: João Bruschz e Edson Silva do Arquivo da Gazeta do Povo. Web design: Osvalter Urbinati.