O jogo que vencemos querendo perder

Cada gol do Brasil na vitória contra o México foi um misto de alegria e tristeza para quem conhece a história de Gilberto Martínez

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Da vitória contra o México, trago inúmeras alegrias e uma única tristeza. Mas é uma tristeza assim, tão grande, tão poderosa, que é capaz de ela sozinha soterrar todo o resto. Um desalento, quando pega a gente de jeito, é maior que muitos prazeres juntos.

Sucede o seguinte: ontem, quando tiramos o time de Juan Carlos Osório da Copa, nós trituramos também, sem querer, um pedaço do coração de Gilberto Martínez. E pior: talvez fosse o único pedacinho que ainda seguia vivo dentro daquele peito triste.

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Quem está pela Rússia o reconhece fácil: ele é o homem com a camisa da seleção mexicana com três nomes nas costas. Vero. Diego. Mía. E debaixo dos nomes, uma frase curta que expressa o transcendente: siempre conmigo.

Vero era a esposa de Martínez. Diego e Mía, os filhos. Dois niños, miúdos de tudo ainda. Juntos, todos os quatro, fizeram o plano de ir ver a Copa do Mundo na Rússia. Queriam ver de perto o escrete do seu país e, de quebra, desejavam espiar também as façanhas de Messi e um pouquinho da folia de Neymar. Seria a primeira aventura da família ainda nova, dos meninos pouco vividos.

Mas antes da viagem, houve um carro. Uma caminhonete brutal, duas toneladas de aço e desgosto. Atrás do volante, um guri de 21 anos cheio de pressa e vazio de juízo. Corria tanto que não viu o carro da Vero, do Diego, da Mía. E quando deu pra frear, já tinha passado a hora e a tragédia era certa. Foi colossal. O som estridente do ferro, dos pneus. Uma desdita de proporções bíblicas.

O motorista da caminhonete, como convém quase sempre aos boçais que dirigem carros imensos, seguiu ileso. Do alto da sua Silverado, manteve-se intocável. Perdeu talvez a carteira de motorista enquanto Gilberto perdia tudo.

Esposa. Filha. Filho. A mescla toda. Vidinhas modestas, ainda com pouca história, interrompidas logo na raíz.

Martínez, de repente, era a família de um homem só.

E mesmo avulso na vida, sem mais ter muito pelo quê brigar, o homem foi gigante no propósito e na coragem: decidiu seguir ele próprio com o sonho dos três – foi à Rússia com os 4 crachás pendurados no peito.

Gilberto Martínez/Reprodução

Pelas ruas de Moscou, ele é, ao mesmo tempo, a cena mais triste e mais graciosa do Mundial. Arrancou de mim, por fotos, longo choro. E imagino que arranque mais muita tristura e misericórdia dos passantes que andam por lá.

Por isso, quando vi que a tabela, essa canalha compositora de destinos, havia colocado no nosso caminho o time desse nobre irmão, eu me quebrantei – algumas coisas são bem maiores do que o futebol.

E foi que ontem, a cada gol do Brasil contra a meta de Memo Ochoa foi também um coice no meu peito. Ri e chorei, por ele e por mim. E acho que fomos todos um pouco assim. Queríamos bem o time da gente, mas tínhamos todos a compaixão ardente pelo homem que perdeu tudo, e que tinha, agora, só o futebol como colo.

O mundial para o México acaba aqui. Mas o Neymar, por quem o gurizinho Diego tanto suspirava, segue no jogo. E segue também viva a mais sublime história que uma Copa do Mundo já viu.

Sorve, então, nos teus crachás presos ao peito, Gilberto. Chora neles, meu bom amigo. Abraça forte, segura no peito, ergue aos céus como se fosse você mesmo um Bellini – teus crachás valem bem mais do que a Jules Rimet.

 

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