A Europa se dobra aos imigrantes – mas só quando convém

Quando filhos de estrangeiros carregam seleções nas costas e erguem países inteiros no lombo, toda profanação das fronteiras é perdoada.

Romelu Lukaku. Foto: Jack Guez / AFP
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Toda vez que um bote carregado de imigrantes africanos aporta na costa de um país europeu, o velho continente estremece, se eriça todo, fica dividido. Uns querem dar boas-vindas aos órfãos de pátria, enquanto outros querem fechar as portas e erguer muralhas contra quem vem de fora.

É um fenômeno com o qual as pessoas ainda não aprenderam a lidar.

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Num primeiro momento, a solidariedade grita: que entrem, que vivam aqui – tem espaço pra todo mundo. Mas depois que a emoção esfria, vem a reflexão inapelável: mas e o risco que eles trazem? São perigosos, hein! Que vão embora – não tem espaço pra todo mundo.

Ao cabo de tudo, a manutenção por um país autêntico, um pouco mais legítimo, quase sempre prevalece. As leis são assim, as pessoas são assim.

Acontece que a cada quatro anos as coisas mudam de figura. E as muitas certezas se dissipam no vento. Porque quando filhos de imigrantes carregam uma seleção nas costas, erguem no lombo o país inteiro e patrocinam o furor absoluto da nação em uma Copa do Mundo, toda profanação das fronteiras é irremediavelmente perdoada.

Já não são mais os forasteiros que jogam, mas é gente nossa, sangue do nosso sangue. Na hora do gol, o arrebatamento sufoca todas as transgressões. Os invasores se convertem em intrépidos paladinos das divisas, porta-estandartes do estado, heróis da emancipação.

E não sou eu quem diz, mas o próprio Romelu Lukaku. O imparável camisa 9 do time de Roberto Martínez contou a aspereza dos seus primeiros dias de bola ao Player’s Tribune. Entre uma frase dura e outra, escancarou a doída verdade: quando joga bem, é chamado de artilheiro belga; quando joga mal, vira o artilheiro belga descendente de congoleses.

Uma prova da canalhice humana. A dança dos imigrantes é uma ferida que nunca se fecha, só se amansa à medida que o vassalo recompensa os senhores do feudo. 

Hoje, França e Bélgica levam a campo 26 forasteiros. Mbappé, Pogba, Matuidi. Fellaini, Kompany, Witsel. Todos eles e muitos outros são crias de pais estrangeiros que foram à Europa para escapar do regime de terror do Congo, do golpe de Mali, da guerra entre Mauritânia e Senegal. São muitas as estirpes que nenhum dos dois países gerou, mas que agora ambos têm o prazer de aplaudir de pé, de vestir com as suas cores, de pendurar o brasão sagrado no peito.

Enquanto os imigrantes forem bons para a Europa, a Europa será boa com eles. É assim. Sempre foi assim.

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