A carretilha da discórdia

Com um drible nos acréscimos e o jogo já resolvido, Neymar escolheu o caminho mais fácil para brilhar

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Em dia de jogo do Brasil só se fala no jogo do Brasil. Pelos bares, bodegas, bancas e batizados ninguém ousa discutir outra coisa. E o país que diziam que não daria grande pelota à Copa do Mundo, devagarinho, está entregue ao torneio.

Pois hoje, quando eu saía de uma banca de revista na Manoel Ribas, topei com um fulano conversando com o jornaleiro. Discutiam, inflamados, a carretilha de Neymar. O cliente, que nem sempre tem razão, dizia que o nosso atacante era ousado, que partia pra cima, que o drible faz parte do jogo. E o jornaleiro, já um velho, dizia que o golpe era acintoso porque só havia nascido depois que a contenda estava resolvida.

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O cliente, um menino novo, está certo em uma parte: a finta é mesmo necessária. E vou além: o drible é o enfeite maior do futebol, como eu já disse em outra crônica. É o engodo ardil que orna o jogo. Por aqui, mais do que qualquer outro canto do mundo, temos um compromisso ainda maior com o drible porque somos todos filhos de Garrincha. Ir contra isso, no Brasil, é ofender o próprio sangue.

Mas o guri ignora um fato que eu e o velho jornaleiro vimos bem: o problema não foi a firula em si, mas o contexto. Bom, vamos à vaca fria.

Todos nós vimos o jogo e entendemos bem a conjuntura: empatávamos com a Costa Rica num embate duro, de ataque contra defesa. Dávamos nossos murros em pontas agudas e eles não cediam. Neymar jogava pouco, andava nervoso, desequilibrado. A televisão o mostrava xingando a todo instante, batendo com a mão na bola se o juiz pensava diferente. Quando teve a chance mais real do jogo, com todos os poros do gol escancarados, chutou pra fora.

Então, veio o bico da chuteira do Coutinho e acudiu a Seleção. Vencíamos aos 50 minutos do segundo tempo um confronto que sonhávamos estar resolvido aos 30 do primeiro. Estavam todos remidos, do massagista ao ponta-esquerda. O peso de mil Antonovs saía das costas do nosso camisa 10. E foi aí, só aí, com o jogo resolvido, que ele sacou do seu extenso paiol de golpes a carretilha vexatória. Ao lado da bandeirinha de escanteio, deu a lambreta no marcador e mostrou-lhe todos os seus dentes num riso estridente e irônico. O talento fluía dele. Um drible magnífico, mostrado à exaustão por todas as câmeras que o mundo comporta.

Mas não era só um drible. Era um achincalhe, uma humilhação fácil e barata assinada exatamente por quem mais estava devendo no jogo. Uma tentativa de mostrar que sabe, mas só depois que o preço já havia sido pago. Neymar tripudiava um inimigo que ele próprio não conseguiu matar.

Se fosse Coutinho quem desse o golpe, aplaudiríamos de pé. Eu e o velho jornaleiro. Mas não foi. Foi um escondido Neymar que se omitiu do jogo, que cavou um pênalti espalhafatoso e que, quando teve a primeira oportunidade de colocar mais uma pedra na sua coroa, não teve dúvida: cometeu o crime.

Neymar é, e seguirá sendo, imenso. Um atacante assustador. Um craque que tem toda a cancha pra ser o maior artilheiro da história da maior das seleções. Só fez o que fez hoje porque é ainda um guri. E aos 26 anos, é pesado demais carregar o país do futebol nas costas.

Daqui a pouco o menino ganha juízo e segue com seus encantos, travessuras e malvadezas que são sempre, sempre bem-vindos. Menos hoje. Menos naquele contexto.

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